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186 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 174

a uma expressão mais modesta e compatível com os orçamentos caseiros.
Medida de emergência porém, como todas as medidas de emergência, resolveu de momento um problema, mas criou outro cujas consequências estamos hoje sofrendo, dado que esse regresso não correspondeu ao regresso proporcional dos preços dos produtos manufacturados.
A emergência era grave demais para se poder medir a exacta extensão dos efeitos dessa medida, creio mesmo que tal medida se adequava ia verdadeira situação alimentar do País, por isso não critico, verifico um fenómeno. Ora esta falta de correspondência de preços entre os produtos agrícolas e os preços dos produtos manufacturados criou aquilo a que eu chamava inversão de valores económicos.
Na verdade, se analisarmos os preços dos produtos que dá a lavoura e aqueles que exprimem o valor de qualquer outra actividade, a disparidade é flagrante e desconcertante e este facto determina um mundo de consequências.
A primeira, a mais saliente, a mais vincada, a mais trágica direi até, é a desvalorização da lavoura, não digo já do produto agrícola, mas da lavoura como actividade económica, desvalorização de lamentáveis reflexos no crédito, até na psicologia do lavrador, desvalorização de lamentáveis reflexos na estruturação económica do País.
Esta desvalorização da lavoura, em face da valorização crescente e desproporcionada de outras actividades na realidade meai os ricas e menos essenciais, determina o alargamento de uma ficção económica, transforma pouco a pouco a nossa economia num puro bluff.
Posso ilustrar a minha afirmação com um exemplo: na minha região um lavrador remediado que acabava de receber a legítima paterna, depois de um inventário conflituoso entre maiores, arredondou cerca de 500.000$ em terras, não devia nada e linha um nome honrado. Para pagar as custas do inventário faltavam-lhe 3.000$, não tinha de momento essa importância e não queria recorrer ao crédito particular, sempre caro e quase sempre exigente, e recorreu a um estabelecimento bancário para a obter.
Foi-lhe negada, com o pretexto de que tinham ordens superiores para não abrirem novas contas.
Demonstrou não só que possuía bens, que valiam cerca do 500.000$, livres de qualquer ónus, mas também que- não devia um centavo. Menino assim foi-lhe negada a operação, operação corrente de desconto de letra com sacador idóneo.
Pois, pela mesma altura, um rapazola, apenas conhecido pêlos seus dotes de simpatia, que nada tinha, a não ser boa vontade, que não oferecia nenhuma garantia, a não ser a promessa do seu trabalho e a interrogação do seu êxito, conseguiu, pelo mesmo processo e no mesmo estabelecimento bancário, 50.000$ para montar um quiosque, onde vende tabacos, revistas, jornais e utilidades.
Este caso é típico e, juntamente com tantos outros iguais ou parecidos que conheço, é suficientemente demonstrativo do que vale a lavoura, ou, antes, do que não vale, como actividade económica em face de outras actividades cujas garantias são constituídas por simples promessas, meras possibilidades, enfim, esperanças vagas num futuro incerto.
A nossa lavoura é pobre, é extremamente pobre, e é a sua pobreza, a baixa capitação- do seu rendimento, que faz diminuir consideravelmente, até ao número que o próprio Plano cita, a capitação anual do rendimento nacional.
Sem crédito, como qualquer outra actividade económica, crédito adequado à natureza da sua actividade, crédito que se adapte às suas circunstâncias específicas, a lavoura não pode, apesar de todos os seus esforços, atingir o nível de produção que é imperioso que atinja. Ao lavrador falta geralmente o fundo de maneio indispensável ao amanho das suas terras, às despesas com as sementeiras, com as adubações e fertilizações, e se a propriedade ultrapassa, um pouco o tipo de propriedade familiar e se vê obrigado a chamar trabalhadores que o ajudem no amanho, as suas despesas de cultura sobem ainda mais. Por isso ele tem quase sempre de recorrer ao crédito.
Essas despesas serão ainda maiores quando se vir obrigado a adoptar novos processos de cultura, novos fertilizantes, novos encargos com o regadio. Os brincos emprestam dinheiro a prazos curtos e taxas desproporcionadas aos lucros da lavoura, e assim o lavrador tem, fatalmente, de cair nas mãos do usurário, que lhe empresta o dinheiro mais caro, mas por prazos que o livram de preocupações até à próxima colheita.
A lei dos melhoramentos agrícolas é interessante e beneficia o lavrador sob certos aspectos, permitindo-lhe instalações próprias, captações de água, etc., mas os investimentos feitos por meio destes empréstimos constituem capital fixo que lhe não dá rendimento imediato e não supre as deficiências de numerário para as despesas correntes de cultura.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: porque não sou um economista nem um agrónomo, limitei-me a considerar rapidamente e sumariamente três dos aspectos que, pelo meu contacto permanente com a lavoura da minha região e com os seus problemas, se me afiguram essenciais e que, quanto a mim, deviam constituir os três passos fundamentais de um plano de fomento agrário do País.
Considerados no conjunto do Plano de Fomento que constitui a proposta do Governo que estamos discutindo, esses três aspectos juntos a um quarto aspecto que o Plano prevê -a hidráulica agrícola- não perdem o seu valor nem a sua oportunidade e, julgo, a urgência da sua realização. Não me preocupei com números, com dados técnicos, com o aparato científico e com o rigor exacto de certas leis fenoménicas, porque me lembrei que, falando perante uma assembleia política, não devia trazer para aqui senão a expressão das ansiedades, das necessidades e das deficiências da quase totalidade dos meus eleitores, sabendo, como sei, quais os reflexos políticos que essas necessidades e ansiedades provocam.
Assim eu sei o que vale o repovoamento florestal e a colonização interna, mas tenho de trazer a esta Casa o brado de milhares de lavradores portugueses que se debatem há muitos anos com uma crise calamitosa de ignorância, de incerteza e de penúria; tenho de trazer aqui as verdadeiras necessidades imediatas dos nossos lavradores, para que a Câmara e o Governo as conheçam e possam no Plano de Fomento conciliar-se as realizações que satisfaçam essas necessidades com as outras realizações que satisfaçam o pensamento dos técnicos.
É preciso, entretanto, que se não deixe passar esta ideia fixada no Plano: «A transformação das condições deficientes da agricultura nacional, no que respeita u técnica agrícola e ao apetrechamento que lhe é indispensável, há-de ser obra, sem dúvida, dos próprios lavradores».
Num país como o nosso, onde as massas agrárias são ignorantes e pobres, dificilmente essa transformação de que fala o Plano se pode operar só com o esforço do próprio lavrador. É indispensável que o Estado auxilie de forma efectiva e em larga medida essa transformação e não apenas como a seguir no Plano se diz: «... investigando, experimentando e demonstrando os processos culturais mais apropriados a cada região, preparando a gente do campo para aplicações de novas técnicas, assistindo aos agricultores nas suas dificuldades e au-