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986 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 223

netàriamente a própria investigação; ainda há dias li numa das maiores revistas da França um trabalho médico leito no serviço do grande mestre Pasteur Vallery-Radot e subsidiado na parte experimental pela Sécurité Sociale.
Nem na Suécia nem na própria Inglaterra, onde o seguro social tem feição mais nacionalizada e estatificada, se caminhou para instalações sanitárias próprias, mas se aproveitou o que havia feito e levantado a iniciativa particular ou interesse público. Só a Espanha anda desde há tempos a construir hospitais privativos da previdência, na designação adocicada de «residências sanatoriais».
Já algures denunciei este mau caminho, que jornais espanhóis apontaram também e que se ouve amargamente de muitas bocas responsáveis: a sobreposição duma outra rede hospitalar à que já existe, de hospitais provinciais, clínicos e da assistência, está levantando sérios problemas financeiros, de administração e até escolares. Diminuem cada vez mais os doentes nas enfermarias universitárias e os professores começam a estar aflitos com a escassez de material de ensino para os futuros médicos, cada vez mais numerosos.
Também não é assim a nossa doutrina. Não há dúvida de que a criação de serviços sanitários próprios pela Previdência, não somente os de diagnóstico, mas também os de tratamento, e os farmacêuticos e os de internamento de doentes, traz barateamento de preços.
Os serviços da Previdência não pagam aluguer, não gastam dinheiro em contribuições, não têm de existir como pessoas, nem de sustentar e de educar a família e os filhos. Mas o conceito doutrinário recorta-se com nitidez: nos Estados da nossa doutrina político-social os serviços oficiais ou oficializados não podem ser postos em concorrência ou ameaça de subversão com os serviços de iniciativa particular.
O conceito é tão certo que, quando a Federação tentou já por outra vez montar um serviço próprio de radiologia, com as mesmíssimas razões de economizar uns dinheiros o problema como se vê, não começa agora -, e tinha comprado um aparelho de raios X e instalado um posto de radiologia no Porto, o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social, na lógica perfeita da sua doutrinação, determinou - e honra lhe soja- que o posto não abrisse e que o aparelho se vendesse, porque aquilo era obra socialista.
Não é, igualmente, justo que o seguro social aspiro os doentes de muitos sectores de trabalho para encarregar da sua assistência um corpo de médicos contratados. Não tem paralelo nem pode servir como modelo comparativo o que se passa com algumas associações profissionais, em organizações especiais como a dos C. T. T., em mutual idades, nos próprios serviços de assistência pública.
Nuns casos os benefícios são simplesmente aproveitados por aqueles que para eles contribuem; ó livre a inscrição; o trabalhador paga se tem vontade de usufruir as regalias que a instituição oferece.
Noutros casos os benefícios são dados gratuitamente àqueles que nada têm e para eles em nada podem contribuir. Mas a Previdência não faz assim:

1.º É generalizadora, quer dizer, estende a todos os duma profissão o campo do seguro;
2.º É obrigatória, quer dizer, impõe o seguro;
3.º É exclusiva, quer dizer, não admite outras instituições do mesmo seguro.

Logo, se a Previdência leva para dentro dela os doentes de muitos estratos populacionais - generalizadamente, isto é, a todos obrigatoriamente, isto é, sem o consentimento do próprio segurado, exclusivamente, isto é, sem que o seguro possa ser entregue a outro organismo -, também deve levar todos os médicos, porque todos têm o mesmo direito de abrir os seus serviços aos doentes assim generalizadamente, obrigatoriamente, exclusivamente incorporados.
Não quis a Previdência ir pela via justa, e centenas de consultórios ficaram desertos sem que os médicos pudessem seguir os doentes que lhes eram subtraídos, mesmo aceitando outras condições de exercício. Chegam até mim depoimentos de médicos de todo o Pais, e sei e posso testemunhar a séria crise que se abriu para tantíssimos profissionais habituados a viver com os doentes e dos doentes que o seguro absorveu.
Diz o seguro que, ao inverso do que alegam os médicos, ele lhes aumentou o número de clientes, trazendo para a assistência remunerada muitos que não comportavam qualquer remuneração. O argumento só podia ser posto se o seguro entregasse o acréscimo de doentes à divisão geral dos médicos, e depois havia que perguntar ao seguro se a remuneração pelos que chegam de novo compensa a baixa geral de remuneração.
Nunca os nossos médicos se recusaram a prestar serviços gratuitos, deram-nos e continuam a dá-los com a maior generosidade; mas pediam, e também continuam a pedir, a justiça - a justiça que assiste a quantos trabalham- de deixar que paguem os que podem e na medida do que podem.
Consequências ainda mais graves são as que a racionalização da medicina pelo seguro cria aos médicos acabados de formar. Todos nós, quando saímos das Faculdades, começámos a exercer pelas pessoas mais próximas, as do bairro ou as mais amigas, em todo o caso as mais acessíveis em condições económicas.
Depois lá fomos alastrando em marcha excêntrica e os que tiveram possibilidades escalaram os- vértices. Mas hoje ... hoje não há positivamente campo de trabalho para os médicos que chegam ao patamar do dia, depois duma carreira que exige muito dinheiro e em que se queimam muitos anos de esforço.
O seguro social absorveu a massa de trabalho, meteu dentro dele os grupos mais representativos de trabalhadores das cidades e das vilas, e, quando os médicos lhe batem à porta para o exercício legítimo da profissão, responde que tem os quadros completos.
E que hão-de fazer estes médicos recém-vindos, de que hão-de viver, se os que estão fora do seguro procuram, muito legitimamente, os nomes já consagrados?
O que fazem, na sua grande maioria, descontados aqueles que se acolhem à protecção de um médico mais antigo, é, depois de um ano ou de dois de vida errante pelos hospitais ou pelas clínicas, aceitar qualquer lugar, qualquer situação que lhes dê uns magros centos de escudos e os liberte de continuarem a receber da família a pensão de estudantes. E isto é o afundamento do ânimo, a revolta contra a própria profissão, a impossibilidade de subida, de aperfeiçoamento, de melhoria, até pela impossibilidade de comprar um livro ou de assinar uma revista.
Eu ouço, vivo todos os dias este quadro nos que me procuram e meço na sua real dimensão as graves perspectivas criadas aos rapazes que andam, despreocupados, pelas nossas Faculdades de Medicina. Como as avaliam muitos professores que me contam a sua reflexão amarga; a obra dos mestres não acaba no ensino e na preparação dos médicos; fica no melhor da alma, com amor quase paternal, a sorte dos que ungem com o poder de curar e trazem pela mão à porta da Faculdade.
É certo que os médicos quinhoam das dificuldades que no momento afligem o caminho de todos os diplomados. Mas, porque há-de o sistema de racionalização da medicina adoptado pela nossa Previdência agravar