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988 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 223

Convém referir e sublinhar tudo isto para que se verifique como os princípios não suo errados nem impraticáveis e como os delegados da nossa Previdência os compreenderam já bem amplamente. Porque não foram realizadas, postas em vigor, as sugestões da comissão de há três anos?
O Subsecretariado passou a Ministério, a continuidade dos critérios interrompeu-se e entrou a crescer e a avolumar-se, brandindo por vários lados, um argumento máximo: o pagamento em função dos serviços favorecia o abuso dos médicos.
Era o perigo de corrupção, e começou a forragear-se através da? caixas, para alinhar em decisiva lista negra quantos profissionais tinham excedido a liberdade de consulta e de prescrição.
Ora entendamo-nos. Não pode a classe médica evitar que entre as suas fileiras se aninhem maus profissionais. Como acontece em todas as outras classes, é uma condição inevitável, uma realidade de construção, com que se conta em qualquer das organizações onde entram os homens. E sempre os regimes jurídicos postulam maneira de a conjurar.
Mas que haja pelas nossas terras vinte, mesmo cem, médicos que abusem ou prevariquem? Basta, sinceramente chega para invalidar as virtudes do sistema? Como não compreender que uma forte atitude punitiva da instituição defraudada e dos tribunais disciplinares da Ordem dos Médicos não deixaria que o mal se repetisse ou alastrasse?
O argumento não pode convencer a quantos são bons homens e bons portugueses. Por essa Europa fora, com excepção dos países soviéticos, na Espanha, França, Suíça, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suécia, Inglaterra, os seguros sociais remuneram os médicos segundo a actividade exercida.
Na Espanha e na Inglaterra são remunerados por capitação; nos outros países por unidade de serviço. Tem o seguro na Europa fiscais e inspectores; defende-se contra a fraude, investiga, apura, facilita e premeia a denúncia; e a verdade, a escandalosa verdade, ó que poucos, pouquíssimos médicos fraudadores se têm averiguado contra a multidão imensa dos que servem honestamente.
Vamos então aceitar que é diferente a craveira moral dos médicos portugueses? Que não têm uma honestidade igual à dos seus companheiros europeus? Não concluamos injustamente.
Os nossos médicos merecem o nosso respeito. Na proporção de tudo o que é humano, perfila-se em alta beleza o número dos que cumprem honradamente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quantas dedicações por esse país fora?
Quem dá, todos os dias, mais gratuitidade de serviços?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fora do sacerdócio da alma, quem mais se levanta a horas escuras para assistir à dor humana e tantas vezes sem mais paga que o próprio coração?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bastaria que cem o fizessem entre os sete mil profissionais do País para que a sua altura moral resgatasse os outros cem trazidos ao pretório do seguro.
Eu sei que a remuneração dos médicos em função de serviço foi lia meses discutida pouco favoravelmente pela Organização Mundial da Saúde. Houve instituições de previdência que entre nós logo puseram a correr o informe, triunfalmente, nas mãos dos seus médicos.
Mas ó preciso dizer que contra as conclusões do relatório se insurgiu com fortes razões a Associação Médica Mundial; o relatório peca do defeito de tantos; foi elaborado exclusivamente por técnicos ou funcionários de saúde, médicos sem o contacto da vida real, fora dos passos da clinica e desconectados das reacções dos doentes.
O trabalho dos médicos funcionalizados e com um vencimento fixo é um trabalho sem estímulo, que leva a consequências dignas de meditação. Por muitas partes vão julgados os malefícios desta burocratização dos médicos, mais depressiva do que outra qualquer, porque é estática, definitiva, pela própria natureza da profissão: o médico ó sempre médico e igual no exercício a outro médico.
Não há muito que o mais importante diário de Madrid comentava:
Se o facultativo recebe um soldo fixo do Estado, cure ou não cure os seus pacientes, perde um dos estímulos mais poderosos para a sua autoformação.
Se, para mais, comprova que os colegas que procuram estar em dia e os que se banalizam gozam de idêntica consideração e benefícios, é muito provável que se desmoralize, e, se não tem uma forte vocação, deixará de estudar.
Numa ciência experimental como a medicina, que está sempre em marcha, deter-se equivale a perecer. Esta burocratização estendida a toda uma geração de médicos pode chegar a produzir uma verdadeira crise sanitária.
Para que um médico se aperfeiçoe bom é que ao seu estimulo se abra o ganho de melhores posições científicas e económicas. E não tolhamos os passos livres do médico com os cambões, os agenciamentos, a angariação suspeita da clientela.
O trabalho do médico enreda-se nas mesmas malhas das outras profissões, sofre de tudo o que é humano. O que temos é de procurar que o trabalho do médico seja melhor, maior, mais alto de nível científico e mais fecundo de interesse para os doentes.
Há, sem dúvida, entre os médicos, como entre todas as profissões, almas de apóstolo, vocações superiores, vontades guiadas por uma luz espiritual ou até por um determinismo constitucional, que estão acima dos bens e das recompensas do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o homem corrente, o homem de todas as ruas e de todas as horas, mo vê-se, na equação das actividades, pelas forças, também humanas, da ambição ou do desejo de ser mais e maior. E, se o funcionalizamos, se o enquadramos, se o nivelamos sem a compensação relativa de esforços, quebramos muito das molas espontâneas, muito do que nele é constitutivo e particular.
A medicina burocratizada não leva espontaneamente às elites. Ainda não se viu a grandeza das consequências porque os vértices actuais, feitos em outro sistema, florescem compensadoramente. Mas, se não mudamos o que está - ca todos nos interessa uma medicina de alto nível-, os próprios acontecimentos hão-de acabar por impor a correcção. O inevitável pendor das coisas humanas trará com a mentira da medicina a mentira da assistência.
É de verdadeira excepção a posição dos médicos portugueses em relação ao seguro social. E não sei que estranha atitude é a dos que insistem em que os médicos continuem assim funcionalizados com um vencimento certo. Paro muitas vezes a meditar porque se