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21 DE MARÇO DE 1953 987

particularmente o que já está difícil? Se o seguro social nasceu da ânsia de um mundo com melhor justiça, não pode tornar aflitivas as condições de vida de uma classe social.
O errado caminho da burocratização conduz ainda a outros males. O maior é a privação da liberdade de escolha do médico. Não se conferindo a todos os médicos o direito de prestar serviços no seguro de doença não se pode dar aos segurados o direito de escolher o módico da sua confiança. A liberdade de escolha é uma das características essenciais da arte de curar. Não há que jogar com o seu sentido.

A Ordem dos Médicos esclareceu bem:

A medicina coloca a liberdade de escolha dentro do condicionalismo das outras liberdades; não a crê ilusória só porque o doente não pode escolher entre todos os médicos do Mundo ou entre todos os médicos do País; considera-a real, efectiva, quando o doente vai até ao médico que, por uma ou por várias razões psicológicas, escolheu entre os que estavam ao alcance da sua escolha. E é esta razão ou razões psicológicas que interessam a medicina; é a sua existência e a sua importância como factor activo, de real actuação no jogo terapêutico, que a medicina quer defender.
A medicina trata pessoas. O homem não adoece só no corpo; adoece no seu todo solidário e harmónico, adoece inteiro, traz para a doença tudo quanto o constitui, desde a herança, desde o modo de ser orgânico e psíquico, desde os valores morais e afectivos, até ao meio em que luta e se defende. E esta pessoa humana que se recorta e se afirma na particularidade do seu sofrimento, diz a nossa doutrina, e di-lo rasgadamente, está por cima da lei social.
O nosso Estado não pode tolher ao doente a liberdade de escolher o seu médico, tem de a respeitar, de curvar-se perante o que é lídima dignidade da pessoa humana.
Curioso, bem merecedor de ser lembrado, é que o binário - direito de todos os médicos de prestarem serviços no seguro e direito de todos os segurados de escolherem o médico- se respeita por outros Estados sem a nossa ideologia, mesmo aqueles onde o seguro se estruturou em moldes socialistas.
Na Suécia e na Inglaterra, por exemplo, todos os médicos podem à vontade entrar no seguro ou ficar fora dele e o beneficiário pode escolher o médico que mais preferir.
Colectivizaram-se os riscos, os Estados tomaram à sua conta os seguros de todos os cidadãos e financiam as responsabilidades pelos impostos gerais, mas respeitou-se o carácter individual do acto médico. É que a consulta e, com ela, o diagnóstico e a terapêutica não se exprimem, como nos outros seguros, por números e tempos fixos, não se subordinam a série e a massa, são problemas fundamentalmente, essencialmente, pessoais, diferentes para cada homem. E ou se respeita este modo de ser do acto médico ou se faz tudo menos medicina.
Seria estranho que fôssemos nós os doutrinários do Estado que não é fim do homem, os defensores da dignidade da pessoa humana, quem destruísse o bom sentido da medicina social. Fala-se muito de medicina social; ó uma expressão que anda por aí facilmente na pena ou na boca de muita gente. E eu lembro que para saber o que é medicina social não basta ser técnico do social, impõe-se também ser médico.
Posso repetir aqui o que disse há pouco mais de um ano na Faculdade de Medicina de Coimbra, quando abri o curso de férias que se realizou ali em colaboração com o conselho regional da Ordem dos Médicos:

Pensa-se que para ser social a medicina tem de mudar, não já o ruma ou exercício, mas o próprio sentido. A medicina não precisa de chamar-se social só porque tem de acudir à higiene e à assistência da família, da profissão ou da cidade.
Porque a medicina ó feita do homem e para o homem e só cumpre o bom sentido quando acompanha o homem na expressão de todas as suas realidades naturais. E se o século agrupou os homens, se são os grupos que organizam a prestação da medicina, se o homem não chega hoje ao médico na sua independência individual e chega integrado no grupo, número dum colectivo maior ou menor - no fim, no último elo, para que haja medicina tem sempre de ficar o homem, a unidade irredutível ao nivelamento, o particular e o distinto do drama de cada um.
E posso também acrescentar o que disse há meses aos médicos do V Curso de Aperfeiçoamento do conselho regional de Lisboa:

A medicina não é, como alternada e erradamente se tem defendido, nem celular, nem humoral, nem psicossomática, nem agora social; é tudo isto, é o conhecimento do homem total, do homem inteiro, a viver e a sofrer na equação do seu eu e das suas circunstâncias, das realidades naturais em que se integra, desde a família ao grupo profissional e ao agregado civil.
Quer dizer, não há em bom rigor medicina social; há o aspecto, o lado, a face social da medicina. E se vimos de um tempo em que a medicina foi quase exclusivamente individualista, não corrigimos o caminho se ela passa a ser exclusivamente social. Continuamos a não compreender-lhe o sentido de totalidade. De um erro caímos para outro erro, na mesma atitude, porque os fenómenos são conexos daquela visão parcial do homem que ontem fez o pecado do individualismo e hoje fere de morte as doutrinas comunitárias.
Se a todos os médicos deve ser dado o direito de prestar serviço no seguro, também é preciso que se mude o sistema de retribuição dos médicos, acabando com o vencimento fixo. Desde há anos que a Ordem dos Médicos vem insistindo por que os médicos recebam em função dos serviços prestados.
Em 1951 o Sr. Subsecretário das Corporações e Previdência Social nomeou uma comissão para estudo dos quadros, categorias e remuneração do pessoal médico da Federação; dela faziam parte um representante da Direcção-Geral da Previdência, um representante da Federação dos Serviços Médico-Sociais, que era o seu vice-presidente, e um representante da Ordem dos Médicos. Elaborou a comissão um apreciável relatório, redigido pelo vice-presidente da Federação, onde se propõem já todos os princípios que venho aqui defendendo:
1.º O direito de prestar serviços concedido a todos os médicos da área de um posto;
2.º Consultas nos consultórios médicos e aproveitamento dos postos como centros administrativos da área;
3.º Faculdade de o beneficiário escolher entre todos os médicos da área;
4.º Remuneração dos médicos em função dos serviços prestados ou pelo sistema de capitação, no caso de haver bastantes doentes para a assistência, ou então a remuneração por serviço ou acto médico.