21 DE MARÇO DE 1953 995
mento do Plano de Fomento supõe (...), durante seis anos, a manutenção da capitalização actual».
2.º Se acaso o aviso prévio pretende apenas, por agora, que se vão «arranjar os dispositivos» para a execução, daqui a seis anos, do esquema de benefícios por ele proposto, não se compreende a utilidade de construir desde já, à distância de ... tão longo prazo, «um novo sistema».
c) Que dizer do modo de prestação dos serviços médicos?
As informações a este respeito fornecidas pelo presidente da direcção da Federação dos Serviços Médico-Sociais, aqui juntas em anexo, dispensar-me-iam de qualquer outro esclarecimento.
Contra o afirmado no aviso prévio: 1.º Lá está esclarecido que, se há no seguro social quebra de individualidade dos actos médicos ou lamentável desumanização da medicina, e massificação do seu exercício, não se trata de feias culpas da Previdência Social, mas de características (louváveis ou censuráveis - não se discute agora) da medicina moderna, mercê da sua forte tendência para a especialização e das novas técnicas de diagnóstico e tratamento da doença. 2.º Lá está esclarecido também como ... não é possível dar aos segurados o direito de livremente escolherem o módico da sua confiança - salvo se (socializando terrivelmente a medicina) o Estado obrigar todos os médicos a trabalharem no seguro social e a receberem as remunerações que este puder adoptar, ou se os beneficiários só tiverem confiança ... em médicos inscritos na Previdência Social.
3.º Lá está esclarecido ainda que há-de ser tão verdadeiro e tão perigoso funcionalizar (talvez preferível a «funcionalizar») o médico da Previdência com um «vencimento fixo» (que, segundo creio, o ilustre autor do aviso prévio já reputou baixo e entendeu não dever ser considerado «vencimento» para efeitos de acumulação, de abono de família e de tributo fiscal), como o é no caso de médicos privativos dos hospitais, dos sanatórios, das maternidades, das associações de socorros mútuos e, até, de muitos (que oxalá fossem muitos mais estabelecimentos fabris.
4.º Lá está esclarecido, do mesmo modo, que nem todos os médicos da Previdência Social são contratados, como nem todos recebem vencimento fixo - havendo-os remunerados por acto médico e por serviço prestado. 5.º Lá está esclarecido igualmente que é talvez mais fácil demonstrar-se a contribuição da Previdência Social para o emprego do que para o desemprego da classe médica.
6.º Lá está esclarecido finalmente quanto é inexacto afirmar-se que a Federação «quer agora impor a criação de serviços de radiologia» e que sobre os analistas pesa a injusta «ameaça» de serviços privativos destas especialidades.
Não obstante todo o exposto, a alusão aos médicos privativos e aos serviços privativos de análises e radiologia obriga a um apontamento especial do Ministro a estes pontos do aviso prévio.
A Previdência Social, como já ficou salientado, não trabalha apenas com médicos contratados e a remuneração destes nem sempre tem a forma de vencimento fixo e até, fora de Lisboa e Porto, pode dizer-se que a não tem.
Como várias vezes referi ao ilustre autor do aviso prévio, tenho toda a preferência por soluções em que se alargue, nu maior medida possível, a faculdade de os médicos trabalharem para o seguro social. Neste sentido se fizeram estudos e se vêm fazendo experiências.
O problema é difícil. Sofre vivas discussões, mesmo entre médicos.- O próprio autor do aviso prévio já escreveu que «universalmente se arriscam passos, tentam soluções e em nenhuma parte, se encontrou ainda a fórmula feliz» 1G.
Ouço citar com frequência o exemplo da França 17 - o da França, neste caso, e não o da Espanha, citada para a conveniência de outras soluções, porque a Espanha tem médicos privativos (desmentindo assim a «verdadeira excepção» que o aviso prévio diz ser a «posição dos médicos portugueses em relação ao seguro social»). Mas o exemplo, que desta vez no aviso prévio não chegou a ser referido expressamente, não convence por si só. Pode até convencer do contrário, desde que se saiba que nem por isso lá deixaram de surgir autênticas ondas de protestos e reclamações dos médicos e também ... da Previdência Social, já colocada à beira da ruína financeira, de que o Estado tem de a salvar à mista do ... erário público, visto o seguro social se ter ali estruturado «mais fortemente no sentido socialista», como diria o aviso prévio.
A nossa experiência há-de fazer-se partindo de dois pressupostos indiscutíveis: o Estado não é contribuinte da Previdência Social, mesmo para sanar deficit a Previdência Social só pode gastar até onde tiver. À luz deste critério havemos de fixar o esquema de benefícios e velar pela sua execução. A luz dele, portanto, havemos de olhar pelas prestações do seguro doença, incluindo as médicas ou ... a começar por elas. Na doença, torno a dizê-lo, não há só o problema sanitário, mas também o problema económico, mesmo quando este se transfere para o seguro social.
O Ministério das Corporações e Previdência Social conhece alguma coisa da experiência portuguesa, constituída não só pelos muitos «casos pequenos», que, somados, representam peso considerável, mas também por alguns casos agudos ou de certo vulto (raros, em todo o caso - digo-o gostosamente, em homenagem devida ao mérito profissional do nosso corpo médico e aos seus altos valores morais. Conhece ao mesmo tempo o, falta de apoio que tem encontrado na Ordem dos Médicos para que se inicie uma política corporativa, de disciplina profissional. (Nem valeria dizer-se que faltam ao organismo corporativo da classe médica instrumentos legais adequados para agir que, de resto, podiam ter sido estudados. Também os não há para proibir a aceitação de tabelas do seguro social ou para apoiar resistências a essas tabelas, e, todavia, parece que ambos os factos se têm verificado. Também os não havia, até há pouco, para disciplinar as especialidades, e, não obstante, vinham sendo ... disciplinadas à margem da lei).
Assim, como lançarmo-nos, abruptamente e sem temor, na prática geral da clínica chamada «livre» em medicina social?
O próprio autor do aviso prévio, aceitando publicamente, como já o fez e atrás deixei referido, que da escassez de recursos financeiros resulta plena justificação prática do médico privativo, reconheceu claramente que este tem, sem dúvida, de ser considerado menos caro do que o da «clínica aberta». E um apontamento a registar.
Mesmo no aviso prévio, ao considerar (indubitavelmente com exagero imerecido a generalidade da sua classe) que a «fraude das baixas» é de molde a aconselhar a eliminação da curta doença no nosso esquema de benefícios, não obstante tratar-se de médicos privativos, pareço evidente que terá de concluir pela negação do clínico dito livre, se persistirmos em tratar as doenças de curta duração. Na verdade, a que inumeráveis abusos levariam então, dentro da lógica do aviso, a fraqueza ou a «política» de ceder à solicitação das baixas - das baixas e dos tratamentos e dos remédios.