21 DE MARÇO DE 1953 999
mentalmente de sistema - importando, no entanto, reconhecer a conveniência de se melhorar a legislação regulamentar desta matéria (no domínio da qual o nosso Ministério fez publicar há meses, com a antecipada adesão das companhias seguradoras, diploma legal que representa um benefício de cerca, de 10 000 contos anuais para as classes operárias) e a necessidade de se apertarem as malhas da inspecção, de modo a conseguir-se um grau óptimo de confiança na robustez financeira de todas as empresas seguradoras e no recto sentido da função social que lhes incumbe desempenhar.
Ao invés, inclui-se na apontada noção de encargos sociais o abono de família, dada a forma por que normalmente é cobrado e distribuído. Mas não se esqueceu e não se deve esquecer que, em boa verdade, o abono de família não representa, no nosso sistema, qualquer modalidade de previdência social, e, antes, é simples complemento imediato mi quase imediato do próprio salário- não tendo, deste modo, que estar necessariamente integrado nas caixas de previdência e não podendo confundir-se com ela no jogo ou distribuição das respectivas taxas de benefícios, contra, o que, por vezes, parece, erradamente, pensar-se.
Na referida noção se abrangeram também as contribuições para o Fundo de Desemprego. Criado antes de existir o Subsecretariado das Corporações e Previdência Social e sob modalidade diversa da de um seguro propriamente dito, é administrado livremente por outro departamento do Estado, sem qualquer intervenção, mesmo sob a simples forma de parecer, do nosso Ministério. Mas nem por isso deixa do constituir verdadeiro encargo social e de assim ser sentido pelo público. A garantia de emprego de mão-de-obra, a que ele em última análise se destina, é, de resto, a primeira e mais eficiente manifestação de previdência social. Não podia, portanto, ficar alheio nestas considerações iniciais.
Finalmente, e ... principalmente, incluíram-se as contribuições para as diferentes modalidades de seguro que as instituições de previdência social obrigatória têm por função garantir (doença, invalidez, velhice e morte).
As receitas para a cobertura destes encargos sociais provêm da aplicação de taxas sobre o quantitativo dos salários (pagas pelas entidades patronais e pelos empregados ou assalariados), taxas que somam, em regra, 23 por cento (sendo 7 por cento para o abono de família, 3 por cento para o desemprego e 13 por cento para a Previdência propriamente dita). Digo «em regra» porque em certos casos se cobra um pouco menos ou um pouco mais.
O produto anual destas referidas taxas deve orçar hoje por 1 300 000 contos, e é este número, portanto, que traduz o valor dos encargos sociais do comércio e da indústria. No dia em que a construção civil puder integrar-se na organização da Previdência Social, esta cifra subirá, talvez, mais 200 ou 300 000 contos.
B) Suas fontes
Eu disse, e repito, que estes encargos são encargos sociais do comércio e da indústria. Não ousarei generalizar demasiado, chamando-lhes encargos sociais da Nação, porque deles está, e tem ainda de continuar a estar, excluída, ao menos em grande parte, a agricultura (sobre a qual não deixam de pesar, legitimamente, outros encargos também sociais), sendo certo que deles estão ainda excluídos, por agora, alguns ramos do próprio comércio e indústria, designadamente a construção civil. Poderá um dia chamar-se-lhes, ou mesmo já (se tal se preferir), encargos sociais da economia nacional. Mas suponho de boa prudência não os apelidar de encargos sociais da Nação. Temo que este modo de dizer, até pela própria força de atracção por vezes existente nas palavras, leve facilmente a outro muito errado e, sobretudo, muito perigoso (por se poder resvalar, quase insensivelmente, da palavra para o acto): ao de encargos sociais do Estado.
Quando leio ou ouço exageradas acusações de socialização trazidas pela Previdência Social e, ao mesmo tempo, vejo que certos arautos dessas acusações preconizam que o sistema ou os escalões de benefícios de assistência médica e medicamentosa da Previdência Social devem nivelar-se pelos da assistência pública, como se fosse lícito estabelecer-se equiparação entre as receitas do Estado distraídas para fins de assistência social e visando indiscriminadamente todos os pobres ou indigentes e as receitas cobradas directamente das actividades económicas para beneficiários determinados, com direitos de antemão neles personificados; ou
Quando os mesmos e outros anatematizadores de excessivos socialismos, supostamente existentes na nossa Previdência Social, andam a preconizar a completa fusão dos encargos da Previdência Social com os da assistência pública, como se fossem ambos da mesma natureza e devessem amalgamar-se inorganicamente para a mesma finalidade;
Chega a ficar-me a impressão de que nestas, como noutras idênticas confusões de espírito, está mais uma prova ... da redondeza da Terra! Na verdade, elas demonstram, como creio ter lido algures, que, se dermos ao mundo das ideias a representação gráfica de um círculo, logo notaremos que os mais próximos vizinhos dos extremismo esquerdistas têm de ser necessariamente os extremismos direitistas. Os extremos tocam-se.
Pondo esta nota viva na minha exposição pretendo, como com outras já atrás apontadas, dar mais uma ajuda para o que tantas vezes costumo chamar o «lastro comum» da nossa formação político-social. Também há, em pura verdade, uma filosofia da Previdência Social.
Só um regime político conduzido por princípios socialistas ou socializantes pode admitir que o Estado se considere financeiramente obrigado a realizar, de modo normal ou a simples título supletivo, os fins específicos a que se destinam os encargos sociais aqui referidos. Nós, que nos governamos por princípios e devemos logicamente governar-nos pelos nossos próprios, entendemos que a missão do Estado neste domínio é assegurar que se não frustre a realização de tais fins, pelos meios a eles naturalmente adequados.
Assim, portanto, os encargos sociais de que nos ocupamos têm de continuar a incidir, como até agora, sobre as entidades patronais (caso dos acidentes de trabalho, onde é admissível e fácil de prescrever a responsabilidade exclusiva do empresário) ou sobre estas e os trabalhadores (caso de desemprego, abono de família e previdência social propriamente dita).
Por generosa condescendência, algumas vezes, e por vícios de conceito ou faltas de firmeza, outras vezes, há entidades patronais que se substituem aos trabalhadores na satisfação dos encargos por estes devidos - em regra, de resto, só com benefício aparente para eles, visto as entidades patronais procurarem frequentemente ressarcir-se do ónus fazendo incidir as taxas apenas sobre os salários mínimos (quando os há fixados) ou sobre outros inferiores aos salários reais. De qualquer modo, porém, a lei não pode reconhecer tais situações de facto. Não só é conforme à moral e ao direito, mas é também claro imperativo das realidades económicas e psicológicas a obrigação legal das quotizações directas dos trabalhadores.