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24 DE MARÇO DE 1953 1091

O relatório do douto Tribunal de Contas que temos presente acentua que não devemos esquecer estas realidades do passado, para que não se perca a sua lição, nem se reincida no erro, nem se deixe de caminhar para o aperfeiçoamento do conjunto, em que intervêm o Ministro das Finanças, o Tribunal de Contas e a Assembleia Nacional.
Ouso, por minha parte, ir ainda, mais longe: devemos desconfiar da solidez da vitória alcançada sobre o peso morto do passado enquanto a apreciação e o julgamento das contas públicas não obtiver nesta Assembleia o lugar de primazia a que tem direito, e creio que para isso contribuiria decisivamente torná-los obrigatórios no início de cada sessão legislativa. A lei impõe ao Ministro das Finanças a apresentação nessa altura da Lei de Meios, para a organização do futuro orçamento; ora a apreciação dos resultados da gerência do ano anterior seria excelente preparação para a votação daquela lei.
Como é sabido, a actual Constituição reduziu a Lei de Meios a pouco mais de uma autorização concedida ao Governo para este organizar e executar o orçamento. Tirou, assim, à discussão os efeitos políticos que se procuravam obter na velha discussão do orçamento no sistema parlamentar. Mas a Constituição não pretendeu, creio eu, suprimir esses efeitos, mas transferi-los para o julgamento mais objectivo e eficiente dos resultados da gerência, apresentados, a curto prazo, a esta Assembleia sob a forma de contas simples e claras.
Apesar disso, todos podemos verificar um persistente saudosismo da velha e inútil discussão orçamental e um perigoso desinteresse por esse proveitoso julgamento. E digo administrativamente inútil a velha discussão porque nem ela nem as votações a que daria lugar prendiam a futura gerência.
O Ministro das Finanças podia durante esta criar novas receitas o fazer despesas à margem do orçamento, pagando-as quer pelo orçamento, quer por fundos especiais, quer, inclusivamente, por simples operações de tesouraria ...
Portanto, digo inútil, sob o aspecto administrativo, a velha discussão orçamental.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nada haveria perdido se o actual desinteresso pelas contas públicas não pudesse esconder e atrair um certo renascimento da velha desordem financeira.
Mas, admitindo a lógica e a conveniência de a discussão das contas públicas abrir os trabalhos desta Assembleia em cada sessão legislativa, pode perguntar-se: mas será isso possível sem profundas alterações? Creio poder responder que essas alterações não envolveriam tão grandes dificuldades como aquelas que foi preciso vencer para a organização das contas em 193G. E senão vejamos: pela legislação em vigor a gerência tem o seu termo em 14 de Fevereiro do ano seguinte, devendo as respectivas contas ser fechadas em 31 de Março e a sua publicação definitiva fazer-se até 31 de Outubro. Mas a prática dos dezasseis anos decorridos mostra que sempre a publicação pôde fazer-se em Junho, Julho ou Agosto, ou seja até três meses antes da abertura da sessão legislativa em que as contas deverão ser apreciadas. Encontrando-se, pois, organizado até 1 de Setembro o relatório do Ministro das Finanças, com todos os elementos indispensáveis à apreciação das contas, não julgo impossível que o douto Tribunal de Contas, tendo a seu favor o julgamento prévio das despesas através dos vistos apostos durante a gerência, pudesse em sessenta dias elaborar a sua declaração de conformidade e que dentro do mesmo prazo do sessenta dias
a Comissão de Contas Públicas desta Assembleia pudesse igualmente elaborar o seu parecer, não tão extenso, certamente, como aquele a que andamos habituados, mas suficiente para habilitar esta Câmara e fazer uma apreciação e julgamento sérios.
O relatório e o parecer poderiam, pois, ser enviados em começos de Novembro aos Deputados, para entrarem em discussão na abertura da Assembleia, em 25. Todos podemos testemunhar que durante os dezasseis anos decorridos nunca nos foi concedido prazo superior a vinte e cinco dias para estudar o parecer das contas públicas.
Restava apenas uma dificuldade a vencer: a necessidade de trabalhar durante os meses que velhos hábitos consideram de férias ou extensão delas.
Mas a esta dificuldade respondeu antecipadamente o autor do relatório do Decreto n.º 25 298, que fez coincidir o ano económico com o ano civil, nestes termos:
Não seria, porém, isso bastante para contrariar uma solução, por outros motivos julgada conveniente, no nosso regime, em que as conveniências pessoais dos funcionários se consideram sempre subordinadas ao interesse da função.
Mas vejamos ainda um outro aspecto, que pode resumir-se nesta pergunta: bastaria, para que as contas públicas pudessem atingir um interesse de primazia dentro desta Assembleia, que fosse alterada a época em que deviam vir à discussão?
Quanto a mim essa alteração, embora necessária, não seria suficiente.
Era preciso ainda remodelar e, em certo modo, completar a própria orgânica das contas, do relatório e do parecer.
Não envolvem estas palavras, nem querem envolver, de forma alguma censura ao que se tem feito. Querem apenas exprimir a necessidade ou conveniência de o relatório das contas públicas acompanhar a evolução sofrida pela própria orgânica do Estado desde 1936 até ao presente.
Quando há vinte e cinco anos o então notável Ministro das Finanças e hoje prestigioso Chefe do Governo empreendeu a vitoriosa reforma das nossas finanças públicas e há dezasseis anos criou os moldes das contas públicas simples e claras, tudo se fez em obediência a estes princípios dominantes:
a) Unidade e universalidade do orçamento;
b) Equilíbrio rigoroso entre receitas e despesas públicas;
c) Distinção entre finanças públicas e actividades ou iniciativas económicas particulares.
Pode dizer-se que os três citados princípios dominantes, embora rigorosamente mantidos ,no seu aspecto formal, deixaram de abarcar toda a realidade da nossa vida pública. O orçamento do Estado, que em 1936 era a expressão de todas as- actividades e funções da nossa vida pública, já hoje não pode dizer-se, com inteiro rigor, que ainda o seja...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que a correcção jurídica e um equilíbrio perfeito têm continuado a presidir como normas intangíveis à organização e gerência do orçamento do Estado, como o atestam, quanto ao de 1951, as conclusões que figuram no douto relatório da declaração de conformidade do Tribunal de Contas e no parecer, como sempre notável, da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!