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1092 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 227

O Orador: - Mas é forçoso reconhecer que sobre os contribuintes e consumidores recaem hoje, além dos impostos cobrados como receitas orçamentais, outras onerosas quotizações e que, além dos serviços pagos pelas verbas orçamentais e cujos funcionários são admitidos de acordo com as normas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 26 115, existem outros serviços e outras redes de empregados públicos livremente admitidos e pagos à margem da contabilidade pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E sendo assim, a denominação de Contas Gerais do Estado deixou em certo modo de poder dizer-se «gerais», carecendo, por isso, de ser completada com elementos respeitantes às gerências públicas que funcionam à margem do orçamento, para que o julgamento político atribuído a esta Assembleia possa formar um juízo mais seguro do equilíbrio entre as necessidades e as possibilidades económicas e financeiras da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tornou-se, por outro lado, impossível manter a rigorosa distinção entre finanças públicas e iniciativas económicas particulares, dada a política de intervenção e fomento que a evolução doutrinária incluiu nas funções do Estado moderno, evolução que a desordem económica e financeira trazida pela última guerra veio precipitar e impor como de absoluta necessidade.
Do velho Estado-gendarme passou-se rapidamente para o Estado-providência, e já nesta hora pretende impor-se por toda a parte o Estado a que um ilustre professor da Universidade de Paris chamou o «Estado-faustiano», criador e rejuvenescedor de riquezas públicas ou particulares ...
Em vez da antiga distinção ou separação entre finanças públicas e economias particulares, assistimos à perigosa interpenetração de umas e outras.
A máquina do Estado cresceu desmesuradamente de volume e, assumindo novas e gravíssimas funções, tornou-se, através dos largos dispêndios orçamentais, não só lima grande redistribuidora da parte do rendimento nacional absorvida pelos impostos e empréstimos, mas também, à margem desses dispêndios, uma criadora de capacidades aquisitivas asseguradas ou permitidas a actividades particulares.
Através do condicionamento das indústrias, da repartição dos impostos, dos financiamentos ou subsídios directos ou indirectos, do proteccionismo pautai, das repercussões na valorização ou desvalorização da moeda, a acção económico-financeira do Estado assume influências económicas que escapam à simples correcção jurídica das receitas e despesas inscritas no orçamento, e, consequentemente, aos resultados que lhes correspondem nas contas públicas.
Para o efeito do julgamento político, em que interessa avaliar, como vimos, não só a correcção económica, mas ainda a justiça distributiva e social da acção económico-financeira exercida pelo Estado, o relatório e parecer das contas podem dizer-se incompletos e ultrapassados pela evolução a que foi forçada a própria orgânica do Estado.
Sinto que o ilustre relator do parecer das contas públicas em discussão poderia interromper-me para esclarecer que, se as conclusões do seu parecer se limitam a pôr em relevo a correcção jurídica das receitas e despesas orçamentais, no entanto do mesmo parecer consta uma douta e extensa dissertação económico-
-financeira e, além desta, dois apêndices, que pelo teor das suas sugestões ou críticas feitas à orientação da política governamental poderíamos regimentalmente considerar como matéria de avisos prévios, destinados a participar do prestígio da Assembleia ...
Faço ao ilustre relator a justiça de que a sua atitude pode interpretar-se como um pressentimento da necessidade de rever os moldes das contas públicas, por forma a torná-las a expressão de toda a acção económico-financeira do Estado, permitindo, consequentemente, aumentar o interesse do julgamento político que esta Assembleia é chamada a fazer.
Alguns exemplos práticos lograriam talvez tornar mais patente este aspecto das minhas considerações.
Nos dois apêndices apostos pelo ilustre relator do parecer foram focadas estas duas realidades nacionais, que o resultado do último censo da população veio tornar mais vivas:

a) Dois terços da gente portuguesa vivem em pequenos aglomerados ou aldeamentos rurais e sustentam-se, em grande parece, dos produtos da pequena lavoura, tanto da terra como do mar - esta a primeira realidade da nossa carta social;
b) A segunda, natural consequência da primeira, é esta: uma boa parte dessa grande massa populacional vive em condições de insuficiência económica e de conforto.

Nos distritos ou regiões em que essa insuficiência fie acentua a densidade de população diminui, não por falta de natalidade, mas porque a percentagem de mortalidade até aos 5 anos é alta, e alta também a percentagem de emigração dos adultos para os grandes centros ou para o estrangeiro.
Em face destas realidades, a um profundo julgamento político das contas públicas interessaria esclarecer os seguintes pontos: terá a nossa política económica tido em conta as fontes da nossa riqueza demográfica e o valor social desta extensa ruralidade, procurando remediar a deficiência das suas economias familiares, sem as destruir? Ou, pelo contrário, temos deixado fazer a apologia de uma concentração industrial de grande estilo, considerando a nossa extensa ruralidade como um atraso social, só porque noutros países essa riqueza social foi imprevidentemente destruída ou se perdeu?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Afirmando-se nos mesmos apêndices que são os produtos alimentares - o pão, o peixe e a carne - que deverão preocupar a nossa economia, não deverá esta realidade levar-nos - a rever as soluções que a esses problemas foram dadas, porventura sob a influência de outras circunstâncias económicas e financeiras já nesta hora ultrapassadas? Não teremos, por exemplo, confundido em demasia a política do pão com o simples problema do trigo e com os interesses dos quase monopólios que o têm explorado, forçando a extensão do seu consumo, sem grande proveito para a economia nacional nem para a melhor alimentação das nossas populações?
Não teremos fomentado em excesso - digo «em excesso - as indústrias de conservas de peixe destinadas a exportação e o abastecimento do País com peixe salgado e caro, importado do estrangeiro ou pescado a grande distância, em vez de favorecermos e organizarmos através do País o consumo de peixe fresco e barato? Não teremos fomentado em excesso as grandes empresas de pesca, em prejuízo das nossas tradicionais artes da pesca, que a França, a Itália e os países escandinavos continuam a defender como as mais vantajosas para a