O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

832 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142

Por este número se ajuizará de quantos indígenas franceses se encontram na Guiné Portuguesa e dos portugueses que atravessam a fronteira para o vizinho território francês.
É já sobejamente conhecido que os reflexos quer da acção administrativa quer da cotação dos produtos se traduzem sempre na transposição de fronteiras, tanto num como noutro sentido, das vizinhas populações indígenas, assim como das matérias-primas e dos produtos da sua agricultura.
Além disto há a considerar na população indígena da nossa província a obediência à sua organização tribal e o facto de a sua grande maioria se ocupar na agricultura e entre os agricultores existir o predomínio do conceito da propriedade privada.
Devemos considerar também que a previdência, o futuro, a escolha de sementes, a sua selecção, a defesa e conservação do solo e a perda de tempo em caminhadas para vender o produto não preocupam muito os indígenas desta nossa província.
O indígena realiza a grande parte das culturas agrícolas à custa das suas mulheres e não se exime a canseiras e perdas de tempo percorrendo as distâncias que forem necessárias para vender melhor os seus produtos, e, podendo ser, aumentando o peso com impurezas, cascas e acréscimo de humidade.
Entende-se, pois, que para se encontrar a melhor solução dos problemas económicos da Guiné, sobretudo quando estes se relacionem com a população indígena, terá de se partir das bases que acabo de indicar.
A economia da província ultramarina da Guiné está baseada na agricultura indígena. Ainda que se considerem as concessões ou «pontas» - nome pelo qual são conhecidas na Guiné as propriedades sob a direcção de europeus, cabo-verdianos ou outros estranhos à população indígena-, a agricultura é sempre exercida pelos naturais da província. E, dentro da produção agrícola, é considerável o predomínio da mancarra ou amendoim.
A mancarra está para a economia privada e pública da Guiné como o cacau para a economia de S. Tomé o Príncipe. A diferença está em que a cultura da mancarra é de exclusiva produção indígena, ao passo que a cultura do cacau é exercida em propriedades perfeitas e na sua quase totalidade por empresas agrícolas metropolitanas utilizando mão-de-obra contratada noutras províncias ultramarinas.
Presentemente é fraco o rendimento por hectare da cultura da mancarra e variável conforme a região da província. Na região de Bafatá, Farim e Gabu há médias de 700 kg por hectare. Nas regiões de Bolama e de Fulacunda a média não irá além de 300 kg a 400 kg por cada hectare.
O segredo da economia do indígena da Guiné, isto é, a maneira de ele obter o máximo rendimento do seu trabalho, está na produção por hectare de cultura.
Se, com o mesmo esforço e despesa, em vez de 500 kg de mancarra por hectare ele passa a obter 1000 kg ou 1500 kg, o seu nível de vida subirá rapidamente.
E não duvidemos das possibilidades de a anedia subir, pois há exemplos em terras novas, e portanto mais férteis, da zona de Gabu de se ter obtido a média de 2000 kg por hectare. Ë tudo questão de se orientar convenientemente o indígena na escolha e conservação da semente e em técnicas adequadas à defesa e conservação do solo.
É urgente na Guiné melhorar a qualidade da mancarra e aumentar a produção por hectare. Aqui reside o problema fundamental da sua economia.
Para esclarecer a Assembleia Nacional sobre este grande problema guineense terei de observar que a tonelagem exportada não traduz exactamente a produção anual da mancarra da província e antes indica quantidade inferior à produzida.
Além da quantidade exportada, há a considerar mais as seguintes: aquela que os indígenas consomem em natureza quando lhes falta arroz ou outros produtos para a sua alimentarão; a que é indispensável guardar como semente, e ainda a que é exportada clandestinamente para o vizinho território francês, quando o preço é convidativo à exportação clandestina.
Portanto, não queiramos fazer cálculos de produção por hectare entrando apenas com as quantidades de mancarra exportada. Bastará considerar que é muito baixa a produção por unidade e consequentemente diminuto o rendimento da mancarra.
Não nos devemos entusiasmar muito com as quantidades exportadas, e antes deveremos ter em atenção que o problema do amendoim da Guiné consiste mais na melhoria da sua qualidade do que no aumento da quantidade. E senão vejamos.
A mancarra foi exportada em casca para o estrangeiro durante anos e daqui resultava melhoria na situação económica. Porém, a partir de 1953 surgiram dificuldades de colocação da mancarra, com fundamento na sua má qualidade.
Recorreu-se então ao descasque da mancaria antes de ser exportada, julgando-se estar aí o remédio do mal. Mas não deu o resultado desejado, pois a razão das dificuldades encontradas estava na sua má qualidade.
Sr. Presidente: o problema da má qualidade da mancarra, por mais voltas que se lhe dê, depende essencialmente de dois factores: por um lado, do ataque das doenças de fungos e das pragas de insectos que infestam a mancarra armazenada e das viroses que atacam as plantas muito novas; e, por outro lado, das deficientes condições de sanidade dos celeiros destinados ao armazenamento das sementes.
A baixa qualidade da mancarra, que lhe não favorece a colocação nos mercados estrangeiros, é proveniente dos vírus, das bactérias, dos fungos e dos insectos, como em anos anteriores já aqui expus.
As viroses aparecem com mais frequência e intensidade quando as plantas, novas de poucos dias, não podem resistir. O ataque é favorecido pelas chuvas intensas e o indígena apercebe-se perfeitamente do perigo.
As bactérias desenvolvem-se durante o período em que a mancarra, em planta e vagem, está empilhada em medas.
Os insectos e fungos aparecem no período em que o amendoim, descascado ou não, se encontra armazenado na província ou na metrópole.
Daqui se deduz a necessidade da intervenção de técnicos especializados - entomologistas e fitopatologistas.
Os serviços de agricultura da província não têm organização apropriada ao seu fim, e muito menos adequada à investigação agronómica, e não dispõem de verbas cujo montante seja capaz de cobrir as avultadas despesas necessárias à investigação e à assistência técnica à agricultura.
A sua existência não se terá limitado apenas ao formalismo burocrático. Serei eu, pelo cargo ali exercido, quem testemunhará o benefício levado à agricultura da Guiné pelos serviços de agricultura da província; mas a verdade é que a sua acção não corresponde aos anseios da vida actual, às exigências dos mercados pela qualidade da produção, principalmente da mancarra.
É certo que noutros aspectos da vida ultramarina, particularmente no que respeita à política indígena, muito temos suplantado os outros. A prova evidente e incontestável do que afirmo está na paz e tranquilidade que se desfruta em todo o ultramar português.