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420 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 192

dades orçamentais, continua por fazer. O problema das receitas próprias pelo estabelecimento de um seguro social e pela combinação com as caixas de previdência, tal como se indicara no aviso, não foi sequer abordado.
Não há ainda regulamento da organização clínica. Das 1500 camas do edifício, apenas menos de 600 estão ocupadas, quatro anos após a solene inauguração. Os grandes serviços centrais, de 10O camas, continuam quase todos a funcionar com 50 camas.
O rendimento desses serviços é, portanto, inferior ao do velho Hospital de Santa Marta, como não pode deixar de ser.
A perturbação que daí resulta é óbvia. Listas de doentes à espera de vaga e gravíssima penúria, de doentes para os estudantes. E a finalidade de ensino complementar dos médicos novos a perder-se todos os dias. Porquê esta lotação de quase um terço no um de dois anos? Falta de enfermagem - é a resposta. Não se pode dizer se haverá falta de verba, visto não se calcular o que se vai gastar.
As consultas externas gerais, e particularmente as de cirurgia, funcionam, como já o disse, em condições precárias, por falta de espaço.
E como o Banco continua encerrado e ninguém se preocupa com a sua abertura, já agora não há urgência nenhuma. Assim, não só se enviam para os Hospitais Civis de Lisboa os doentes em situarão aguda, mas, além disso, deixa-se há dois anos abandonado, à tarde e à noite, um hospital de 600 camas, sem nada previsto para uma situação aguda que exija cuidados especiais ou uma intervenção cirúrgica.
Ora ainda que os supervisores do Hospital entendam que não é oportuno o momento para urgências dos doentes internados fora das horas matutinas, o facto é que isso tem sucedido. A solução de cada caso tem sido ad hoc, com telefonemas, hesitações, horas de espera, improvisações, voluntariado e boas vontades. Tal qual como nos alvores da organizarão hospitalar. Há muito tempo que chamei a atenção superior para esta situação, de alta gravidade, e até já forneci, a pedido, por duas vezes, um esquema da sua organização. Mas, por enquanto, este aspecto continua apenas a ser encarado com simpatia e diligência por essas entidades.
A investigação clínica, isto é, a investigação efectuada nos serviços clínicos sobre problemas clínicos, missão que compete a qualquer hospital, mas especialmente a um hospital escolar, tem sido encarada de uma forma singular pela Administração e mais entidades não médicas.
É grande a confusão nessas esferas entre investigação clínica e medicina experimental. Não distinguem bem diagnóstico de terapêutica. Comparam exames clínicos a operações cirúrgicas desnecessárias. Confundem exames minuciosos ou repetidos com atentados contra a integridade do corpo humano. E imaginam que a ética profissional não existe na classe médica.
De tudo isto resultaram documentos oficiais em que essa ética é explicada por quem a não conhece aos que a devem possuir. Se, ao menos os autores desses documentos, que não ouso publicar, tivessem lido os belos discursos de Sua Santidade sobre as ciências médicas, talvez redigissem melhor os seus papéis, ou entendessem preferível abster-se de o fazer. Como disse uma vez Eça de Queirós, são os Coríntios lendo a S. Paulo a carta aos Corintios. O resultado prático desta concepção de uma actividade hospitalar limitada à mais elementar rotina, por falta de verba e pelo corte das facilidades até agora existentes, será a baixa da nossa já reduzida contribuição para a ciência médica. Passaremos a ser cada vez mais os parasitas do trabalho de investigação alheio. É claro que um assunto como o da investigação clínica pode ser discutido e apreciado por quem não é médico. Mas para o fazer é indispensável estar-se na posse de conhecimentos, de uma cultura e de uma educação sem os quais a crítica resulta pretensiosa e deturpada.
Da mesma forma, por falta de conhecimento e sentido real das necessidades, os serviços são criados, reduzidos ou alargados discricionàriamente, tendo-se apenas em conta opiniões certamente muito respeitáveis e até verdadeiras em valor absoluto, sem, todavia, se atentar para as hierarquias e funções dos serviços, para a missão do Hospital e a sua capacidade.
Olhemos para os organismos orientadores da parte clínica. A direcção vive a sua vida vegetativa, demarcada no despacho a que me referi.
E o conselho técnico, cuidadosamente amputado das suas limitadas prerrogativas iniciais, ocupa agora a situação modestamente silenciosa que, ao que parece, sempre lhe deveria ter sido atribuída.
Embora me refira daqui a pouco à situação crítica do recrutamento do pessoal médico, não posso deixar de fazer notar desde já que a escolha dos três membros da direcção clínica está inteiramente na dependência do Ministro, sem que exista a mais pequena limitação do campo e da categoria em que essa direcção deverá ser escolhida.
Assim, o facto de a actual direcção ser composta por professores da Faculdade não deve iludir ninguém, e pode a direcção encontrar-se legalmente um dia entre as mãos mais singulares. Mas dir-me-ão: isso que importa, pois se a direcção não tem poderes! É que cies poderão muito bem aparecer nessa altura.
Em Novembro de 1935 saiu o Decreto-Lei n.º 40 398. que constitui o primeiro estatuto-base do Hospital Escolar de Lisboa. Já me referi algumas vezes a ele. A sua importância excepcional provém de que se trata de um decreto-lei e já não de simples despachos ou ordens de serviço ou ainda documentos anónimos, repito, anónimos, com os quais até essa data viveu exclusivamente e ainda vive parcialmente o grande Hospital. Nesse documento está estabelecido que os serviços clínicos ou auxiliares de diagnóstico e tratamento serão dirigidos por pessoas de reconhecido mérito nomeadas pelo Ministro do Interior. Na sua simplicidade, esta disposição marca o princípio do fim da carreira médica.
A direcção de serviços hospitalares corresponde sempre ao vértice de uma carreira progressiva, difícil, com competidores e vários julgamentos por júris ou organismos competentes. Assim acontece nas nossas mais importantes carreiras profissionais, que são as dos Hospitais Civis de Lisboa e da Faculdade de Medicina.
No Hospital Escolar -organismo autónomo- existem bastantes serviços que não correspondem ou podem não corresponder a cargos da Faculdade. Esses serviços poderão, pois, ser dirigidos por homens cujo modo de recrutamento deveria ser semelhante ao dos Hospitais Civis de Lisboa, visto as suas funções e categorias serem idênticas às daquela instituição. Era todavia necessário legislar sobre esse recrutamento.
Foi neste campo aberto que se introduziu o espírito de arbítrio e se abriu assim o terrível precedente de que não é necessária uma carreira com vários julgamentos para se atingir os postos de maior responsabilidade nos hospitais.
Contra esse gravíssimo aspecto se pronunciou, por unanimidade, o conselho técnico numa das suas reuniões dos tempos idos. antes da publicação da lei. O documento nem sequer foi aceite no Ministério do Interior, por ser considerado impróprio. E os despachos tornaram-se lei.