648 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 202
Teoricamente, e em relação a determinado nível da técnica, continua a afirmar o economista citado, «deverá existir um ponto de ajustamento entre a agricultura e a indústria - digamos o seu ponto de equilíbrio. Porém, como a industrialização pressupõe um sistema dinâmico, e não estático, visto constituir um processo eminentemente evolutivo, haveria lugar, teoricamente, para considerar, não um ponto de equilíbrio, mas uma série deles, ou, melhor, uma curva de equilíbrio que seja o seu lugar geométrico.
Mas na economia concreta, real, estes pontos podem nunca ser alcançados verdadeiramente.
A expansão da indústria, pode dizer-se, é quase indefinida; pelo contrário, o desenvolvimento da agricultura tem limites mais apertados, impostos pela natureza específica do seu processo produtivo, quase totalmente circunscrito, como se sabe, ao mundo orgânico, onde a vontade do homem tem de submeter-se a cada passo às contingências e aos ditames da Providência.
Mas a agricultura, além de produtora de alimentos, é também importante fonte de matérias-primas. E a história mostra, com evidência, que esta última função está tomando relevância, muito embora ainda não seja dominante.
Neste aspecto, de fonte de produção de matérias-primas, não é possível determinar, mesmo com mediano rigor, o que será no futuro o seu valimento. É que esta função depende em grande parte da expansão da indústria e do progresso da técnica e ainda dos resultados da pesquisa de novos sucedâneos, e esta procura deverá ser cada vez mais intensa, pois é notória a imperfeição das matérias-primas agrícolas, devido à sua alta heterogeneidade, e tal imperfeição constitui severo obstáculo à fluidez das trocas.
Verifica-se, por outro lado, que a importância relativa da agricultura no sistema económico, conforme afirma o autor já citado, decresce durante o processo evolutivo da expansão, e isto devido principalmente a que a elasticidade da procura rendimento é muito mais baixa para os produtos agrícolas do que para os industriais.
Mas repare-se que disse: «importância relativa», e, de facto, não afirma que a importância da agricultura haja que diminuir em sentido absoluto. Pelo contrário, a produção agrícola aumentará rapidamente a partir do processo de industrialização, mas a sua taxa de expansão é que será nitidamente menor do que a industrial.
Encontra-se a agricultura nacional num estado de desenvolvimento que acompanha, dentro de certos limites, o processo evolutivo que se verifica já, com nitidez, nos domínios das actividades industriais. Porém, há a realçar que, mesmo em muitos ramos da manufactura, não se tem atendido ainda à condição fundamental do seu progresso - isto é, a de uma satisfatória produtividade nas suas facetas dominantes do trabalho, do capital e da sua utilidade social.
Para tal conseguir falta uma profunda e cuidada pesquisa económica de inúmeros elementos, que só podem ser convenientemente obtidos através de um minucioso inquérito industrial. Se essa produtividade não for atingida, não se poderá, de facto, conseguir que as actividades industriais possam estimular, significativamente, o poder de compra do mercado interno e ainda influir no nível de existência da população, mercê do êxito da concorrência dos seus produtos aos mercados internacionais.
O facto, como disse, de o território português na velha Europa ser extremamente diferenciado, por via de factores condicionantes do clima, diferenciação que se verifica também, como vimos, por forma acentuada, no que diz respeito à demografia, torna ainda mais difícil conseguir o equilíbrio agro-industrial a que nos vimos referindo. E este carácter de diferenciação regional da nossa economia leva-nos a apoiar, sem reservas, as seguintes palavras, escritas pelo engenheiro Araújo Correia no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1954, quando afirma:
A primeira e mais importante condição a impor para a melhoria dos consumos é naturalmente a defesa das actividades regionais na agricultura ou na indústria, porque é nelas que a maioria da população aufere os meios de subsistência e é para seu consumo que trabalha grande parte das indústrias nacionais. Ë, enfim, nelas que reside o maior somatório, em estado potencial, do poder de compra.
A valorização dos pequenos centros regionais - aldeias, vilas ou cidades aparece assim como um problema de primeira grandeza na vida do País; do progresso das suas actividades económicas deriva, além duma estabilidade social indispensável num mundo revolto, o aumento do poder de compra e dos consumos.
Essa melhoria apreciável nas actividades regionais só pode ser obtida por maior desvio de investimentos para educação e assistência técnica, por melhores e mais fáceis comunicações, por maiores rendimentos unitários, pelo uso de métodos de exploração, agrícola ou industrial, mais eficazes, pelo melhor aproveitamento das possibilidades existentes.
A agravar a situação do heterogéneo território continental relembremos ainda que grande parte da área cultivável o é apenas por via de plantas lenhosas, culturas fixadoras de reduzido quantitativo de mão-de-obra, se exceptuarmos, é claro, a vinha e, em parte também, o olival e o pomar.
Mas cerca de 40 por cento da superfície cultivável, ou seja 30 por cento do total do território, está de facto recoberta de matas, e parte apreciável desta fracção é revestida apenas por duas espécies - o sobreiro e o pinheiro bravo -, cujos produtos exportáveis, juntamente com os da vinha, representam cerca de metade do valor total da exportação portuguesa.
Se atendermos, por outro lado, a que a cortiça poderá um dia correr o risco de desvalorização, mercê do aparecimento de qualquer sucedâneo valioso para suas principais aplicações, e que a concorrência aos mercados externos de vinhos se torna dia a dia mais difícil para os países que produzem caro, ou quando os vinhos, embora intrinsecamente valiosos, são de consumo restrito - é o caso dos generosos do Douro -, poderão então avaliar-se as dificuldades a solver para a resolução dos problemas que mais interessam à economia da nossa lavoura. Os preços e a procura de parcela importante dos produtos da terra que pesam no nosso comércio de exportação estão assim, de facto, sujeitos a grandes flutuações, com imediatos reflexos no poder de compra da população portuguesa.
Só, como disse, o desenvolvimento do regadio, especialmente dos territórios do Sul, permitirá, de facto, que se diversifique a produção agrícola, especialmente de matérias-primas e de alimentos energéticos.
Mas não devemos esquecer no ordenamento a efectuar, como atrás foi observado, que a elasticidade da procura-rendimento é muito mais baixa para os produtos agrícolas do que para os provenientes da indústria.
Há, por isso, que procurar que a efectivação do processo evolutivo da agricultura nacional se realize em condições de permitir a colocação dos excedentes do