652 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 202
nós se apercebe da onda de renovação e progresso que varre de lês a lês o País ao percorrer o nosso território em qualquer sentido e direcção. Obra que honra a iniciativa privada, que acredita a capacidade de realização duma política e marcará na história um período excepcionalmente construtivo da nossa vida.
Pois bem, se o desenvolvimento, que esforçadamente vem sendo procurado e provocado, absorve muito de quanto a população renuncia a consumir com vista a uma melhoria de condições no futuro, em que medida o País beneficia já desse sacrifício de consumo imediato consentido?
Por outras palavras: as melhorias verificadas estão na proporção das renúncias consentidas e dos sacrifícios efectuados?
Várias são as circunstâncias que perturbam o claro entendimento desta questão, diversos são os factores formação, tornaram o Mundo mais pequeno, os povos.
De facto, o desenvolvimento das telecomunicações, o progresso dos transportes, a difusão dos meios de informação, tornaram o Mundo mais pequeno, os povos mais próximos e os homens mais solidários, forçando ou despertando anseios, consentindo confrontações, alargando o horizonte das exigências e das necessidades dos povos menos evoluídos e até dos mais atrasados, por forma que o progresso económico não logrou conseguir tão rápida e extensamente nos países mais avançados.
Daqui uma crescente desproporção entre as aspirações desses povos e as possibilidades materiais de as satisfazer, problema grave, que pode criar um clima de insatisfação, capaz de comprometer toda uma obra custosa e demorada de transformação das estruturas económicas de alguns países que factores históricos, materiais ou políticos não deixaram progredir em simultaneidade com outros mais disciplinados ou favorecidos da fortuna.
no nosso caso concreto, características que nos são peculiares em todos os tempos e circunstâncias podem agravar esta situação, conhecida a nossa proverbial tendência para sacrificar o essencial ao supérfluo, para «confrontar», que é como quem diz: para imitar, hábitos, atitudes ou gostos nada adequados à modéstia da nossa condição e à tradição cristã da nossa vida.
Seja-me permitido um parêntese para verberar uma vez mais os casos de ostentação que aqui e além vão florescendo, gerando, por imitação, em todos os escalões da sociedade, procedimentos semelhantes, que constituem flagrante afronta à pobreza e ofensa à austeridade dos nossos costumes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, retomando o tema da minha interrogação: em que medida os progressos efectuados são proporcionais à grandeza dos esforços despendidos e à extensão dos sacrifícios consentidos pelo consumo?
Só à primeira vista pode haver dúvidas a este respeito, pensar-se em maiores benefícios imediatos esquecendo a necessidade primordial de dotar o País com aã infra-estruturas indispensáveis a qualquer expansão séria e ordenada a uma finalidade precisa. Ë conhecido, aliás, não se repercutirem os investimentos de base, nem imediatamente, nem no mesmo grau, no acréscimo do produto com a mesma intensidade com que o fazem os investimentos em bens de consumo. Mas quem negará a necessidade de dotar o País com a indispensável armadura nos domínios da preparação técnica, da produção de energia, dos transportes, etc.? Quem poderá ignorar não se dispor nesses campos do mínimo necessário, não direi para poder tentar uma expansão económica, mas mesmo para continuar a assegurar a sobrevivência duma população crescente?
Ora, é sabido contarem-se estas tarefas essenciais entre as que se caracterizam por uma fraca reprodutividade directa ou pronta, ou seja de escassa influência imediata no aumento do rendimento do País.
Todas elas exigem investimentos relativamente grandes umas, pela demora da sua materialização, diferem no tempo os seus efeitos na economia do País; outras, dirigindo-se à satisfação de exigências ou necessidades de conforto ou civilização (saúde, cultura, educação, etc.), quase não têm tradução em termos de rendimento económico.
Acresce que os investimentos de base exigem, normalmente, o recurso a compras vultosas de maquinaria no estrangeiro, as quais, em vez de pesarem no País pela massa de salários e materiais distribuídos, vão reflectir-se na balança comercial e ocasionar apenas reduções do consumo interno.
Todavia, quem ousaria desistir da realização desses empreendimentos e da compra desses equipamentos indispensáveis ao progresso e desenvolvimento económico, de que constituem condição basilar e que, por isso mesmo, são chamados «de base»?
Quer isto dizer que grande parte dos investimentos realizados ao abrigo da Lei de Reconstituição Económica (Lei n.º 1914), como dos previstos no Plano de Fomento em execução, continuam a ser deste tipo, e creio mesmo que no próximo Plano dificilmente poderá ainda deixar de assim acontecer. Se queremos conduzir com segurança e firmeza uma política de desenvolvimento económico, temos de renunciar, em grande parte, ao critério do efeito imediato, sob pena de vir a perder-se a regularidade do crescimento, mercê de distorções e estrangulamentos que, se não dão grande sinal de si nas soluções a curto prazo, não deixam de se fazer sentir, com todas as consequências e remédio caro, na altura própria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vai daí que os resultados obtidos não terão sido tão espectaculares, nem terão ocasionado efeitos tão pronunciados no rendimento do País, como aconteceria se dispuséssemos já da armadura indispensável, como acontece com os povos mais desenvolvidos, e pudéssemos ter concentrado os esforços em campos de maior e mais imediata reprodutividade. Foram, porém, os que legitimamente podiam ser.
As consequências deste acerto iremos usufruí-las, pari passa, à medida que o tempo for decorrendo e permita que os efeitos se produzam, de sorte que novas e maiores possibilidades se abram. Costuma dizer-se que aquilo que custa é deixar de ser pobre ...
Talvez não tenha dito nada de novo, mas pareceu-me indispensável, antes de mais, responder a esta interrogação, procurar fazer este esclarecimento, que de há muito me parece carecer de ser feito em termos amplos e claros, pois à tarefa da expansão económica é necessária a cooperação consciente e esclarecida de todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: posto isto, que me foi sugerido pela matéria, repercussão e algumas passagens do aviso prévio do Deputado Daniel Barbosa, que, aliás, aborda o problema em termos suficientemente explícitos, parece-me chegado o momento de entrar propriamente no assunto em discussão. E ... começarei afirmando: non nova sed nove. Efectivamente, assim é, tanto em relação ao ilustre Deputado avisante como a diversos técnicos portugueses e estrangeiros, como à Assembleia Nacional e ao próprio Governo.