9 DE JULHO DE 1959 1187
sua própria missão, mas sim por lei, eis um dever que incumbe ao Estado, em nome da moral e da justiça social.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Contínua em discussão.
O Sr Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: a intenção do artigo 4.º do projecto de lei n.º 23, da autoria do nosso ilustre colega Carlos Moreira e outros Srs. Deputados, propondo uma modificação de forma e de fundo para o artigo 27.º da Constituição Política, é o mais louvável possível.
Cuido que enfrentar estas questões é uma exigência da própria ética do regime, uma premente necessidade política e uma imposição de consciência para quantos, tendo aderido a um salutar conjunto de princípios, se sentem obrigados a velar pelo seu exemplar cumprimento.
Louvo e aplaudo, pois, sinceramente a intenção desta alteração ao texto constitucional e o ideal visado, que, nesta nossa época de crise moral, bem carece de ser defendido e afervorado.
Nesta nossa época de crise moral, dizia eu, Sr. Presidente, e creio que atinjo por ai o cerne de uma questão aguda, aguda e generalizada no mundo livre, já que do outro não vale a pena falar.
Crise moral que é geral, extensa e profunda, mas tenho boas razoes para supor que, apesar de tudo quanto se diz, murmura ou sabe, é ainda bem menor e mais restrita na nossa terra. Basta ler alguma da vasta, prolixa e elucidativa literatura que, a este respeito, por todos os países vai aparecendo com carácter mais ou menos cientifico, sociológico ou mesmo político.
Não partilho, porém, da ideia de que «mal de muitos gozo é». Se aceito os factos como característicos de uma época e consequência de uma certa civilização vazia de espirito ou de alma cristã, se não posso considerá-los como mal exclusivo deste ou daquele pais e verifico atingirem maior extensão nos regimes parlamentares e convencionais, nem por isso posso deixar de ter como necessário combatê-los com a possível eficiência na nossa terra e no nosso meio. E talvez seja mais fácil do que em outras terras e climas sociais.
O que mais perturba presentemente a questão entre nós é a coincidência ou concomitância com uma profunda transformação económico-social do nosso pais, merco do progresso económico que vem a processar-se e dos afloramentos capitalistas - fora de estação, como já aqui disse- a que vai dando lugar; com uma intensa, capilaridade social, nem sempre acompanhada de uma educação adequada; com uma crescente formação de núcleos de operários industriais em zonas restritas, em consequência da viciosa política de concentração regional das nossas indústrias, e, por fim, com uma tendência marcada para a massificação.
Em tais circunstancias, o exemplo ó essencial - o exemplo de modéstia, de serenidade, de limitação. A imodéstia ofende, escandaliza, corrompe.
É essa exemplaridade, condição, aliás, do verdadeiro escol, que temos de exigir dos dirigentes no campo económico, social ou político, que temos de exigir ou, se for necessário, impor.
Não podemos permitir que o mau exemplo de alguns faça medir todos pela mesma rasoira, o que seria mau, mas principalmente que dissolva as massas operárias, preparando a substituição subversiva das. chamadas classes dirigentes.
Não vou alongar-me mais, de novo, nesta matéria, tanto mais que em breve terei necessidade de a tratar mais larga e profundamente.
Por agora assentemos apenas em que tudo quanto se possa fazer, em qualquer campo ou aspecto, para combater a intemperança de uns, o descomedimento de outros e o descaramento de alguns tem de ser tido como indispensável e urgente em face da doutrina do regime, da nossa formação e da defesa dos direitos de todos.
E, posto isto, vejamos se a proposta, pelo seu alcance, pelas suas consequências, atinge de modo eficiente, prático e justo os objectivos que visa e se a forma preconizada será a mais consentânea com as exigências e realidades da nossa vida política e administrativa e ainda com o processo constitucional.
As diferenças entre a redacção do actual artigo 27.º e a proposta no projecto de lei são de duas naturezas.
Por um lado, estabelece como orientação para a lei especial que venha a regular esta matéria uma definição mais restrita das condições em que as acumulações devem ser consentidas.
Por outro, além de incluir no texto constitucional, em situação análoga à dos funcionários públicos e das autarquias locais, os empregos dos organismos corporativos, de coordenação económica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa -já consideradas pelos Decretos-Leis n.º 26 115 e 26 757-submete também ao mesmo regime os empregos das empresas que explorem serviços de interesso público, que até agora não estavam, para este efeito, sujeitos a condições análogas às do funcionalismo público.
Quer dizer quanto a esta segunda questão, as alterações visam a incluir no texto constitucional aquilo que até hoje era matéria de leis especiais e a alargar o âmbito do regime vigente pela submissão às mesmas condições dos empregos em empresas que explorem actividades de interesse público.
São estas duas questões que, sobretudo, devem ser apreciadas.
A inclusão das empresas que explorem serviços de interesse público entre as abrangidas pelo artigo 27.º não me parece justificada, quer pelo carácter de generalidade com que se apresenta, quer pelo facto de situar estas em posição diferente das demais empresas.
A expressão «serviços de interesse público», que, aliás, é a do artigo 25.º da Constituição, não se me afigura ter uma especificidade que, quanto a esta matéria, a torne aconselhável. De interesse público são tanto empresas caracterizadamente privadas como mistas e ainda outras que gravitam ou dependem directamente do Estado.
O relator do parecer da Camará Corporativa toca esta questão, apontando para a situação diferente que, em face desta disposição, resultaria para as condições de emprego em duas empresas igualmente privadas, só pelo facto de uma explorar um serviço de interesse público, e chega a deixar entender que mais justificado pareceria começar as incompatibilidades pelas empresas especificamente privadas.
Objecta-se, por outro lado, que as regras a aplicar às empresas privadas por sua natureza e função não podem, em boa doutrina, ter o mesmo rigor das que devem vigorar quanto às empresas que, tanto na sua constituição como nos seus fins, explorem serviços de interesse público.
Salvo o devido respeito pelas opiniões em contrário, o raciocínio, tanto num caso como noutro, parece desenvolver-se em plano diferente daquele que a medida visava.
Há aqui, de facto, duas questões diversas: uma que consiste em saber se determinadas empresas, embora de diferentes naturezas, podem assimilar-se ou devem considerar-se em situação análoga à dos organismos corporativos, de coordenação económica, das autarquias locais, da administração pública ou das pessoas colectivas de