1188 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
utilidade pública administrativa só pelo facto de explorarem serviços de interesse público; outra a de decidir se as limitações para efeito de acumulação de funções a estabelecer aos funcionários ou agentes públicos devem circunscrever-se a dado conjunto de actividades ou a todas e quaisquer actividades.
Sobre a primeira interrogação só a circunstancia de se encontrarem as empresas que explorem serviços de interesse público incluídas também no artigo 25.º, para efeitos -aliás, bem diferentes e perfeitamente justificáveis - do artigo 24.º, pode ser invocada em favor de qualquer tese que defenda a similitude, pois por tudo o mais (natureza, constituição, funcionamento, etc.) não poderá encontrar-se base que permita estabelecer analogia válida.
Quer dizer: o facto de certas empresas privadas ou mistas explorarem serviços de interesse público não constitui motivo para que se considerem em regime idêntico ao dos serviços estaduais, paraestaduais ou corporativos e submetam às mesmas condições no que se refere nomeadamente a empregos, regime que, aliás, se não aplicaria, incompreensivelmente, a empresas mistas ou em que o Estado seja accionista, desde que não explorassem serviços de interesse público, enquanto vinculava empresas caracterizadamente privadas, desde que estivessem naquelas condições.
Questão diversa é a de decidir sobre se a extensão das incompatibilidades e acumulações para os agentes ou funcionários públicos deve circunscrever-se às actividades especificadamente definidas como administração pública, organismos de coordenação económica, autarquias locais, etc., ou alargar-se a maios número de actividades até atingir as caracterizadamente privadas. Ou, de outro modo: se o regime de incompatibilidades e acumulações deve estabelecer-se em razão da qualidade de agente ou funcionário público ou da natureza da actividade.
For sob a decisão nesta matéria supõem-se objectivos e necessidades diversas, tais como o exercício de uma só função, o prestigio do agente ou funcionário público, a natureza das funções, etc.
No estado actual das coisas, creio que a orientação válida deverá ser a de tender sucessivamente para a exclusividade das funções, a partir das funções públicas, alargando progressivamente o domínio das incompatibilidades, até atingir toda e qualquer actividade.
Dentro desta ordem de ideias, poderia ter-se como justificado, dentro de certos limites, alargar as incompatibilidades de exercício de funções públicas para além das funções em autarquias locais, organismos corporativos, de coordenação económica, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e empresas que explorem serviços de interesse público, mas não seria já compreensível estabelecer incompatibilidades de exercício de funções entre empresas destas, pelo menos nos escalões não directivos.
Tudo depende, pois, dos princípios de que se partir.
Ai estará a raiz da divergência entre o relator da Câmara Corporativa e o projecto de lei no que respeita a justificação de abranger ou não empresas só pelo facto de explorarem serviços de interesse público.
Por mim, deliberadamente, não me parece razoável nem aconselhável a inclusão destas entidades, pois, segundo um aspecto (a exclusividade da função pública), seria mais correcto incluir então todas as empresas mistas ou privadas, e, sob outro angulo (a incompatibilidade de função entre empresas privadas),- não julgo admissível abranger empresas privadas só pelo facto de explorarem serviços de interesse público.
A inclusão no texto constitucional de matérias que, em grande parte, eram até agora objecto de regulamentação em leis especiais não se me afigura conveniente nem aconselhável. Contra esta orientação militam tanto a tradição da nossa Constituição, a natureza da matéria, a variação rápida a que está sujeita, em época de profunda transformação das estruturas económico-sociais, como a circunstância de nem abranger todos os campos que devem ser considerados, nem comportar as indispensáveis diferenças de grau, que só uma lei, aliás complexa, poderá estabelecer.
É sabido, até pela experiência vivida nestas duas últimas décadas, que as estruturas económico-sociais se transformam com certa rapidez, sob o influxo do progresso económico, e que o grau de subdesenvolvimento, de que ainda sofremos, nos obriga a tudo fazer para tornar mais célere o nosso desenvolvimento, donde, consequentemente, deverem esperar-se mais rápidas e profundas transformações estruturais.
Sendo assim, não me parece conveniente que se pormenorizem no texto constitucional estas matérias, mas tão-somente se estabeleçam os princípios doutrinários que devem moldar as indispensáveis leis reguladoras, na certeza de que em curtos lapsos de tempo terão de ser acrescentadas, revistas e modificadas.
Depois, creio não ser despiciendo, no nosso caso e consideradas as realidades da nossa administração pública, o facto de as leis sobre incompatibilidades e acumulações deverem distinguir entre funções directivas e não directivas, para atingir duramente aquelas e regular estas consoante as possibilidades de remuneração dos empregos mais modestos
Defendo o principio de que só se pode considerar como atingido um estado de justo equilíbrio e satisfatória evolução quando cada um puder viver, compatívelmente com a sua condição social e funcional, de uma só ocupação, do exercício de uma só função pública ou privada.
É esta uma doutrina, geralmente proclamada e aceite por toda a parte, que Sala/ar defendeu entre nós já no seu discurso da Sala do Risco, mas que todos sabemos não poder ser férrea e geralmente praticada enquanto se não atingir certo grau de desenvolvimento económico e também de compreensão social.
No nosso caso e na actualidade não creio tal doutrina exequível com generalidade ou, pelo menos, como podendo ser imposta para uma larga medida de empregos modestos, para certos ramos médios, nomeadamente do ensino e da medicina, etc.
Tenho-a, porém, como urgente e imperiosa para os lugares cimeiros da vida pública e das empresas privadas, tanto em razão da moralidade pública, de uma limitação a desmandos incompatíveis com a modéstia do nosso viver, como ainda em função da defesa indispensável contra certos sistemas de pressão e domínio económico.
Creio ser aqui e neste plano que devemos, sobretudo, agir, e agir diferentemente dos outros planos e aspectos.
Por estes motivos, parece-me inconveniente e desajustado às realidades da nossa vida incluir no texto constitucional uma disposição com uma redacção como a proposta, a cujo propósito renovo, porém, a minha inteira concordância.
Em resumo:
A tradição do nosso texto constitucional, bem como a existência do outras disposições que permaneceriam com o sentido actual, e ainda a natureza da matéria sujeita a modificações paralelas à transformação das estruturas económico-sociais, em rápida evolução, não aconselham a que se transponha pára a Constituição uma definição como a proposta para o artigo 27.º
O problema existe, é urgente, carece de solução rápida, mas deve procurar-se encontrá-la por meio de leis especiais, que deverão ir desde o regime de incompatibilidades e acumulações até à repressão de certas formas de pressão e domínio económico.