2326 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92
Os integracionistas, nos quais é evidente a intenção nacionalística do seu ideal, acabaram por concordar trazer ao terreno humano a doutrina, consentindo já na existência dos elementos fundamentais da descentralização administrativa, e são eles os governos-gerais e o Ministério do Ultramar. Acabarão por conceder a especialidade das leis como inerente à descentralização e pela mesma razão hão de aceitar também os conselhos legislativos que funcionam enquadrados pela Constituição, esta Lei Orgânica, e sobretudo pelo espírito das instituições e das leis gerais, de modo que não é possível o seu desvio, nem atribuir-lhes outra função para além da necessária regulamentação no âmbito provincial.
A pressente reforma põe em evidência a concordância e harmonia de tudo isto, e se assim não fosse não seria viável n, função dos governadores.
No domínio dos princípios, tanto como na normalidade dos factos correntes, quanto mais «ampla for a descentralização, de mais alto grau há-de ser a integração que a sustenta e de mais alto nível o poder do governador que a assegura.
Não podendo conceber-se, numa estrutura política unitária, que a descentralização se desvirtue ao ponto de se transformar numa autonomia política, separada e independente do poder central, é sendo igualmente absurdo que a integração também se desvirtue e se transforme numa centralização tão rigorosa e estreita que anule a descentralização e o poder local, impõe-se, naturalmente, procurar o conveniente ponto de equilíbrio entre as duas forças.
O problema está em aberto na economia da presente proposta, e quero acentuar que se prossegue na solução pragmática que, no fundo, pretende ignorar e portanto iludir um potencial conflito de poderes.
As províncias pedem descentralização, que elas entendem compreender mais poderes de decisão e execução locais, e temem a integração porque receiam que se pretenda pô-la ao serviço de uma forçada centralização de poderes ou pela abolição dos órgãos locais de governo é a restrição e transferência sistemáticas das suas competências, ou pela sobreposição de outras no mero plano executivo provincial.
Está gerado o equívoco alarmante de que a integração se opõe à descentralização, e esta impede aquela. Parece-me importante reafirmar que a Constituição contém na matéria directrizes exactas que não estão a ser claramente entendidas, .só porque se tem dado à integração um sentido passivo e unilateral, disforme, que reduz as províncias à mera situação de partes componentes despersonalizadas, e abstrai da insofismável qualidade sua de partes integrantes personalizadas.
A personalidade nacional é uma e identifica-se com as personalidades provinciais, com qualquer delas, que a compõem simultaneamente, que a integram. Por isso temos a metrópole, as províncias, a Nação, três aspectos que se confundem e distinguem, são iguais e diferentes, cabendo à metrópole a função coordenadora de prima inter pares, como metrópole.
A contribuição moçambicana para se construir sobre as ruínasdo equívoco um sistema que torne sólida a doutrina da unidade pela eficácia do seu funcionamento prático parece-me importante, e peço à Câmara e ao Governo que meditem no alcance futuro e execução imediata das sugestões de Moçambique ao Conselho Ultramarino e no significado dos votos expendidos.
Algumas delas" foram prontamente aceites e dizem respeito à integração que pela primeira vez se encara e realiza
nos dois sentidos. A opinião das províncias passa a ser escutada nos órgãos que o Governo consulta para orientar a vida nacional, o que significa assumirem as províncias responsabilidades nacionais, como desejam. Faltava à integração este sentido bilateral de que carece para ser nacional e não apenas a absorção do ultramar pela metrópole. Tenhamos confiança em que o Governo porá o maior escrúpulo e verdade na regulamentação da matéria, de forma a não permitir logros e frustrações que seriam perigosamente nefastos.
A minha província deu provas significativas e nobres do seu vivo desejo de integração, num plano altamente nacional e em que portanto se afirma e dignifica a sua personalidade como ente moral de um ente moral maior que é a Nação.
De futuro, integração será definitivamente e irreversivelmente isto que eu digo e ela traduziu em sugestões concretas no Conselho Ultramarino. A reforma em estudo abriu de facto novos horizontes à vida nacional, e é sintomático que tivesse o ultramar avançado de sua iniciativa as respectivas propostas, porque isso significa que se ultrapassou a fase colonial de pertencer exclusivamente à metrópole a direcção da vida nacional. Entrámos, portanto, numa época nova de orientação da Nação pela própria Nação, sob a chefia da metrópole e com a participação directa e activa do ultramar, cuja opinião, cuja consulta, cuja acção, é intercalada nos circuitos político-administrativos nacionais.
Cabe ao Governo dar verdade a esta fecunda e prometedora possibilidade da Lei Orgânica do Ultramar agora reformada, e isto é tão importante e decisivo que disso depende, a meu ver, poder Portugal continuar a existir com a grandeza moral e a dimensão humana e geográfica que tem hoje. Ou agora ou nunca mais, e lembro que as circunstâncias ou conjunturas se não repetem na história, nem voltaremos a ter por nós outra maré alta de esperanças tão cheias de certezas.
A necessidade de reformas que promovessem a inserção política do ultramar na vida nacional e ao mesmo tempo lhe assegurassem uma descentralização plena nos limites da Constituição foi trazida a esta Assembleia por Deputados do círculo de Moçambique. Eu próprio tomei posição renovadora em rigoroso acordo com o texto constitucional. Pouco depois, por outra via, e por mera coincidência - em 18 de Janeiro de 1962 -, o Governo foi solicitado por Moçambique a proceder a tais reformas. Em Fevereiro depreendi, de conversas que tive, que estavam em curso os estudos necessários, e em Setembro fui surpreendido pela convocação do Conselho Ultramarino com o ineditismo de nele se fazer ouvir, a título informativo, um sector da opinião pública das províncias.
Começavam a consagrar-se teses de Moçambique, e os trabalhos do Conselho revelaram posteriormente que elas eram saudavelmente ajustadas às realidades e às necessidades. A metrópole deve a Moçambique uma equilibrada sensatez que a minha província não negou ;i Nação e fez valer no momento adequado.
Só foi pena, a meu ver, que não tivesse havido tempo de se proceder a uma ampla dialéctica doutrinal e certas teses não tivessem sido largamente trabalhadas, estudadas, elaboradas, no sentido de se lhes medirem as origens profundas, as causas próximas e os efeitos distantes.
O Governo acabou por cingir-se demasiado aos votos do Conselho Ultramarino, pois, dada a defeituosa constituição actual deste Conselho e. a idêntica dos conselhos legislativos, tenho sérias dúvidas de que tivessem sido considerados todos os aspectos e todas as implicações do problema nacional do ultramar.
O fundo do problema é demasiado importante para que possa ser subestimado, pois foram nítidas e inconciliáveis