18 DE ABRIL DE 1963 2327
as duas correntes que se desenharam no Conselho Ultramarino. Uma delas defendeu que devem ser transferidas para os órgãos competentes da administração provincial as funções legislativa e executiva actualmente atribuídas ao Ministro do Ultramar, nos sectores que interessem exclusivamente às províncias. Defendeu também privar-se o governador-geral de competência legislativa e subordinar-se o Governo da província ao legislativo local.
Desta fornia, pretendeu esta corrente assenhorear-se do Poder da província, eliminando a acção normal do Ministro e reduzindo o Governo provincial a meras funções executivas orientadas por um legislativo local.
O Poder passaria, pela inorgânica do voto, às mãos de uma classe, que seria necessariamente a detentora do poder económico, o que deve impedir-se em estruturas sociais coloniais, e o Governo Central ficaria praticamente privado do poder moderador, do poder de equilíbrio, do poder de promoção dos extractos sociais menos favorecidos, do poder de orientação nacional, factores que nas províncias residem na pessoa e nos poderes do governador.
A meu ver, esta atitude não tem outro significado senão o de falta de confiança na dotação das províncias com sistemas e pessoas capazes, visto estar provadíssimo que com governadores actuando como meros administradores as províncias se sentem mal servidas e à mercê de poderosas influências conservantistas.
A este respeito acrescentarei que a imperiosa necessidade de fortalecer o poder do governador para defender o Governo da província contra as influências de grupo local não é menos importante do que para defender a província das influências de grupos metropolitanos. Aliás, a instalação de grupos metropolitanos no ultramar metamorfoseados em grupos locais é um facto e a sua influência é crescente. E porque actuam cá e lá una você, os governadores, e portanto os governos das províncias, não podem ser diminuídos de autoridade, de prestígio, de poder moral e até de poder político discricionário.
Ë evidente que a existência de um governador que só administra constitui hoje um problema para o Governo e para as províncias. Entendo até que os governos ultramarinos devem ser confiados a pessoas de grande prestígio político nacional, porque o facto constitui factor preponderante do prestígio político do Governo e do prestígio moral da metrópole no ultramar. Assim procederam, com os melhores resultados, a monarquia liberal e a 1.ª República, que consagraram o sistema com os altos-comissários. Aliás, não pode haver função mais honrosa do que um governo ultramarino.
Creio mesmo que é consideravelmente mais importante, do ponto de vista da responsabilidade moral nacional, ser governador numa província do que Ministro num governo, o que está de acordo com a tese, que já aqui defendi, de que. é diferente ser português no ultramar. Há pelo menos uma diferença de qualidade actuante, porque a Pátria aqui está feita e lá continua, a fazer-se.
A outra corrente expressa por Moçambique, e que acabou por conquistar a adesão geral, teve a nítida visão do problema ao insistir pela intervenção directa do ultramar no processamento da administração geral da Nação e reforço dos poderes e do prestígio dos governadores, ao ponto de propor a sua participação no Governo, com assento e voto em Conselho de Ministros.
A última sugestão, considerada, ao que parece, revolucionária, não teve seguimento por formalmente se lhe opor a Constituição. Haverá, pois, que reformar a Constituição se a inovação for útil e necessária.
A este respeito quero ir até mais longe, porque estou convencido da urgente necessidade de os governadores gerais serem efectivamente Ministros do Governo que assumam cumulativamente aquelas funções, e como Ministros serem eles que exercitem nas províncias as funções delegáveis do Ministro do Ultramar, ficando reservadas a este, como Ministro de Estado para o Ultramar, as funções não delegáveis u toda a competência constitucional em matéria de coordenação, orientação e fiscalização da administração ultramarina.
Penso assim porque a reivindicação da opinião pública das províncias quanto aos poderes e competências dos governadores só cessará quando se tiver esgotado por transferência total a competência do Ministro do Ultramar. Não haja ilusões ou dúvidas. A tendência, aliás irreversível, encontrou eco e acolhimento na proposta do Governo, mas no domínio da psicologia política não se concretizou ainda a conveniente solução para o problema.
Se se entender que um governador-geral exerce, não uma função pública, mas uma função política, específica, transcendente, inerente aos direitos materiais e aos deveres morais da soberania, da Nação, que deve sustentar na província como «supremo dever de honra», não parece impossível, no actual quadro constitucional, poder o Governo designar um Ministro que como tal vá ser na província o próprio Governo.
Desta forma se poderá realizar o máximo de descentralização, que será exercida pelo próprio Governo, e se conseguirá em contrapartida o máximo de integração, porque o Governo Central terá em suas mãos o governo directo e pessoal da província. Esta estará representada o mais altamente possível no Governo, pelo que nem as províncias poderão ser dispensadas de responsabilidades nos mais graves negócios nacionais afectos ao Governo, nem este poderá dispensar-se de as ouvir, para lhes atender a controvérsia em caso disso.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Exª. dá-me licença?
O Orador: - Peço desculpa, mas estou aflitíssimo com o tempo. Mas se V. Exª. deseja qualquer esclarecimento, no fim estou disposto a prestá-lo.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Era só para dizer que esse aspecto é mais um aspecto do descentralização do que descentralização.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
As províncias passarão a ter um espaço político, social e económico nacional e terá cessado para sempre a sua menoridade. Começará verdadeiramente a Nação, que é o sonho secular e grandioso da velha e nobre metrópole.
A Lei Orgânica não tem por si possibilidade de eliminai-o problema, que não pode ignorar-se, e rodeia-o pelo sistema das concessões sucessivas, por delegações sucessivas. Será uma escapatória, mas não é uma virtude. Não convém, portanto, à Nação.
Estender a acção directa e pessoal do próprio Governo nacional à província por intermédio de um Ministro, isso sim, é que é integrá-la completamente no todo nacional, integração vertical, simultaneamente nos planos político, executivo e administrativo. Merece, portanto, ser estudada e realizada a sugestão moçambicana. Por mim estou certo de que não há outra nem melhor solução, pelo que será forçoso adoptá-la.
Claro que isto pressupõe grandes modificações na estrutura do Ministério do Ultramar, que deve ser descongestionado de tudo quanto nele exista a mais para a sua função coordenadora, orientadora e fiscalizadora, que é tudo quanto deve ser ao nível de Ministério especial e privilegiado, como já aqui defendi.