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13 DE JANEIRO DE 1967 993

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tomo parte neste debate perfeitamente consciente da docilidade do tema. E todavia não deveria ser assim, pois desde que o homem existe, existe o problema da educação dos homens. Em qualquer época, em qualquer latitude, na mais pequena sociedade, mesmo na de costumes mais primitivos, o problema se pôs sempre, pois sempre foi necessário ao próprio pai ensinar aos filhos as regras da sobrevivência.
Parecia assim que, tão velha como o homem, a educação deteria ser já ciência, milenária como é, de inabaláveis alicerces, de estrutura calcificada, de aplicação indiscutível. E, no entanto, nenhuma outra ciência se mostra tão fluida, tão ao sabor das contingências temporais, tão debatida, tão angustiante na certeza dos seus resultados.
Mas muda assim tanto o homem - o objecto da educação - que mal pode esta acompanhá-lo, necessitando de constantes adaptações para poder ser tida como válida? Não é o homem, a despeito dos milénios que decorreram desde a sua criação, fundamentalmente o mesmo, capaz das reacções de sempre, envernizado embora pela civilização em que se integra?
Se mais provas não houvesse da imutabilidade do homem, até da força- que sobre ele exerce essa imutabilidade, levando-o aos retrocessos da civilização - ao quebrar do verniz que lhe dá aspecto mais atraente -, bastaria olhar por esse mundo e ver as chacinas e as pulhices que por ele vão. Quer disso tenhamos ou não consciência, a história repete-se ante os nossos olhos. A nova invasão dos bárbaros - bárbaros no sentido lato dos Romanos, de mistura com os do sentido restrito nosso - está a processar-se irresistìvelmente. O Império do Ocidente é abalado nas suas raízes e, de cedência em cedência, tem vindo a abrir as portas às turbas do quente, largando de mão os seus postos avançados de defesa, passando de mão os luares cimeiros de comando, apoiando os novos senhores nas suas exigências calculistas e desenfriadas.
Uma vez mais, entre a desorientação geral, Portugal se ergueu em arauto da civilização ocidental, e a sua atitude deliberada de fazer frente a onda avassaladora dos novos conquistadores não é apenas questão de sobrevivência, mas sobretudo imperativo de consciência, noção clara das suas responsabilidades de membro de uma comunidade europeia que soube impor-se ao mundo pelos valores do espírito e ao mundo sempre soube fazer frente com a força das armas.
A história repete-se, e a nós veio a encontrar-nos na mesma disposição de há séculos. Isso só foi possível por uma persistente e larga acção de mentalização (essa mentalidade nova de que Salazar falou um dia), que mais não é afinal do que a educação de um povo em sentido nacional, isto é, povo consciente dos princípios que defende, da razão que lhe assiste e da força que tem.
Nenhuma educação - disse um dia Garrett - pode ser válida se não for eminentemente nacional. Por isso, todos os povos deverão receber a educação que melhor quadre à sua maneira de ser.
Defina essa educação, nos seus propósitos e nos seus limites, eis a primeira tarefa. Depois quanto possa acontecer sei ao apenas meios de chegar ao fim que se pretende. E esses meios, então, é que poderão andar ao sabor das e contingências temporais. Saber, a tempo e horas, aproveitar um clima emocional, adaptar um figurino na moda ou ajeitar roupagens próprias é uma arte que requer técnicos atentos e perfeitamente integrados no espírito nacional, para não se perder nesses encostos ao tempo presente o sentido profundo e perene dos princípios essenciais.
Ainda há pouco o Chefe do Estado promulgou o decreto que reforma as disposições por que se rege a Organização Nacional Mocidade Portuguesa. Nele se diz que «a formação integral da juventude portuguesa deve estimular a devoção à Pátria, o sentido da unidade nacional, o gosto da disciplina, processando-se à luz dos princípios e valores que informam a vida portuguesa, em vista à valorização da pessoa humana, dentro de um espírito de justiça social, de respeito das sãs tradições, de adaptação às circunstâncias dos tempos modernos e das várias parcelas do território português, de compreensão e solidariedade internacionais». Em suma, processar-se-á a formação da juventude à luz dos imperecíveis princípios e valores da civilização cristã, que sempre têm presidido, e continuarão a presidir, aos destinos de Portugal.
Foram uma vez mais lembradas as linhas mestras da acção educativa nacional Caberá à Mocidade Portuguesa, estruturada como está, isto é, sendo, mais do que instituição que por si aja, uma repartição técnica, um gabinete de estudo à procura dos meios de ocupar, com fim bem definido, o tempo livre dos jovens. A escola executará depois, com ampliada liberdade e, necessàriamente, maior responsabilidade.
Mas quantas crianças, terminada a instrução primária, prosseguem estudos, sequer só de ordem secundária. A média geral deve ser muito baixa, suponho que da ordem dos 30 a 40 por cento, pois Setúbal com todas as suas facilidades, consegue apenas 60 por cento. Que acontece então às outras? Ou se entregam à vadiagem ou procuram colocação para, através de longa tarimba, chegarem a profissão definida. Acabado o contacto com a escola, esses jovens, em plena formação, vivem perfeitamente ao sabor dos seus instintos, sem a mão forte da família, que, se a tivessem, teriam eles seguido estudos. Tenho-os visto, anos depois, entrar nas escolas nocturnas, por imposição dos patrões (e quero aqui render a minha homenagem a quantos põem como condição de permanência nos empregos que os seus empregados frequentem a escola nocturna), completamente alheios a qualquer forma de cultura, excepto a desportiva, mal sabendo contas, mal sabendo ler, sem a mínima capacidade interpretativa, incapazes, pois, de por si pensarem, presas fáceis de sugestões sociais de reivindicação revolucionária.
Entregando agora à escola a iniciativa e responsabilidade das actividades circum-escolares, a Mocidade Portuguesa, enfim liberta de um intervencionismo directo no meio escolar, que teve os seus fortes inconvenientes, a par, naturalmente, de muitas conveniências, poderia dedicar-se, com o peso da sua experiência e do seu dinheiro, à organização séria e profunda, sem improvisações sem indigências, dos centros extra-escolares, ou seja, do clubes da juventude que não estuda ou só estuda à noite. Aí, sim, aí há, desacompanhado e fértil, um campo enorme de acção a fazer. Ao longo dos anos, sem quase nada, lutando como heróis (na paz também há heróis!), rapazes formados nas fileiras da Mocidade Portuguesa dedicaram-se à formação de outros rapazes mais abandonados do que eles e constituem hoje um escol de que a Nação não pode prescindir, antes deve acarinhar, pois ele se fez na forja dos grandes feitos na acção e no sacrifício. E se não pode ou não quer a Mocidade Portuguesa deitar finalmente a mão forte e seguia aos centros extra-escolares, favoreça-se então a expansão do escutismo, que é uma escola de educação por excelência, a que este país deve mais do que se pensa e que também tem sabido preparar, ao longo de muitos anos, um escol de dirigentes caldeados.