3545
19 DE MARÇO DE 1969
É por isso que, várias vezes nesta Câmara, se tem propugnado por essa luta, e recordo a propósito os notáveis depoimentos dos Srs. Deputados Cancella de Abreu, Duarte do Amaral, Amaral Neto e outros, e também os meus próprios — esses bem modestos —, em várias sessões das últimas legislaturas.
Todavia, embora reconhecidos e devidamente valorizados, os argumentos a favor do estabelecimento de uma estrutura com possibilidade de equacionar e resolver, com eficiente carácter de generalidade, os grandes problemas que suscita a profícua luta contra os malefícios do fogo e de outras calamidades do mesmo paralelo, tal estrutura ainda se não criou, pelo que se continua a viver dentro de orgânica em que se subestimam muitos dos pressupostos essenciais que deveriam ser tidos na devida consideração.
Afirme-se desde já que a culpa do facto não reside em inércias a debitar à predita orgânica, mas em deficiências funcionais provindas do seu próprio estatuto.
Apercebido dessa circunstância, ainda pensei em tomar a iniciativa de apresentar projecto de lei concernindo à modificação do actual ordenamento; todavia, depois de haver elaborado o sumário da estrutura que a meu ver se impunha, topei-me com o condicionalismo impeditivo da possibilidade desse projecto, que o Regimento desta Câmara proclama no n.° 3.° do seu artigo 33.°, dado que me seria extremamente difícil, ou mesmo impossível, propor a criação de novas estruturas sem que essa criação envolvesse aumento de despesa.
Desisti do meu intento, mas não desisti de trazer a esta Câmara o somatório das ideias que formei no estudo deste aliciante tema.
Esta a razão das palavras que me proponho proferir.
Sr. Presidente: Importa fazer um breve escorço da actual orgânica do serviço de defesa contra o fogo, para bem se poder avaliar da necessidade da sua adequada revisão.
Estruturada no artigo 156.° do Código Administrativo de 1940 com carácter eminentemente regional, ali se preceitua que essa defesa é feita a nível concelhio e fica a cargo dos seguintes organismos: batalhões de sapadores bombeiros, nos concelhos de mais de 100 000 habitantes; corpos de bombeiros municipais, nos concelhos de 1.ª ordem, e associações de bombeiros voluntários.
Além destas corporações, existem ainda, por permissão legal, os serviços de corpos de bombeiros privativos das organizações comerciais e industriais que os desejem criar e manter.
Pelo Decreto n.° 35 857, de 11 de Setembro de 1946, substituído em 27 de Setembro de 1951 pelo Decreto n.° 38 349, foi uniformizado o funcionamento de todos estes corpos de bombeiros, tendo-se dividido o País em duas zonas, norte e sul, com sedes, respectivamente, no Porto e em Lisboa.
Como organismo coordenador, com funções orientadoras, de fiscalização, de fomento e até tutelares, foi criado pelo Decreto-Lei n.° 35 476, de 12 de Julho de 1946, o Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios, que funciona na Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, o qual, constituído pelo respectivo director-geral, que é o presidente, tem como vogais os comandantes dos Batalhões de Sapadores Bombeiros de Lisboa e do Porto, que são também os inspectores de cada uma dessas zonas, e dois representantes dos corpos de bombeiros voluntários.
No fim de 1968 havia em Portugal, salvo erro, 348 corpos de bombeiros, constituídos por 25 corpos municipais, que incluem os 2 batalhões de sapadores de Lisboa e Porto, 307 de voluntários e 16 de corpos de bombeiros pertencentes a empresas particulares.
Além de todos estes corpos de bombeiros pròpriamente ditos, há ainda o pessoal de certos serviços do Estado, como, por exemplo, dos Serviços Florestais, que, muito embora não constituam organismos específicos da luta contra os incêndios, no entanto nela tomam parte muito activa quando o fogo se ateia e se propaga na floresta pertencente ao Estado, ou a ameaça.
O pessoal dos serviços não esta submetido à disciplina dos corpos de bombeiros, obedecendo apenas à hierarquia dos mesmos serviços, pois a jurisdição do Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios não ultrapassa os domínios das corporações, pelo que também não interfere nos domínios da propriedade privada.
A contemplação deste conjunto de dados torna desde logo evidente que a defesa contra os malefícios do fogo nunca foi encarada como constituindo a satisfação de necessidade essencial e igual em todo o território. É o que resulta da consideração de só existirem corpos de bombeiros municipais ou oficiais em Lisboa e no Porto e, de uma maneira geral, nos concelhos de 1.ª ordem.
Nos restantes concelhos, que formam a grande maioria dos municípios, essa defesa só será viável se se puder organizar uma corporação de bombeiros voluntários. De contrário, contra o flagelo do fogo apenas combaterão os povos locais ou as corporações de outros concelhos.
Deve, porém, notar-se que a existência de 307 corporações de bombeiros voluntários demonstra claramente que o bom povo português não minimiza a necessidade de eficiente organização para se defender do fogo e, por isso, colmatou a indiferença ou a inconsideração da lei administrativa perante esse flagelo formando voluntàriamente essas corporações, de que tanto e tão legìtimamente se orgulha em toda a latitude do território nacional.
O alheamento das leis pela institucionalização de adequada defesa contra o fogo já vem de outras eras. Prevaleço-me do interessante trabalho do bombeiro do Corpo Municipal de Coimbra, Sr. António Maria da Conceição, apresentado nas cerimónias da comemoração do 188.° aniversário da fundação do mesmo corpo, há pouco celebradas, para referir que as primeiras providências oficiais para o efeito datam de 1395, promulgadas pelo Mestre de Avis, D. João I, que embora rudimentares, permaneceram durante quase dois séculos....
A despeito do bem conhecido empenho dos portugueses de defenderem e consolidarem Portugal contra os inimigos tradicionais, em muito pouca conta tinham os perigos dos incêndios, pois não lhes opuseram tácticas de combate do mesmo teor daquelas com que desbaratavam sucessivamente esses inimigos. E essa tendência passou precípua pelos tempos até atingir quase os nossos dias.
Na verdade, desde essa recuada data do século XIV, a evolução dos meios de combate ao fogo foi extraordinàriamente lenta. Efectivamente, só em 1756 foi criado o primeiro comando e nomeado o primeiro comandante de bombeiros em Lisboa, designado por capitão dos bombeiros, e só então foi regulamentado o serviço de «aguadeiros alistados».
Em 1794 criou-se o lugar de inspector de incêndios, também na capital, que em 1852 viu a respectiva Câmara Municipal dar aos seus bombeiros a designação de Corpo de Bombeiros Municipais, que conservou até à actual designação de Batalhão de Sapadores Bombeiros.
Mas isto passou-se na capital, porque nas restantes cidades muito menos ainda se operou.