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DIARIO DAS SESSÕES N.° 197
Ia-se para Macau de barco, via Suez, e dizia-se que uma vez passado esse canal todo aquele que se dirigisse para o Oriente teria que reajustar os seus conceitos acerca da moralidade, da honestidade e até de certo modo civilidade. Viver-se em mancebia, ter várias amantes não era imoralidade. Só seria ladrão o que furtasse meia dúzia de folhas de papel químico da repartição em que trabalhasse, mas receber subornos, praticar desfalques em grande escala era sinal de esperteza, vivacidade e inteligência. Ser-se déspota atropelando até a lei seria sinal de firmeza e de bravura! Felizmente, porém, tais conceitos têm-se vindo a atenuar, pois mal iria a nossa Administração se assim continuasse a ser.
Contudo, infelizmente, ainda existirão tristes reminiscências do passado, ainda existirá porventura quem pense que em Macau ainda cresce a «árvore das patacas» e portanto o que importa será colhê-las da forma que mais fácil lhe parecer!
O dinheiro é tão bonito!
Porém, como digo, serão casos esporádicos que terão de desaparecer a bem do prestígio da nossa Administração.
Macau vive actualmente uma nova era de esperança e fé no futuro. A construção civil esta retomando o seu ritmo anterior, novas indústrias vão-se estabelecendo e o volume da sua exportação tem vindo a crescer.
Esta para ser decidida a construção da ponte que ligará Macau à ilha da Taipa e que constituirá o complemento de um plano de desenvolvimento que abrange as duas ilhas da Taipa e Coloane, já ligadas entre si por uma estrada.
Pensa-se que com a construção desta ponte será possível a instalação de novas indústrias nas ilhas, dada a falta de espaço já existente em Macau, mas é preciso ter-se igualmente em conta, que para o desenvolvimento de indústrias, além de fáceis vias de comunicação, teremos de contar com energia eléctrica suficiente e água que, de momento, julgo não existir em quantidade suficiente, apesar do novo reservatório em construção.
Não vá suceder com a ponte da Taipa o que infelizmente sucedeu com o que pomposamente se chamou o porto exterior de Macau, onde se gastaram rios de dinheiro e se encontra actualmente açoreado na sua quase totalidade, com a excepção de um estreito canal dragado e mantido pela concessionária dos jogos, a fim de permitir a atracação dos seus hidroplanadores.
O Sr. Gabriel Teixeira: —V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: —Faça favor.
O Sr. Gabriel Teixeira: —As considerações de V. Ex.ª permitiram-me identificar o projecto de melhoramentos que esta em curso em Macau.
Tinha lido umas observações no Diario Popular e a resposta oficial às mesmas, mas não ficara esclarecido.
Eu leio tudo o que se publica sobre Macau.
V. Ex.ª, por compreensível modéstia, ficou muito aquém do que é devido à população de Macau.
Não conheço parelha às suas grandezas de alma e lealdade.
Nos períodos de inenarrável sofrimento, causados pelos múltiplos bloqueios com que pretendiam levar o Governo de Macau a aceitar imposições inaceitáveis, quando todos os dias os mortos de fome ascendiam da centena, quando, por toda a parte, quando «chove na eira e venta no nabal», a «culpa é do Governo».
No meio do seu indizível sofrimento, diàriamente, portugueses e chineses, indistintamente, diziam-me:
Nós sabemos que a culpa não é do Governo.
E sem esta lealdade, esta compreensão constantes, firmes, fazendo da população e Governo um «todo uno», não sei se teria sido possível ter-se mantido içada em Macau a nossa gloriosa bandeira!
Por isso, a minha quente gratidão à população de Macau é como uma dívida consolidada: não tem prazo de vencimento nem se amortiza com o tempo.
Isto explica todo o calor com que acompanho quanto diga respeito a Macau.
O plano que esta a executar-se, verifiquei pelas palavras de V. Ex.ª, assenta num estudo dos vários feitos durante a segunda guerra mundial, aproveitando a presença em Macau, como refugiados, de alguns técnicos chineses de notável competência.
A ilha de Coloane constituiria uma area residencial de alto nível e de diversões e na Taipa fixar-se-iam as indústrias se...... houvesse água.
Só por sondagens — para as quais não possuíamos sondas que permitissem realizá-las — se poderia verificar da existência da água indispensável, pois constituir uma zona industrial sem água é como certa poesia moderna: nem rima nem faz sentido.
Verifico que os recursos de água são aleatórios, mas que assim mesmo se pretende constituir a zona industrial da Taipa. Dispenso-me de comentar.
Quanto à ponte Macau-Taipa, creio que foi mencionada, mas em termos que não posso recordar com precisão.... já lá vão mais de vinte anos!
Guardo de ideia uma reflexão que não se apagou do meu espírito: Kowloon tem dez ou vinte vezes mais indústria do que jamais poderá ter a Taipa, e os ferries são amplamente suficientes para assegurar as ligações, mas em Macau é preciso uma ponte!
Não tenho dúvidas de que uma ponte, projectada pelo Prof. Edgar Cardoso, seria perfeita, pois para mim ele ó mais do que um técnico notável, é o mago do betão armado. Não é, porém, a qualidade, mas a necessidade e até a oportunidade da ponte que estão em causa.
Tem a aprovação dos Conselhos Superiores do Ministério? Não nego a alta competência dos mesmos, mas o que lhes recuso é a infalibilidade.
Não é preciso sair de Macau para justificar este asserto.
Referiu V. Ex.a, e muito bem, a falência do porto exterior de Macau, que teve as bênçãos de todos os Conselhos do seu tempo......
E contudo.... a sua concepção é uma autêntica aberração económica, que veio a ser igualada pela obra em si mesma!
Junto de tão disforme harmonia, Quasímodo ganharia um 1.° prémio de beleza!
Ora Macau não é suficientemente rico para comportar segunda «grande obra negativa» quando tanto há que fazer a bem da sua população!
Permita V. Ex.ª, pois, que me associe com toda a veemência aos reparos que formulou e me perdoe a interferência pela razão que a motivou: o muito que quero a Macau e à sua gente.
O Orador: —Agradeço a V. Ex.ª o seu judicioso aparte, tanto mais de apreciar quando se trata de um testemunho especialmente qualificado. Foi V. Ex.ª governador da província durante o período crucial da II Grande Guerra, e foi devido à administração esclarecida e ponderada de V. Ex.º que Macau conseguiu sobreviver. Deste modo, não é de admirar que até hoje o nome de V. Ex.ª seja lembrado e respeitado pela população de Macau, tanto chinesa como portuguesa, onde conta inúmeros admiradores.