2006 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 100
todas as épocas, grande parte da mão-de-obra portuguesa, não qualificada e até qualificada, a abandonar o País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Poucas vezes me terá sido tão grato saudar, agradecer, dizer do meai respeito e da minha amizade, como esta, agora, em que, aos meus cumprimentos ao Sr. Deputado Correia da Cunha, junto os protestos sinceríssimos destes vivos sentimentos. E basta, para que o vigor da intenção fique concentrado na parcimónia da sua expressão verbal.
«Ordenamento do território» - eis o tema do debate em curso. Ordenamento é o acto de ordenar, de colocar na ordem, e esta, ma definição lapidar de Santo Agostinho, é a disposição das coisas no seu lugar próprio. Mas então, porquê ordenamento do território? Poderá ele estar fora do seu lugar próprio, desordenado, portanto? Não é fixo o território, não é imutável a situação das partes que o integram? Logo, ou a expressão é absurda ou contém um significado que transcende o seu sentido aparente. E de facto contém.
A disposição geográfica, do território é rígida, sem dúvida. Mas os homens, os homens a quem Deus entregou a posse e o usufruto de toda a Natureza e de todos os seus bens, os homens, esses, se não encontram nos lugares em que nasceram e cresceram e se puseram a pensar meios de vida verdadeiramente humana, deslocam-se, movem-se, em busca de terras - longínquas embora - onde existem condições materiais, instrumentos culturais e aparelhos sociais que lhes permitam a satisfação daqueles apelos ingentes e a realização daquelas capacidades humanas indispensáveis à usufruição do indefinível sentimento de felicidade que resulta, afinal, de um existir assumido, e não suportado, de uma caminhar para destino livremente escolhido, e não imposto, de uma vida plenamente vivida, e não esvaída em desintegração lenta de morte antecipada.
É por isto, por isto só, que o ordenamento do território não se refere à sua situação num sistema de coordenadas geográficas, mas ao seu desenvolvimento, quero dizer, ao aumento crescente e harmonioso da produção de bens ao serviço dos homens que o habitem.
Não sou técnico de economia, por isso relevem-me a observação, se erro: afigura-se-me que se confunde - ou que há quem confunda - ordenamento com planeamento. Ora, aquele engloba este, mas ultrapassa-o. O ordenamento é um processo complexo e global, constituído por momentos simultaneamente sucessivos e permanentes, individualizados e unificados: estudo, planeamento, decisão e execução. Nós temo-nos sobretudo quedado - tant bien que mal - nos planos (vamos no quanto, incluindo o Intercalar): os estudos - por carências estatísticas graves - merecem crítica severa do ponto de vista científico, as decisões quantas vezes são tardas e tíbias e as execuções ... Bom, creio que é suficiente recordar que o I Plano de Fomento não foi ainda integralmente cumprido! Que admira, pois, que, apesar de tantos planos - que è de bom-tom referir em discursos solenes, como se de Bíblia se tratasse! -, o território esteja, quanto ao seu desenvolvimento, cada vez mais desordenado?! Somos, de facto, um curioso país, a estimular a curiosidade dos antropologistas e a desafiar a, sua imaginação interpretativa de sagacidade: capaz de fulgores de epopeia e incapaz de desenvolver 89 000 km2 de território europeu!
Posta esta ingénua e atrevida crítica, desejava chamar a atenção para outro ponto.
O homem é o sujeito do desenvolvimento económico, seu autor e usufruidor (cf. Concílio Vaticano n: Const. Past. Gaud. et Spes). Só ele está na origem e no destino do desenvolvimento, só ele lhe dá sentido, logo valor, portanto justificação.
Contudo, o desenvolvimento pode não ser humanizante, mas homicida: pode fazer dos homens cadáveres ambulantes, ou mesmo cadáveres propriamente ditos. Por isso o desenvolvimento - cuja prossecução exige intervenções técnicas cada vez mais importantes - nunca pode ser considerado uma técnica da exclusiva competência de técnicos. Porque o desenvolvimento não tem autonomia em si mesmo, mas é instrumento ao serviço do homem, há que garantir esta instrumentalidade, tarefa por que o Estado tem de ser o principal responsável. Assim se justifica a sua activa e decidida intervenção no processo desenvolvimentista - logo, no ordenamento do território -, intervenção que poderá exigir medidas drásticas de eliminação de grupos de pressão apátridas e anti-sociais enquanto voltados apenas para a conquista de cada vez maior poder económico, à custa da violação dos mais elementares direitos dos indivíduos e da Nação. Esta coragem de sacudir sanguessugas é também uma das pedras de toque que definem um Estado social, que, mais que formulação de intenções, exige a sua concretização. A intervenção do Estado no desenvolvimento deve efectuar-se nos quatro momentos que anteriormente apontei e comportar eficiente acção fiscalizadora, em ordem a que o processo efectivamente sirva todos, mormente os mais desfavorecidos. Nesta linha, e porque - não é de mais repeti-lo - o desenvolvimento é operado pelo homem e para o homem, compete designadamente ao Estado assegurar:
1) Que todos participem na escolha das metas do desenvolvimento, na sua execução e no seu controle;
2) Que todos participem dos frutos do desenvolvimento consoante, em primeiro lugar, as suas reais necessidades.
Não basta, contudo, a distribuição justa dos bens para que estes sejam instrumentos de humanização: importa considerar ainda o modo como são utilizados. O monodimensionalismo alienante gerado pela sociedade de consumo - seja ela capitalista ou socialista - aí está a demonstrar com eloquência que ter não é, necessariamente, igual a ser. E - não nos iludamos - neste nosso querido país, são já evidentes as marcas de uma mentalidade de ser quantificado ou quântico. De facto, encontramos a esmo - mesmo em quem pelas altas responsabilidades dos cargos menos seria, teoricamente, de esperar - convicções arreigadas, defendidas com férrea determinação de que se é tanto mais quanto mais se tem.
Ter, ao serviço do ser, eis a norma correcta. E o que é ser homem? E como se fazem homens os homens?
O discurso sobre a filosofia do desenvolvimento levou-nos, naturalmente, aos domínios da educação.
As relações que todos, com evidência, reconhecem íntimas entre desenvolvimento e ensino são frequentemente descritas no mesmo plano, como se de realidades de igual valor se tratasse: o desenvolvimento estimula o ensino, e este, por seu turno, favorece o desenvolvimento. Nesta disposição «desordenada», o ensino é tido como mero instrumento ao serviço da produtividade: vale, em si mesmo, na medida em que é factor de crescimento económico. Ora, se é certo que o ensino tem alto valor económico - e pena é que só tarde o tenhamos descoberto -, certo é também que ele não vale essencialmente por isto: o valor fundamental do serviço do ensino económico é um