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2074 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103

ração do desenvolvimento, de uma mudança para melhor, no plano económico e no social, aguçada pela proximidade e pela atracção dos países evoluídos do Centro da Europa e da América do Norte.

Haverá acaso quem consiga ignorar os fermentos que fundamente (penetram e agitam a sociedade portuguesa de hoje? Não será a via das reformas prudentes, que não quer dizer tímidas, trilhada também no campo político e jurídico-constitucional, que permitirá salvaguardar as mais lídimas qualidades nacionais, face às possíveis convulsões do nascimento de um mundo novo a que assistimos?

Quanto a mim, não cabe um momento de hesitação: é preciso rever o texto constitucional. E vou mesmo mais longe: é este o momento oportuno para proceder a tal revisão.

Com efeito, as modificações do quadro social do País a que acabo de fazer alusão para justificar a revisão constitucional não surgiram de um dia para o outro, antes se foram processando ao longo das quatro décadas que a Constituição tem quase cumpridas, e anais aceleradamente de 1960 para cá. Mas o momento para pôr em questão soluções tidas por assentes e atender aos anseios de mudança que entre nós

Sem rejeitar em absoluto e sistematicamente o passado recente, impõe-se a quem hoje governa a ingente tarefa de modernizar métodos de actuação e ensaiar audaciosamente novos caminhos para a resolução dos problemas nacionais. Foi indubitavelmente com este intuito que o Chefe do Governo solicitou, ao assumir as suas funções, um "crédito de confiança"; e foi nessa base que o País o concedeu, como se pôde comprovar nas eleições legislativas que a todos nos trouxeram a esta Casa. Está, pois, em causa o compromisso que perante & Nação assumiram os que aderiram e aceitaram colaborar com Marcelo Caetano; jogam-se aqui as melhores esperanças de Portugal.

Temos, portanto, Sr. Presidente, de proceder a reformas em todos os âmbitos, sem esquecer o estritamente político. Por mim diria mesmo que este é até um dos pontos por onde há que principiar, pois julgo que nada se pode fazer para bem das sociedades sem o apoio decidido dos seus membros, livremente manifestado através dos mecanismos institucionais apropriados.

Se o longo período de estabilidade por que passou o País sob o governo de Salazar teve benefícios, também não se pode pretender desconhecer os custos que implicou. E o menor deles não foi com certeza & generalizada apatia, a indiferença dos cidadãos perante a vida pública, a incapacidade, ao menos aparente, para realizarem por si só os seus interesses e tomarem posições perante os da Nação. Ora, nada há mais perigoso do que um estado de coisas deste género, quando, como agora, o Mundo é novamente varrido pelas vagas de um radicalismo agressivo, propugnado por minorias activistas.

Daí que constitua, a meu ver, necessidade imperiosa politizar o País, no sentido mais nobre que .esta expressão comporta. É imprescindível atrair os cidadãos para as questões políticas, e para isso há que lhes garantir o esclarecimento carecido e as adequadas vias de participação.

Por outro lado, como o País não precisa, nem quer, envolver-se uma vez mais numa experiência de poder pessoal, temos de procurar garantir a genuinidade da institucionalização dos órgãos da soberania.

E nesta linha de participação e institucionalização que entendo dever levar-se a cabo a revisão constitucional.

Sr. Presidente: Perante a magnitude dos trabalhos que o País neste momento enfrenta, perante o desafio que para nós representam o desenvolvimento de territórios espalhados por vários continentes e a promoção de populações de tantas raças, perante o apelo da integração europeia, perante as operações militares que desde há dez anos mobilizam o melhor dos nossos recursos e energias - face a tudo isto, entendo que é de primeira prioridade assegurar a participação de todos os cidadãos, cada um de acordo com as suas circunstâncias próprias, nas opções a fazer e nas tarefas colectivas a realizar.

E porque confio antes de mais no homem, no cidadão, para a solução dos problemas do País, não se estranhará que coloque em primeiro lugar, ao tratar da reforma da Constituição, o tema das liberdades e garantias individuais.

Não se pode dizer que haja verdadeiramente ordem na vida colectiva se não estiver salvaguardada em termos estritos a situação dos cidadãos perante o Poder. A primeira realidade política é o homem. E, embora a pessoa humana seja um ser necessariamente social, sujeito de relações, e portanto de direitos e deveres, com os vários corpos sociais, perante o poder político ela surge como um valor em si, possuidora de fins próprios que devem ser respeitados.

Já a Revolução Francesa, no seguimento directo dos movimentos que levaram à independência e formação dos Estados Unidos, proclamou, na sua forma moderna, os
direitos dos cidadãos. E que não se tratava de exigência declamatória da ideologia individualista que a embebia demonstra-o o revigoramento que a temática dos direitos humanos experimenta nos nossos dias. As violências que têm ocorrido e ainda hoje ocorrem nas regiões do Mundo onde os direitos dos particulares estão em absoluto supeditados aos interesses de uma entidade colectiva, seja ela a classe ou a Nação, impõem o reconhecimento e garantia de uma esfera de liberdade da pessoa que traduza a sua eminente dignidade e delimite a acção do Poder.

Da declaração de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses contida no artigo 8.º da Constituição que entre nós vigora - herdeira do tom liberal de anteriores declarações de direitos, designadamente da contida no artigo 3.º da Constituição republicana de 1911 - não se pode dizer com justiça que apresente muitas lacunas. Alguma coisa há, no entanto, a acrescentar, como seja o direito de emigrar, o direito à informação livre e verídica e a garantia de defesa face à aplicação de medidas de segurança e de recurso contencioso dos actos da Administração lesivos dos direitos dos particulares.

Mais importante é, porém, a supressão de certas restrições contidas no nosso texto constitucional, que praticamente privam de conteúdo efectivo a margem de liberdade e segurança de que os cidadãos hão-de dispor em matérias de tão transcendente importância como a expressão de pensamento, a reunião e associação, a inviolabilidade de domicílio e o sigilo da correspondência. E a experiência até aqui havida quanto a estas matérias e quanto a certos institutos do processo criminal, designadamente a prisão preventiva, que se traduz na desvirtuação das garantias da liberdade individual, aconselha vivamente a que se vá um pouco mais longe na regulamentação dessas garantias no próprio texto constitucional. Assim se fará participar da especial dignidade e da força injuntiva deste o reforço que, em meu entender, convém dar-lhes.

E facto, e a ele já fiz até alusão, que não falta, neste conturbado momento histórico que atravessamos, quem esteja disposto a servir-se da liberdade para a destruir. Na esteira das doutrinas de Hegel, os totalitarismos de diversa orientação procuram erradicar o que consideram