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10 DE DEZEMBRO DE 1971 2849

— e isso ninguém nos pode negar nem criticar — de dizer à juventude: o caminho é por aqui!

Agora em Moçambique, como ontem na Guiné, em Angola e S. Tomé e Príncipe, vou refazendo hoje os caminhos da África. Da fortaleza portentosa de S. Sebastião à esmagadora Cabora Bassa, da ilha coralina do Ibo à atraente Ponta do Ouro; de Cabinda à baía dos Tigres; de Benguela a Vila Luso; na velha Bolama ou na moderna Bissau; no folclore declamatório de S. Tomé, em tudo, de quadrante a quadrante, há uma permanente lição de ousadia, de persistência, de espírito realizador que define e consagra um povo. O caminho é por aqui: mais, cada vez mais, com o santo orgulho de uma obra realizada em séculos — o devemos afirmar ao Mundo.

Abrangendo com o novo Secretariado todas as organizações juvenis, mantendo como movimento voluntário da juventude, de feição espiritual e patriótica, a Mocidade Portuguesa, o Governo soube encarar o problema que se lhe punha — de perder ou de ganhar a juventude. Esperemos que, da letra à forma, das intenções à acção, se não perca o louvável propósito de fazer da juventude o Portugal a haver.

Vozes: — Muito bem.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: — Não merece a pena relatar os factos. A Assembleia Nacional e o País conhecem, menos bem do que deviam se houvesse liberdade de imprensa, o que sucedeu e sucede nos hospitais centrais: a falta colectiva ao teste que finaliza o 2.° ano do internato, a demissão imediata dos médicos que faltaram e, acto contínuo, o impedimento de entrarem nos serviços hospitalares, a «abstenção burocrático-administrativa», por solidariedade, dos internos dos outros anos, os plenos poderes concedidos ao 'Ministro da Saúde pelo Conselho de Ministros, a ocupação das direcções dos hospitais por médicos do Exército, a comunicação televisada do Ministro das Corporações e da Saúde, a cessação voluntária das funções de bastonário da Ordem dos Médicos, como protesto contra as determinações do Governo, que reputou exorbitantes.

Os reflexos que tudo isto tem, teve e virá a ter dentro e fora das fronteiras são incalculáveis e deprimentes, principalmente lembrando-nos que podiam ter sido reduzidas a dimensões proporcionadas ás causas que as originaram. Mas, como não sucedeu assim, o mal propagou-se em ondas concêntricas, chegando algumas pessoas a recear uma revolta tenebrosa, pondo em perigo a ordem e o sossego públicos.

Vistas as coisas de perto, parecem afinal ser a consequência directa de um facto banal da vida hospitalar, de que os internos do 2.º ano, os internos faltosos, tivessem a responsabilidade. Mas, olhados os acontecimentos de um ponto de vista elevado, direi histórico-sócio-médico, a realidade aparece com um aspecto complexo, mas mais verdadeiro.

No caso presente, mais uma vez se aplica o prolóquio: «As árvores não deixam ver a floresta.» Considerou-se sómente o facto empírico, imediato, aquilo que saltava aos olhos, e tomou-se como causa dos acontecimentos, culpando os internos de tudo isso. Sem querer de maneira nenhuma irresponsabilizá-los, peço licença de ponderar à Assembleia e aonde chegue a minha voz que a «insubordinação» — tal como diz e é a palavra empregue pelo despacho — dos médicos internos é tão-só a manifestação, o sintoma ou o produto de uma longa acumulação de acontecimentos que a falta ao teste fez simplesmente deflagrar.

Para me cingir ao essencial, porque a história circunstanciada será feita num aviso prévio, que conto apresentar, subordinado ao título «Os hospitais, os médicos e a política de saúde», para me cingir ao essencial, dizia, menciono os factos seguintes:

Em 1958, no IV Congresso das Misericórdias, realizado em Lisboa, designaram-se certeiramente as insuficiências e a desordem de que enfermava a prática médica entre nós.

Em 1959, o Conselho Regional da Ordem dos Médicos de Lisboa publicou uma análise crítica dos serviços médicos, apontando ao mesmo tempo as soluções.

Em 1961, a mesma Ordem dos Médicos publicou um volume, o Relatório das Carreiras Médicas, que o Ministro da Saúde de então, Dr. Martins de Carvalho., capitulou de «documento ímpar na história da nossa administração». «Representa», continua o antigo Ministro, «a maior contribuição que até hoje, que eu saiba, alguma profissão deu ao Governo para a resolução dos seus problemas.»

A partir daí o documento ficou como que um marco na história da saúde, da assistência e da previdência social. Algumas das medidas foram adoptadas incompletamente, é certo, pelo Ministro Neto de Carvalho.

Colóquios, mesas-redondas, conferências, reuniões, artigos, entrevistas, documentos de vária índole, conversas e trocas de impressões com os Poderes Públicos ou com os seus representantes assinalaram o encontro — e tantas vezes o desencontro — entre a opinião dos médicos e a dos governantes. Mas sempre se indicaram claramente, e por vezes com vigor, as causas do péssimo funcionamento dos hospitais e, de uma maneira geral, da saúde.

Pouquíssimo se realizou neste extenso lapso de tempo, e, pela força das coisas, a assistência foi baixando relativamente ao número dos doentes e à gravidade das doenças.

Este ambiente pesado e sufocado vivemo-lo nos hospitais, quotidianamente, há décadas. Os médicos mais idosos aguentam-no, mas cheios de trabalhos e desilusões, mas sem se conformarem. Porém, os novos, que vêem a estrada da vida desenrolar-se na sua frente, que conhecem a medicina praticada por esse mundo, a qual, comparada com a que são obrigados a exercer, lhes parece um paraíso inatingível, sofrem um sentimento de desilusão de que se alimenta o mal-estar e o protesto. Vêem um doente em qualquer parte civilizada ser tratado como deve, e aqui ser tratado com meios imperfeitos e mesquinhos. Observam todos os dias doentes que precisam de internamento e não se internam pela falta crónica de camas vagas; necessitam de enfermeiros, técnicos, auxiliareis, análises, radiografias, tratamentos especializados, enfermarias de convalescentes, enfermarias de crónicos, etc., e contemplam impotentes um panorama pungente e, tantas vezes, degradante para a dignidade humana. Visite-se essa espécie de campo de concentração, repito, visite-se essa espécie de campo de concentração que é o banco do Hospital de S. José! Veja-se o que lá se passa; observem-se as enfermarias e as consultas e responda-se se a mera falta a um mero teste justifica as providências draconianas que se abateram sobre trezentos médicos, excluindo-os dos hospitais.

O Sr. Cunha Araújo: — V. Ex.a dá-me licença?

O Orador: — Tenha a bondade.

O Sr. Cunha Araújo: — Era apenas para me referir a um aspecto das suas considerações.

V. Ex.a, dadas as qualidades, por todos nós reconhecidas, do seu carácter, está convencido de que foi real