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10 DE DEZEMBRO DE 1971 2851

O Sr. Salazar Leite: — Permito-me discordar . . .

O Orador: — Isso é com V. Ex.a

Risos.

O Orador: — Os próprios médicos do banco —tenha a bondade V. Ex.ª de permitir mais este esclarecimento —, que são pessoas de alta categoria, por mais de uma vez têm denunciado as condições miseráveis em que trabalham. E não só denunciado, mas pedido medidas reformadoras.

O Sr. Salazar Leite: — Se me permite fazer uma pequena intervenção, direi que exactamente a mesma atitude tínhamos nós, e isso não implicava, de modo algum, que não cumpríssemos a nossa obrigação de médicos perante a sociedade, portanto, perante a Nação.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — V. Ex.ª está a introduzir aí um problema de carácter político, que estou disposto a discutir. Estou disposto a discuti-lo, o que não me atrapalha absolutamente nada!

Mas, mais uma vez, Sr. Presidente, estou a esgotar o meu tempo e peço a V. Ex.ª que me permita continuar a intervenção.

Se V. Ex.a o permite, eu continuo; se não, eu termino, sem deixar de notar que ainda é bastante o que tenho para dizer.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado: V. Ex.a põe uma questão que é muito delicada. V. Ex.a sabe as limitações de tempo. A Mesa tem o máximo desejo de dar a V. Ex.ª, assim como a qualquer Sr. Deputado, todas as oportunidades para defender as suas ideias. Simplesmente, não me parece que seja necessário, nem conveniente, criar as condições de se poder dizer algures que a V. Ex.ª não foi dada a liberdade de se exprimir, porque V. Ex.ª não soube conter-se dentro do tempo que lhe devia caber.

Confio no talento de V. Ex.ª para, dentro deste tempo, saber expor os seus pontos de vista.

O Orador: — Sr. Presidente: Agradeço muito a V. Ex.ª o esclarecimento, mas a verdade é que determinados assuntos são de tal maneira complexos e vastos que não é fácil, mesmo que eu fosse um génio, concentrá-los em pouco tempo, sobretudo para os fazer compreender ás pessoas que não estão dentro do assunto aqui e principalmente pelo País fora, que espero venham a ter conhecimento desta discussão, porque o assunto interessa a todos.

Como tenciono fazer um aviso prévio sobre os hospitais, os médicos e a política da saúde, se V. Ex.ª estiver de acordo, vou continuar a minha exposição até ao fim.

O Sr. Presidente: — Só gostava que V. Ex.ª me explicasse quando é que pede o meu acordo: se é para exceder hoje o tempo regimental ou se é para se desenvolver à sua vontade no decurso desse aviso prévio.

O Sr. Miller Guerra: —E para desenvolver à minha vontade o aviso prévio.

O Sr. Presidente: — Então tenha V. Ex.ª a bondade de continuar. Sabe qual é o tempo que eu lhe posso conceder, e farei o possível, se a Assembleia não discordar, para lhe conceder uma pequenina tolerância, mas V. Ex.ª sabe que não pode ser grande . . .

O Sr. Miller Guerra: — Muito obrigado, Sr. Presidente. Se me dá licença, eu vou continuar, porque ainda é provável que me interrompam mais vezes.

O Sr. Presidente: — As interrupções serão as que V. Ex.ª consentir.

O Sr. Miller Guerra: — Continuando . . .

É claro que não desculpo os internos, porque entre eles há quem não cumpra os seus deveres.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Mas lançar sobre uma profissão o opróbrio da incúria é inverter a ordem lógica e cronológica dos acontecimentos, tomando o efeito pela causa.

Que cada qual suporte as suas responsabilidades —• os médicos não enjeitam as que lhes cabem, mas é preciso que os outros não enjeitem ás deles.

Da análise deste momento crítico hospitalar e institucional tiro as seguintes ilações:

1.° A desorganização dos hospitais vem de longa data, piorando gradualmente e atingindo o ponto culminante há dois ou três anos.

2.° Os principais desconcertos são os seguintes:

a) Ausência de previsão e planeamento;

b) Anacronismo da orgânica administrativa;

c) Equipamento técnico insuficiente e antigo, e o que há, mal aproveitado;

d) Aumento de doentes, particularmente com doenças agudas e graves provenientes de traumatismos, acidentes de viação e outros;

e) Aumento dos doentes idosos e crónicos;

f) Aumento considerável do consumo médico;

g) Falta de enfermeiras e de pessoal técnico;

h) Incerteza e irregularidade das carreiras hospitalares;

i) Repartição do tempo de trabalho dos médicos pelos hospitais, caixas de previdência, casas de saúde, companhias, empresas, associações e tutti quanti, além dos consultórios e da clínica domiciliária.

Estas e outras, que não cito, são as causas verdadeiras, remotas e próximas do mal-estar dos serviços hospitalares, assinaladas pelos médicos desde 1958, pelo menos.

Esquecer tudo isto voluntária ou involuntàriamente, assacando a principal responsabilidade aos médicos pela anarquia que reina nos hospitais e, ainda pior, pela pavorosa crise que atravessam, é ignorância ou demagogia.

Não quero fazer figura de crítico pessimista a quem as pessoas que nunca entraram num hospital podem chamar crítico demolidor.

Durante estes dias de intranquilidade e angústia, tenho ouvido perguntar: e agora, o que vamos fazer?

Respondo: aproveitar a crise, utilizar as forças que o tempo e a fortuna desencadearam, lançar mãos à obra com novo espírito, entusiasmo e, sobretudo, cuidando mais de atingir a raiz das coisas do que modificar pormenores ou retocar fachadas. Fazer, em suma, uma reforma essencial em proveito dos portugueses que sofrem silenciosa e injustamente em bichas infindáveis à porta das consultas dos hospitais e dos postos da Previdência.

O Sr. Sá Carneiro: — Muito bem!

O Orador: — Quando os males atingem a grandeza que atingiram os dos serviços médicos, a crise é redentora,