2856 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 142
A mobilidade das tropas e a sua capacidade ofensiva; a protecção assegurada ás populações e aos seus chefes tradicionais nas zonas fronteiriças, à qual vai em algumas regiões até à autodefesa, contra as represálias, as infiltrações e os agentes dos inimigos; a informação suficientemente extensa e antecipada, das actividades e presença, de grupos terroristas — o agrupamento das famílias isoladas no mato, em pequenas povoações estruturadas como base indispensável da formação civilizadora, a justiça nas relações e na salvaguarda dos direitos dos autóctones —, eis aspectos fundamentais da componente militar na luta contra a subversão terrorista.
Sr. Presidente: Diz-se por vezes que nestas visitas oficiais há o risco de ver-se fachadas, e não interiores, nos problemas e na vida colectiva.
Tive a preocupação de perscrutar aspectos negativos, de esclarecer dúvidas, de contactar com elementos extra-oficiais, forças vivas e pequenos agrupamentos populacionais.
Aspectos negativos e insuficiências encontrei-os, sem dúvida, como em toda a parte.
Situada a maior distância da metrópole e da Europa que a nossa África ocidental, debruçada inicialmente sobre o seu litoral, Moçambique procura compensar certo atraso na exploração das suas potencialidades do interior e das suas vias de comunicação. Preocupa-se com a insuficiente amplitude observada ainda na luta sanitária contra as carências alimentares, o paludismo ou a tuberculose, com a insuficiente coordenação das suas actividades, os insuficientes salários em que se apoia a sobrevivência de algumas actividades débeis e com os problemas relacionados com as transferências monetárias para a metrópole, agora orientadas logicamente para soluções adentro da autonomia provincial, com os atrasados, a caminho de uma generosa liquidação. E é de dizê-lo: o começo do terrorismo marca uma baliza no progresso de muitas regiões e actividades, aspecto impressionante do desafio moçambicano à agressão terrorista.
Nas dezenas de dialectos e línguas tradicionais autóctones de estrutura simples, mas separados uns dos outros por vocabulário muito diferente, encontra Moçambique a maior dificuldade na unidade e expansão da língua nacional. Dificuldade esta comum à Frelimo, que, debatendo-se entre os vários dialectos dos guerrilheiros, adoptou a língua portuguesa como oficial.
Numerosas escolas de monitores dos dois sexos estão formando professores de raça negra, que já se encontram pelos aldeamentos e junto das populações periféricas.
As missões, de um modo geral, têm dado grande apoio e colaboração neste sector. Não esqueço a emoção com que ouvi na escola de monitores de Porto Amélia mais de uma centena de alunos finalistas cantarem o Hino Nacional.
Tem Moçambique dificuldades comuns a todos os países africanos na promoção do autóctone, disperso pelos grandes espaços do interior, vivendo um preguiçoso dia-a-dia, de necessidades e alimentação simplificadas por um solo fertilíssimo.
A revolução de mentalidade e costumes que o vai trazendo à vida comunitária civilizada, por ser profunda, tem de ser longa e persistente.
Miguel Marupa, interessante figura de português regressado livremente das fileiras terroristas, confirmou-me, no plano das realidades, a validez prática dos resultados civilizadores do nosso luso-tropicalismo plurirracial, ao lado das duas outras experiências africanas: a do appartheid e a dos países de raça negra feitos independentes. Três experiências que, lado a lado, têm direitos de cidade como solução interna dos respectivos países, no caminho do progresso e da promoção do continente africano.
Não pude trazer ideia precisa do volume da meritória obra missionária da igreja de Moçambique, a mais antiga da África Austral, mas permita-se-me que refira aspectos que conheci da actividade da congregação madeirense das Irmãs de Nossa Senhora das Vitórias, que, pela mão do cardeal D. Teodósio, chegou a Moçambique em 1938. 172 irmãs, entre as quais mais de duas dezenas de irmãs autóctones, equipam 20 instituições de evangelização, ensino, assistência social e enfermagem. Se disser, em breve apontamento, que 86 000 adultos e crianças doentes foram assistidos em 1970 por elas, entre os quais 862 leprosos; que as irmãs equipam hospitais como os da Beira e Vila Pery, catequisaram no mesmo ano 11 000 almas, estavam ensinando a ler 7000 crianças e que têm em Moçambique 1 noviciado e 13 missões de actividade polivalente — numa dais quais, em Quelimane, pude comovidamente observar a grandeza de um apostolado dirigido a corpos e almas —, se isto disser, resumo apenas pàlidamente todo o esforço das religiosas, cuja congregação nasceu e se desenvolveu no arquipélago por onde fui eleito.
Elas dão exemplo de um coerente apostolado evangelizador de duplo aspecto espiritual e humano, verticalista e horizontalista. Que o apostolado missionário não obriga a compromissos à direita ou à esquerda na Jugoslávia ou na Hungria como em Moçambique ... A inquietação pela promoção social acelerada, pela correcção de erros, deve ser comum a todos na África portuguesa, como deve sê-lo a expansão da língua e a fidelidade à Pátria.
Louvado Deus que encontrei por lá estes sentimentos e estas ideias.
Mas na sua concretização e realização, como testemunho prático que delas se der, está o mérito de cada um.
Sr. Presidente: Não prolongarei mais esta breve evocação de Moçambique — que algumas horas não bastariam para resumir tudo o que ali vi, aprendi e pensei. Moçambique, como Angola, como a Guiné representam um desafio do nosso lusotropicalismo plurirracial ao racismo negro, como à separação das raças.
É neste estilo a segunda experiência válida da nossa história, e teve como primeiro ensaio o Brasil.
E é também um esforço ingente — pleno de amor humano — em prol do nosso terceiro mundo, o do português autóctone dos nossos espaços ultramarinos que vamos trazendo para a civilização.
Se foi dito que no nosso tempo o novo nome da paz é desenvolvimento, está este pobre País que é Portugal esforçadamente a trabalhar como poucos pela paz no Mundo.
Estas verdades — comezinhas para os Portugueses — pouco as conhece o estrangeiro.
Faltou-nos sempre nesta luta uma terceira frente militante, que, ao lado da nossa diplomacia e dos que lutam e constroem no ultramar, obsessivamente grite a nossa verdade pelo Mundo fora.
E esta missão imperiosa de todas as representações e núcleos portugueses no estrangeiro, de quantos afinal, ponham pé para lá da fronteira.
É tempo de desenvolver esta terceira frente, ao serviço da guerra e da paz no ultramar.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Júlio Evangelista: — Sr. Presidente: Nesta maré hospitalar não se estranhará que também eu venha hoje falar de um hospital.
Efectivamente, pedi a palavra há muito tempo para falar nesta Assembleia do problema do Hospital de Viana