2864 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142
Mas, olhando para o inquérito às explorações agrícolas do continente realizado no ano de 1968, temos, infelizmente, de aceitar que 43 por cento dos empresários agrícolas são analfabetos; 30 por cento dos responsáveis por explorações de mais de 20 ha apenas sabem ler e escrever; 25 por cento dos responsáveis pela direcção de explorações têm a sua principal ocupação fora da agricultura; em 20 por cento das explorações de tipo familiar os chefes de família não as trabalham, e, finalmente, que no total das explorações 45 por cento são dirigidas por indivíduos de mais de 55 anos, o que é tanto mais grave, quanto é certo que esta situação se observa preferentemente naquelas com dimensão superior a 20 ha.
Se esta situação não bastasse para ser por si só alarmante, acrescentar-se-ia que 37 por cento do total das explorações são trabalhadas em sistema de arrendamento misto (arrendamento e conta própria).
Se relacionarmos o que acabamos de referir com a caracterização das áreas onde se encontram implantadas as explorações objecto do inquérito e o seu grau de parcelamento, teremos um panorama quase completo, e assaz desagradável, do pano de fundo em que se situa o sector agrário.
E tudo se torna mais negro se tivermos em conta a necessidade insatisfeita de empresários agrícolas, indispensáveis para fazer face ao desenvolvimento económico em que estamos empenhados na promissora agricultura das províncias ultramarinas.
Se tivermos de juntar a esta situação, já de si tão grave, os problemas por vezes angustiantes que resultam do êxodo rural, quer para o estrangeiro, quer para os nossos grandes centros urbanos, podemos verificar de quanto as reacções desencadeadas complicam as soluções dos problemas da nossa agricultura.
Por outro lado, o acréscimo das disponibilidades monetárias, resultantes da subida vertiginosa dos salários e das vultosas somas enviadas pelos emigrantes, levou a maiores consumos e a menores produções, por desvio da actividade do grande sector da produção agrícola familiar, situado precisamente na zona do minifúndio, a que corresponde a grande mancha da agricultura de subsistência, que abrange 78 por cento do total das explorações do continente, e que foi, na verdade, a que mais sofreu com o êxodo da população rural. Ocasionou-se, assim, um desfasamento rápido entre a produção e o consumo, com as desagradáveis consequências inflacionistas.
Se juntarmos, por um lado, ao que deixamos dito a falta de movimentos de integração que pudessem orientar aspectos fundamentais contidos no sector agrário e, por outro, a compartimentação sectorial a nível da Administração, não só das políticas da produção e dos preços, como da sua regulação, temos já quase completos os elementos necessários ao jogo de quebra-cabeças em que hoje se situa a agricultura deste rincão metropolitano.
A política agrícola que a proposta contempla assenta fundamentalmente em:
Primeiro, na necessidade de promover uma reestruturação fundiária, baseada em futuras facilidades de acesso à propriedade rústica por jovens empresários qualificados, mas tendo já esta propriedade uma conveniente dimensão económica, o que aliás está, conste, por definir;
Segundo, na promoção de um associativismo agrícola, do qual os modelos, por assim dizer escolhidos, são o cooperativismo e a agricultura de grupo.
Pelo que respeita ao cooperativismo, diga-se, de passagem, que há muito o perseguimos, sem, contudo, termos conseguido dinamizá-lo, entre outras razões, pelas causas atrás apontadas; e no que se refere à agricultura de grupo,
pensamos que, também aqui, as forças de inércia das nossas estruturas o irão dificultar grande mente.
Contudo, por razões que se filiam nas exigências de um ajustamento rápido e conveniente das estruturas fundiárias e da possibilidade de acesso à propriedade rústica, e de harmonia com a orientação que se preconiza na proposta, e ainda por outras necessidades que não cabe referir, afigura-se-nos, a nós profanos, que haverá que completar o direito agrário português com conceitos expressos que melhor sirvam ao fim em vista.
E evidente que necessitamos, aliás como se contempla, die aperfeiçoamento das técnicas de produção; de uma boa formação profissional e de gestão, não se fugindo mesmo na proposta à tentação de considerar que a falta de dinamização da economia do sector se deve à insuficiente acção dos serviços oficiais que cuidam da assistência técnica aos agricultores.
A todo um conceito de base que repousa no ritmo e capacidade de produção, junta-se, como não pode deixar de ser, a procura das soluções tidas por mais eficientes através da criação de infra-estruturas, tais como as do abate, as de conservação, as do transporte e as da comercialização dos produtos agrícolas. Através destas soluções julga-se conseguir a intensificação das produções pecuárias, horto-industriais, hortícolas, cerealícolas, frutícolas e florestais, tudo assente num ordenamento do território.
Embora aceitemos como metas a atingir as definições e os propósitos apresentados, havemos de convir que mais nos parecem um plano esboçado a médio ou a longo prazos, aliás não destituído de interesse, do que um programa concreto a cumprir no próximo ano.
É, sem sombra de dúvida, exagerado pedir a um sector produtivo como a agricultura, comprimido como está entre as fortes pressões do aumento dos custos dos factores de produção e o imobilismo dos preços dos produtos, que lhe impõe, entre outras, a luta contra a inflação, que acompanhe o ritmo de crescimento global dais indústrias e dos serviços, mesmo que se lhes dêem fortes e substanciais ajudas.
Não podemos, assim, admitir que aqueles que têm uma regular cultura nestes assuntos possam pensar que bastará melhorar as técnicas de produção para que a rendibilidade acrescentada seja por si só suficiente para absorver os aumentos dos custos de produção, como também ficará longe da realidade pressupor-se que a fraca resposta da agricultura se pode assacar neste momento à deficiente estrutura dos serviços que lhe dão apoio técnico.
De facto, para que estes sejam plenamente eficientes, e independentemente das suas estruturas, terão forçosamente de processar-se entre dois pólos. Um será a existência de um dispositivo de regulação das produções, dos mercados e dos produtos, por forma a tomar a produção aliciante; outro será representado pela preparação de base, da pirâmide humana envolvida na agricultura, desde o operário ao empresário, que entenda, aceite e como tal adira aos esquemas que os serviços lhes possam pôr à disposição ou tenham por mais convenientes.
Pelas razões expostas seria talvez preferível ordenar de outra forma a política sectorial da proposta, colocando na cúpula a promoção cultural e social, não diremos só do empresário agrícola, mas do homem agrário, fulcro de toda a actividade e razão de ser da actual política do Chefe do Governo e do seu conceito de Estado Social, para seguidamente e quiçá em paralelo se considerar a reestruturação da empresa agrária, colocando-a já no contexto das actividades produtivas da Nação.
O homem e a empresa destinam-se à produção e à satisfação das necessidades da colectividade, razão por que