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11 DE DEZEMBRO DE 1971 2911

porém, não se lhe abriam fàcilmente: para o internato geral, havia de passar por um concurso que tinha as suas exigências e, se obtivesse alguma das poucas vagas previstas, quando, no termo, desejasse continuar a preparação por ingresso no internato complementar, havia de submeter-se a novas provas, estas com rigor de selecção ainda maior e dirigidas a um número de lugares que, por seu turno, era também mais reduzido. Para a grande maioria dos que passavam pelos hospitais, a vida hospitalar extinguia-se, pois, no internato geral; quando se ia mais longe, parava no fim do internato complementar. Carreira — se é que se pode considerar-se tê-la havido nesse tempo começava apenas pelo ingresso no quadro permanente. Era-se convidado a apresentar-se a um rigoroso concurso, aliás cheio de contingências de vária ordem, e entoava-se para assistente; a partir daí, a vida profissional hospitalar continuava, por acessos feitos com base num critério de antiguidade.

Rodeava-se de enorme prestígio o exercício de funções no quadro permanente — dentro e fora do hospital. Sabia-se que só muito poucos o alcançavam, de modo que os respectivos títulos conceituavam o médico na opinião pública, compensando-o, no exercício da clínica livre, da escassez de remuneração que lhe correspondia pelo cargo hospitalar. Posição, portanto, destacada, o prestígio da situação e a inacessibilidade que a caracterizava cumularam-se em círculo, tornando-a muito dificilmente franqueável ao médico comum.

Importa, principalmente, reter que, em rigor, só existia carreira a partir do ingresso no quadro permanente; o internato aparecia desligado dessa nova fase; não tinha, pròpriamente, a natureza de um primeiro período de exercício profissional, já no seio de uma carreira integrada que oferecesse perspectivas de normal continuidade. Revestia, sim, o carácter de um simples estágio, aliás em muitos casos limitado à preparação básica do internato geral; por isso mesmo não era considerado função e atribuíam-se-lhe gratificações meramente simbólicas, criadas porventura para que se não deixasse por completo de atender a que, na sua frequência, embora sem se ser ainda profissional, já também se não era apenas estudante.

3. A vida não se compadece com sistemas imobilizados, e o modelo atrás referido iria confrontar-se com novos condicionalismos, de que se salientam as alterações estruturais do exercício da profissão médica, a evolução do recurso ao hospital e as mutações ocorridas no teor da preparação profissional, que passou a reclamar-se para adaptação a estádios cada vez mais avançados da ciência e das técnicas médicas — factores que, entretanto, entre si, mutuamente se influenciam e promovem.

Algum desenvolvimento da actuação de serviços públicos de saúde, a maior procura do hospital e, acima de tudo, a promoção da medicina organizada (com grupos populacionais cada vez mais vastos abrangidos pelos esquemas médico-sociais da Previdência) vieram condicionar as perspectivas da clínica livre e o médico passou a desejar o cargo de hospital como meio de completar o exercício da profissão na Previdência, na assistência, no âmbito da saúde pública ou, em geral, na medicina por conta de outrem. A Universidade começou, entretanto, a ser frequentada por elementos mais largamente provindos de diferentes estratos económico-sociais, aspecto que podia trazer a cada caso particular condicionamentos especiais, que se aditavam a certa rarefacção da clientela, no quadro de dificuldades que se levantavam ao jovem médico. Pode, mesmo, dizer-se que as actividades médicas passaram a desenvolver-se, centralmente, nos serviços públicos, nos hospitais, nos quadros da medicina organizada; e, assim, do mesmo modo que no antigo contexto a óptica por que encarava o exercício médico era a que conduzia à definição de um estatuto para a profissão liberal, hoje a tutela desejada passou a ter de considerar também a segurança de um destino profissional, à luz dos novos enquadramentos.

Entretanto, perdeu-se o medo ao hospital, e daí chegou-se até ao ponto de só nele se encontrarem, para vários casos, recursos instrumentais para conveniente diagnóstico e tratamento. Aumentou, pois, a densidade da população que recorre aos serviços hospitalares — designadamente a partir dos acordos celebrados com a Previdência —, o que tornava evidente a necessidade de alargamento do pessoal hospitalar, em especial dos médicos.

Por fim, a acção médica postula, agora, especialização crescente, que não dispensa uma frequência intensiva do hospital, e mesmo a clínica geral exige uma cuidada preparação hospitalar básica, desenvolvida depois por meio de aperfeiçoamento pós-graduação, obtido em cursos especialmente programados de acordo com o sector para que se oriente a sua aplicação.

Quando sofrem o impacto de factores novos, os sistemas consolidados, durante um período, defendem-se; só depois se lhes adaptam ou aceitam reestruturações adequadas. Assim sucedeu, por diversas formas, quanto às funções médicas hospitalares, do que podem ver-se exemplos nítidos na criação do «internato intermediário» e no estabelecimento da categoria de «graduado» na sua primitiva modalidade.

O internato intermediário era um período cujo ensino não diferia essencialmente do do internato geral, que ele apenas prolongava por mais algum tempo; no entanto, durante este novo internato o interno podia frequentar serviços de especialidades, assim se proporcionando um mínimo de contacto com a especialização àqueles a quem se não abria o internato complementar. Tratava-se, pois, de uma solução de recurso, que mantinha restrições anteriores, adiando a medida fundamental, que seria uma perspectiva renovada da função do internato, em consonância com as realidades da época.

O «graduado», por seu turno, foi introduzido no conjunto das funções hospitalares como figura híbrida: cometiam-se-lhe funções de quadro permanente — semelhantes às do assistente —, mas conferia-se-lhe estatuto de elemento provisório, sem os direitos e privilégios que continuavam reservados para os médicos dos quadros permanentes. A existência, posterior, de graduados vitalícios não anula este ponto de vista, antes o confirma, e aliás constituiu uma solução ocasional aplicada apenas a certo número de «graduados» e, portanto, sem carácter generalizado.

As necessidades de pessoal médico no hospital encontravam, pois, resposta, não em alargamento dos quadros, mas na admissão de elementos considerados excedentários, que,, no entanto, se tornaram cada vez mais imprescindíveis ao funcionamento dos serviços. Pondere-se, ainda, que o interno deixou de ser, para o hospital, um estudante, convertendo-se, muita vez, em factor relevante da vida hospitalar, o que não poderia deixar de ser atendido na definição de qualquer estatuto do internato.

4. De toda esta conjuntura, com que se chega à década de sessenta — simultâneamente de persistência de moldes antigos e de insinuação de elementos novos no sistema que, porém, sobrevivia sem reelaboração —, dá nota o Relatório das Carreiras Médicas, que a Ordem idos Médicos publicou em 1961. As «carreiras» eram, aliás, objecto de um «movimento» — como apropriadamente