16 DE NOVEMBRO DE 1972 3879
Sr. Presidente: Não seriam certamente necessárias mais palavras sobre o passamento do nosso malogrado colega Dr. Melo e Castro do que aquelas que V; Ex.ª acaba de proferir com tão sincera e tão dolorosa comoção.
Sr. Presidente: Não eram necessárias mais palavras, mas seria para mim um pesar, seria para mim doloroso, para a minha consciência e para o meu coração, o guardar silêncio neste momento. Seria faltar a um dever de justiça e à amizade, que durante tantos anos me ligou ao Dr. Melo e Castro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: recordo agora aquele dia já longínquo em que, no meu gabinete do Supremo Tribunal Administrativo, recebi o Dr. Melo e Castro, acompanhado por um outro jovem, seu amigo e condiscípulo que me vinha expor os seus anseios, as suas inquietações, esclarecimentos sobre os rumos políticos a seguir e a solicitar o meu conselho. Esta atitude de pureza e de sinceridade daqueles espíritos juvenis e a confiança que em mim depositavam comoveram-me profundamente e estreitaram-se então entre mim e o Dr. Melo e Castro laços que depois se foram apertando pela vida fora e que só a morte pôde quebrar.
Sr. Presidente: o Dr. Melo e Castro não era um temperamento resignado e submisso. A sua mocidade veio de Coimbra marcada por irrequietudes próprias do seu temperamento ardente e ousado e foi necessário vencer algumas resistências e ponderações para lhe ser concedida a primeira candidatura a Deputado na Assembleia Nacional.
Sr. Presidente: Sustentei eu então, nesse momento, sustentei então e sustento ainda agora, que à mocidade é necessário dar-lhe em momento oportuno uma missão nobre a cumprir, um objectivo a atingir, um posto de combate pêlos seus ideais. Sem isso, a mocidade, abandonada a si própria e desamparada, resvalará na frustração, num criticismo venrinoso e que ri dos homens, das coisas e dos sistemas. Deputado à Assembleia Nacional, governador civil de Setúbal, Subsecretário de Estado da Assistência, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, presidente da comissão executiva da União Nacional, posto para o qual foi nomeado por mim, o Dr. Melo e Castro exemplificou, Sr. Presidente e meus Senhores, a grande riqueza humana do seu coração, o seu entendimento largo e generoso dos homens, das necessidades e das situações. E foi exactamente por isso, graças a essas qualidades, que ele mereceu ascender a primeiro vice-presidente desta Assembleia.
Sr. Presidente: Pode ser que vão nestas palavras alguns sentimentos de amizade, mas vai essencialmente o espírito de justiça, que, graças a Deus, nunca me faltou, nem mesmo entre o tumultuar ruim das paixões políticas. Vai ainda o dever, Sr. Presidente, de não deixar cair na indiferença, no olvido e no silêncio aqueles que combateram ao nosso lado e se sacrificaram pêlos mesmos ideais.
É com estas sóbrias palavras, Sr. Presidente, que eu quero aqui assinalar a morte do Dr. Melo e Castro. Peço perdão se elas não estão, se não pude erguer a minha voz, à altura da dignidade do assunto.
Sr. Presidente: Morreu o Dr. Melo e Castro numa idade em que se podia ainda esperar muito da sua experiência e conhecimento dos homens e dos problemas. A sua vida não foi longa, mas foi uma vida cheia.
Dele se pode dizer, como nós livros sagrados, que concentrou numa idade, num tempo relativamente escasso, muitos tempos.
Consummatus in brevi, explovit têmpora multa.
Sr. Presidente: Já que estou no uso da palavra, pedia ainda a V. Ex.ª para me inclinar um momento perante a figura do engenheiro Sebastião Ramirez. Fez comigo parte
do primeiro Governo do Doutor Salazar. Deste Governo participaram grandes figurais da política das obras Salazariana: o engenheiro Duarte Pacheco, na posta Aos Obrais Públicas; o Dr. Manuel Rodrigues, na pasta da Justiça; o Dr. Armindo Monteiro, na pasta das Colónias.
No meio desses vultos, que já constituem a história de uma época política o nosso legítimo orgulho, o engenheiro Sebastião Ramirez nem se apagou nem se diminuiu. Foi ele quem lançou as raízes de vários institutos, que ainda hoje subsistem, embora modificados pelas exigências das realidades do evoluir dos tempos.
Sr. Presidente: Quando vermos desaparecer da face da Terra aqueles que nos acompanharam numa longa jornadas da vida, nós dias resplandecentes de sol e nos ditas condicionas, que a vida também tem, sentimos que o nosso mundo se aduziu e ficou mais pobre; sentimos que os horizontes da vida se estreitam cada vez mais; sentimos que nos fogem todas as esperanças e já não temos objectivo na vida felizes ainda, se Deus nos conceder a graça de criar novas esperanças, de podermos reagir, e ao menos de conservarmos a nossa fé nos destinos imortais do homem.
Sr. Presidente: Eu não quero alargar mais estas considerações, mas quero dizei-la V. Ex.ª e à Câmara, que, se há um antídoto poderoso contra as provações e depressões desta hora, eu encontro-o exactamente no ambiente desta Sala, e que é ma solidariedade do dor que a todos nos une e mas homenagens que prestamos aos mossas montas, que ainda podemos encontra, como eu encontro, algum lenitivo e conforto.
Vozes:- Muito bem! Muito bem!
O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para evocar a figura de alguém, que foi grande nesta Cosa e que, como estadista dos mais brilhantes e fecundos da época heróica da Situação nascida do 28 de Maio, foi o criador de uma orgânica cujas traves mestras teimam em resistir à natural usura do tempo e à própria evolução sócio-económica e que, na altura, salvou e disciplinou tantas actividades, algumas tias quais bem próximo andavam do soçobro.
Falo de Sebastião Ramirez, sobre quem, por mandato dos Algarvios, deixo cair neste momento saudosas pétalas cujo perfume, melhor do que as palavras, simboliza a ternura, a admiração, a simpatia e o respeito pela memória do homem que nunca os desamparou nos seus legítimos anseios colectivos e oficiais e teve sempre uma palavra amiga ou uma intercessão em favor daqueles que se acolhiam à sua afável e patronal protecção.
Pude apreciar, ao jogo de vinte e muitos anos de convívio, a pureza do seu nobre carácter, a Lhaneza dos seus sentimentos, a lucidez da sua fértil inteligência, a bondade que ressonava da sua própria vida e a delicadeza de requintado anfitrião à mesa de quem se sentaram os mais salientes políticos deste País.
Figura de verdadeiro gentil-homem onde o político, o lavrador, o emérito conversador ou, simplesmente, o homem , se davam as mãos numa tal euritmia que o tornava um dos espíritos mais atraentes e curiosos que tenho conhecido.
O político, que, para além da sua obra, que se espraia poios domínios da economia, agricultura e diplomacia, da qual os historiadores não deixarão de ocupar-se, foi sempre um exemplo de coerência e dedicação aos princípios que o regiam o aos homens que os personificavam.
O lavrador actualizado, que fazia gala nas suas culturas, e nenhum dos seus amigos se furtava a acompanhá-lo no prazer que ele sentia em no-las mostrar, ao sabor do seus judiciosos comentários.