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22 DE FEVEREIRO DE 1973 4625

Entendeu-se que através dos bens, ou de certos bens, se pode captar melhor a intimidade da vida privada de outrem do que através da captação da própria imagem da pessoa. A imagem da pessoa pode não dizer nada, mas a imagem de certos bens (eu lembro, por exemplo, um armário de medicamentos, uma biblioteca), pode dizer muito acerca da vida privada de outrem. Por isso, na alínea c), tal como já, aliás, constava no projecto, estabeleceu-se uma proibição da captação, não só da imagem das pessoas, mas também dos seus bens. Uma outra especialidade foi a de estabelecer-se um máximo da pena superior, no caso do uso de instrumentos adequados à acção ilícita.
Pareceu, efectivamente, que o que pôs em crise, como há pouco acentuei, o direito à intimidade da vida privada foi a existência desses aparelhos, e não parecerá certo que os comportamentos que podem ser levados a cabo por meios naturais sejam puníveis da mesma maneira que aqueles que pressupõem uma malícia intensa, como seja a que resulta do uso de instrumentos especialmente adequados, que, até pela sua técnica, pela sua discrição, dificilmente podem ser surpreendidos, havendo, portanto, necessidade de pena mais grave para se poder dissuadir as pessoas da sua utilização. E por isso juntou-se o n.° 2, aliás como a própria Câmara Corporativa tinha sugerido, no sentido de elevar a pena para o máximo de vinte e quatro meses, nesses casos. Para aqueles que não são especialistas, diz-se que, quando se fala em pena de prisão, tecnicamente quer-se dizer prisão até vinte e quatro meses.
Aproveito a oportunidade para me referir também à proposta de emenda que a esta base apresentou o Sr. Deputado Teixeira Canedo. De algum modo, a resposta está consigo, no que acabo de referir, designadamente em relação à existência de um dolo específico.
Mas há pormenores da sua proposta que talvez exijam uma resposta mais pormenorizada. Parece-me, desde logo, exagerada a pena de prisão (uma pena que vai de três dias a vinte e quatro meses de prisão) para punir aqueles comportamentos que, como eu disse há pouco, poderiam ter existido desde o início do Mundo, sem que daí resultasse qualquer crise social.
Para qualquer comportamento deste tipo, levado a cabo pelos meios naturais, portanto possíveis até hoje, sem que daí resultasse grande perigo para as pessoas (até porque as pessoas dos meios naturais têm possibilidades de se defender), parece-me uma pena demasiado larga a prisão de três dias a vinte e quatro meses.
E, por outro lado, pela proposta do Sr. Deputado Teixeira Canedo punem-se, com a mesma gravidade, os comportamentos levados a cabo com o auxílio de instrumentos especialmente adequados.
Acresce que retira a exigência de dolo específico para a autorização, transmissão ou divulgação de conversas particulares e introduz-lhe um elemento subjectivo, quando se trata de intercepção, escuta ou registo. Ora, parece-me que a intercepção, escuta ou registo é que são passíveis de acções levadas a cabo com auxílio de instrumentos que a técnica hoje põe à disposição das pessoas.
Parece-me, portanto, ser incoerente uma exigência de um elemento subjectivo no uso desses instrumentos, e já não o ser no simples uso dos sentidos.
Estabelece ainda no n.° 2 um mínimo, equivalente a um terço da medida máxima da pena. Esta seria a agravação que resultaria para a utilização de instrumentos especialmente adequados para a prática de crimes.
Ora, a tendência dos penalistas modernos, tendência expressa no projecto do Código, é a de estabelecer penas com elasticidade tal que permitam ao juiz escolher a pena mais adequada. Toda a tendência é para não estabelecer mínimos que ponham os tribunais na contingência, como hoje acontece, de terem de arranjar atenuantes a todo o preço para fazer baixar, como medida extraordinária, o limite mínimo das penas.
Tecnicamente, e dentro de uma orientação hoje bem definida, o estabelecimento de limites apertados não me parece aconselhável.
Quanto à publicidade (que o Sr. Deputado Teixeira Canedo pretende dar autonomia para efeito de agravação especial), o que dela resulta é tornar mais ou menos grave o resultado da infracção. Ora, o resultado há-de ser apreciado pelo juiz, é um dos elementos a que o juiz terá de recorrer, para determinar a graduação da pena.
Não me parece que seja de introduzir, na descrição típica e objectiva dos crimes, a existência ou não existência da publicidade. De resto, a nossa lei considera a publicidade, como agravante de ordem geral, no sistema de agravantes gerais do Código Penal.
Parece-me, por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a proposta que apresentámos permite responder, com mais prudência, à exigência que a sociedade põe ao legislador, de tutela da vida privada. Por outro lado, parece-me conseguir um maior equilíbrio entre os vários interesses que o Estado tem de proteger e, neste caso, até perante uma possível colisão de liberdades de vária natureza.

O Sr. Teixeira Canedo: - Sr. Presidente: Começo por pôr à Câmara um problema que me parece fundamental, precisamente o do conceito de intimidade da vida privada.
Disse o Sr. Deputado João Manuel Alves que é muito vago o conceito, depreendendo-se das suas palavras que as propostas da comissão foram condicionadas pela vaguidade do conceito de intimidade privada. Eu concordo que, efectivamente, é difícil definir o que seja a intimidade da vida privada. Aliás, não é preciso ser jurista para chegar a esta conclusão. É difícil hoje, era no passado e há-de ser no futuro.
Portanto, a ausência, neste momento, de um conceito de intimidade privada não pode ser razão que nos leve a fazer da lei um instrumento que, tal como a comissão quer, não vale para nada. Vou procurar explicar porquê.
A nossa lei penal, de uma maneira geral e é a técnica mais correcta, entende que há intenção criminosa quando um indivíduo pratica todos os actos que ofendem um determinado bem, quer dizer, um indivíduo que voluntariamente pega num instrumento qualquer e dá com ele na cabeça do vizinho comete um crime de ofensas corporais. Portanto, a lei entende, desde que ele voluntariamente pegou no instrumento e bateu, que cometeu um crime de ofensas corporais. É que a lei não exige que o ofendido prove que o seu vizinho, com o propósito de o agredir, lhe deu com ele na cabeça.