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4626 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 228

Isto é a técnica geral do Código. Só em casos excepcionalíssimos é que o Código exige que os ofendidos provem uma determinada intenção por parte dos arguidos.
Vamos encarar o problema da intimidade da vida privada.
Se, por exemplo, determinado indivíduo tira uma fotografia ou regista uma conversa privada de outro, pela opinião da comissão só haverá crime, provando o ofendido que o arguido teve intenção de devassar à vida privada. Imagine-se como será difícil provar-se, para além de toda a realidade factida da qual resulta no consenso geral efectiva ofensa do seu direito, que o indivíduo teve precisamente a intenção de o ofender.
Parece-me que se votarmos assim a lei lhe tiramos todo o interesse. Creio, desde já, que não aparecerão processos destes em tribunal, ou tal só acontecerá em casos excepcionalíssimos.
Suponho que na posição tomada pela comissão há um equívoco: a todo o crime corresponde uma intenção; se não for assim, não há crime. O problema que, efectivamente, se levanta é de ónus de prova. Há que provar essa intenção ou a sua falta? Vamos obrigar o ofendido, em relação ao qual os factos mostram que a sua intimidade privada foi invadida, a fazer a prova de que o arguido teve intenção de ofendê-lo? Ou, pelo contrário, devemos aceitar a opinião da Câmara Corporativa e a da proposta do Governo, de que existindo a materialidade há o crime, competindo então ao arguido, se quiser, procurar provar que não teve intenção criminosa nem culpa?
Este é o problema crucial e é, de facto, esta questão que a Câmara tem de resolver, aderindo a uma ou outra posição. Embora não haja um conceito de vida privada, de intimidade de vida privada, no aspecto civil, já a nossa lei defende a intimidade privada. Diz o artigo 80.° do Código Civil:

Todos devem guardar a reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do cargo e a condição das pessoas.

E, se me permitem, leio um comentário, feito pelo Sr. Prof. Antunes Varela e pelo saudoso Prof. Pires de Lima, a esta disposição. Dizem assim: Tal como acontece com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior, a aplicação deste artigo fica, em grande medida, dependente do critério do julgador. Há, todavia - e isto é que é o importante, dizemos nós -, duas bases objectivas a que este deve atender. Uma assenta na natureza do caso, dado que a divulgação dos factos da vida íntima da pessoa pode ofender - ou, acrescentamos nós, não ofender -, em maior ou menor grau, o seu decoro, respeitabilidade ou bom nome. Outra reporta-se à condição da pessoa, pois varia bastante, de acordo com ela, a reserva que as pessoas guardam ou exigem quanto à sua vida particular.
Portanto, embora tenhamos um conceito muito vago, ia nossa lei já nos dá dois parâmetros, duas condições materiais, pelas quais se pode avaliar do que seja a intimidade privada. E põe na mão do juiz duas condições para ele poder apreciar, na verdade, se a intimidade da pessoa foi ou não violada. E o Sr. Deputado João Manuel Alves referiu-se a casos corriqueiros da vida corrente, que cairíamos numa casuística que iríamos perturbar a paz que existe. Pois eu creio que não haverá tais perigos, porque se aparecer um indivíduo no tribunal, com um motivo fútil, a dizer: "Sr. Juiz: Foi violada a minha intimidade privada", será o juiz que, em face daquela norma, apreciará livremente, atendendo à condição da pessoa e às circunstâncias em que os factos foram cometidos, se efectivamente deles resulta uma violação da intimidade. Portanto, não se diga que íamos fazer uma perseguição indiscriminada de quem quer que fosse. Não é assim. Creio, pelo exposto, que a proposta da Câmara Corporativa, a última redacção dada ao projecto do Governo e a minha proposta são perfeitamente aceitáveis.
Mas o Sr. Deputado João Manuel Alves, referindo-se à minha proposta, reputou demasiadamente alto os limites que proponho para a pena. Entende que não convém estabelecer um mínimo, situação do n.° 2, e que a publicidade também já estava, de alguma maneira, considerada na proposta da comissão.
Ora, vamos começar pela medida da pena. Reputou-a excessiva, porque na minha proposta, será punido com prisão, portanto de três a dois anos, aquele que cometer os factos das alíneas a) e b). Ora, pela proposta da comissão, essa pena não vai de três dias a dois anos, mas vai de três dias a um ano. E eu pergunto o que é que efectivamente há de mal e há de bem na minha proposta. De mal parece-me que não há nada, porque o limite mínimo continua a ser igual ao que propõe a comissão, três dias. E o limite máximo vai até dois anos, aí sim, aí há uma diferença.
Mas, se VV. Exas. se recordarem do artigo 80.° que eu já li, eu pergunto se efectivamente uma moldura mais larga não dará uma maior possibilidade de valorizar as inúmeras e milhentas situações que podem ser incluídas nas alíneas a) e b).
Factos precisamente iguais, praticados em relação a pessoas absolutamente diferentes, podem exigir a aplicação de penas realmente muito diferentes.
Pelo sentido que tenho das coisas do direito estou convencido de que aquela diferença de três dias a um ano não chega, em muitos casos, para que se possa aplicar uma pena justa. Depois, como toda a gente sabe, os juizes, ao aplicarem uma pena, também têm que ter em consideração, e acho que fazem bem, o reflexo dessa pena cá fora. Têm de considerar como é que o público reagirá. E se o limite que lhe é posto é muito apertado, é evidente que o juiz se pode ver forçado a aplicar a mesma pena a casos algum tanto diferentes. O público também tem, e às vezes bem vivo, o senso das diferenças.
Portanto, parece-me que se toma necessária uma maior elasticidade para que o juiz possa valorar convenientemente as circunstâncias. E não se diga que a pena é clamorosamente mais grave; o limite mínimo é precisamente o mesmo; no máximo há, efectivamente, uma diferença, mas, quer num caso, quer noutro, quer numa moldura, quer noutra, o juiz pode sempre aplicar o mínimo.
Logo, não vejo razão para que não se aceite.
Também no n.° 2 da minha proposta estabeleço um limite mínimo na pena pana aqueles casos em que é utilizado um instrumento especialmente adequado a facilitar ou dissimular a prática da infracção ou for dada publicidade aos factos que a integrem.
Tenhamos sempre na nossa mente que a lei resulta do facto de a intimidade da vida privada estar a ser