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12 DE ABRIL DE 1973 5003

extensão do actual Código Civil ao ultramar, que a defesa dos direitos adquiridos na vigência de leis antigas já estão hoje consagradas no Regulamento de Ocupação e Construção de Terrenos nas Províncias Ultramarinas.
E não será esta nova lei com a redacção da proposta que a fará extinguir. Na verdade, o artigo 197.° do actual Regimento diz o seguinte:
Aos titulares de propriedade perfeita, não adquirida por concessão do Estado, sobre prédios identificados quanto à localização, área e forma, pelos processos de marcação definitiva, poderá ser passado o título.

Portanto, a lei vigente reconhece direitos de propriedade privada não necessariamente privada, não necessariamente derivados de concessões definitivas, mas também a outros actos de aquisição originária ou derivada que a proposta de lei de modo algum contraria esta orientação.
Apenas exige, muito naturalmente, que a apreciação seja feita caso a caso. À preocupação de justiça adiciona-se a preocupação de prudência.
De modo diferente se passaria se aprovássemos a proposta sugerida pelo Sr. Deputado Barreto de Lara e outros Srs. Deputados.
A sua consagração legislativa representará numa inovação relativamente à lei vigente, pois aceitará necessariamente a aquisição de terrenos vagos por meio de usucapião em prazo médio de quinze anos. Isto, apesar das excepções feitas, parece-me ser contra toda uma tradição e uma mentalização política em sentido totalmente contrário.
Neste aspecto permito-me ler breves passos do documento elaborado, quando foi, precisamente, da extensão do último Código Civil ao ultramar:
O legislador de 1867 destinou o Código Civil à sociedade portuguesa metropolitana. Vivia-se, nessa época, na Europa determinada fase de um processo histórico cuja ideologia política, económica e filosófica era dominada pelo pensamento individualista. Daí que o Código, expressão no campo do direito privado desse pensamento, dê pouco relevo à ideia colectiva, preocupando-se, sobretudo, em garantir os direitos individuais contra o Estado.
Com, efeito, a propriedade sagrada, inviolável, absoluta e exclusiva, contrariaria a política intervencionista e dirigista do Estado no ultramar. Por outro lado, o reconhecimento de direitos provindos da mera posse e do decurso do tempo, perturbaria seriamente o programa governamental.
Na verdade, nada impediria, em face do artigo 26.° do Código Civil, a aquisição por cidadãos estrangeiros - normalmente inclinados a favorecer os interesses dos seus países, quando não seus agentes - de grandes tratos de terreno, porventura situados em pontos essenciais para a defesa ou para a economia nacional.
O aparecimento da especulação e dos latifúndios seria inevitável. Não faltariam aventureiros para se apropriarem dos melhores terrenos, com o intuito não de os arrotear, mas de os transferir, com largos lucros, a quem deles necessitasse para viver.
O exposto explica que o século passado visse a coexistência, dentro da ordem jurídica nacional, de duas leis ideologicamente opostas. Uma - o Código Civil -, proclamando o direito de o indivíduo, como único intérprete do seu interesse e melhor servidor do interesse social, usufruir e dispor da maneira mais absoluta e exclusiva da propriedade, livre de todos os vínculos colectivos e estaduais. Outra - a Lei ultramarina de 21 de Agosto de 1856 -, subordinando claramente o interesse individual ao nacional, procurando integrar a actividade dos possuidores e proprietários das terras do ultramar na política do Governo nessas paragens, por meio de um dirigismo declarado que ditava a actividade dos indivíduos, no exercício dos seus direitos imobiliários, por vezes sob pena de sanções.
A Lei de 21 de Agosto de 1856 insere-se, aliás, numa linha política que se iniciara séculos atrás.

Com isto viso apenas esclarecer que me parece que toda uma organização política, certamente sob as acepções que o Sr. Deputado Barreto de Lara invoca, nos aconselha a seguir os caminhos diversos, e as razões citadas, também razões substanciais e de justiça social, continuam a apresentar maior peso para a rejeição daquela redacção.
Sucedeu, na verdade, em épocas não muito recuadas, que parcelas de terrenos vagos entraram ilicitamente na posse de particulares, por meio de processos fraudulentos ou até por usurpação.
De facto, alguns conservadores de registo predial, segundo se pode ler em documentos idóneos, descreveram prédios e registaram direitos imobiliários sobre terras vagas, sem exigirem a prova da concessão. Algumas vezes, em inventários orfanológicos hoje ditos obrigatórios, o cabeça-de-casal relacionava como imóveis pertencentes à herança parcelas de terrenos vagos, que depois eram partilhados sem que o tribunal soubesse que se tratava de terrenos do Estado.
Com base nos formais da partilha obtinham então os interessados a descrição predial e a consequente inscrição na conservatória do registo predial da comarca.
Outras vezes, em processo de execução da sentença para o pagamento de quantia certa, o executado, por vezes até mancomunado com o exequente, nomeava à penhora um prédio rústico, que mais não era que uma parcela de terreno vago, o qual era posto em praça para arrematação em hasta pública.
O arrematante, quantas vezes mesmo o próprio exequente ou um terceiro, interposta pessoa, com base no respectivo auto de arrematação, conseguia a descrição predial e a respectiva inscrição do novo prédio a seu favor. Ora, a redacção proposta poderá vir a solucionar casos deste tipo, mas, dada a imoralidade de muitos deles, não parece aceitável que a lei venha regularizar tais situações.
No presente momento, portanto, manifesto o meu pleno apreço pelas considerações de ordem moral que o Sr. Deputado Barreto de Lara fez e eu creio que esta simples discussão na Câmara é mais um argumento para que o Governo, ao regulamentar a lei, tenha todo o cuidado em não esquecer os casos justos. Mas que eles sejam apreciados caso a caso e que a Câmara, numa generosidade que seria má política,