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25 DE ABRIL DE 1973
Como, em certos sectores, se desconhecem, ou se desprezam, as palavras tão belas e tão justas de António Sérgio: «O adversário, em suma, é o sal que nos impede de nos corrompermos....» (Ensaios, Porto, 1932, tomo ni, p. 257).
No meio de tudo isto, quem não faz da política mero jogo de interesses ou vistosa feira de vaidades; quem respeita o Poder e as suas legítimas prerrogativas, mas se nega a reverenciá-lo como entidade carismática; quem não abdica, enfim, de analisar criticamente as coisas, as ideias e os homens, só aprende a amar mais entranhadamente a liberdade do espírito — essa liberdade que é necessário preservar orgulhosamente, nem que seja, às vezes, no refúgio de qualquer Vale de Lobos....
Em toda a filosofia da educação, o problema dos fins afirma-se como o problema por excelência: «os sistemas de educação gravitam em volta de uma certa concepção do homem colectivo, da sua natureza e do seu destino». Quer dizer: toda a educação é indissociável de uma antropologia e de uma ética e os seus objectivos só se podem definir em função de um contexto social, político e económico considerado na sua historicidade.
«Despolitizar a educação» é uma expressão logo máquica, que aponta, ingénua ou calculistamente, para um objectivo inatingível....
O Sr. Pinho Brandão: — Muito bem!
O Orador: —... quer enquanto preocupada com a continuidade, isto é, enquanto transmissora de um saber, de sistemas de valores e símbolos, quer enquanto preocupada com a mudança, ou seja, enquanto plasmação do futuro, a educação tem sempre como fundamento e desígnio uma certa visão do mundo e do homem, uma certa filosofia da sociedade e do Estado. Neste, como noutros domínios, o grande erro dos tecnocratas consiste em pensarem a educação como um mero sistema de técnicas, de estatísticas, de coeficientes de rendimento.
Destes pressupostos incontrovertíveis decorre, com limpidez perfeita, a conclusão de que a reforma de qualquer sistema educativo é um acto eminentemente político. Não é de estranhar, por conseguinte, que a reforma do nosso sistema educativo —e não estou a pensar concretamente na proposta de lei n.° 25/X — seja um problema político. E erróneo será afirmar, desposando uma típica óptica tecnocrática, que se trata de um problema que, por várias razões, e infelizmente, se veio a politizar. É um problema político de rafe.
A reforma do nosso sistema educativo, porém, para lá deste teor político substancial e irremovível, transformou-se num problema político de outra ordem — e creio que a ninguém beneficia silenciar este facto. Sem qualquer propósito judicativo ou polémico, aduzo, como prova desta asserção, os seguintes elementos:
a) Os ataques e críticas que têm sido endereçados, de diversos sectores, ao espírito e à letra da reforma educativa. É falso dizer-se que todos estes ataques têm partido de «medíocres», de «imobilistas» e de «privilegiados» que temem pelo fim das suas regalias;
b) Os aplausos e apoios que, no plano político,
a reforma educativa tem recebido de sectores e de personalidades cuja discordância frontal, ou acentuada, com o regime político vigente é bem conhecida; c) Os esforços, enfim, dos que abnegadamente procuram convencer gregos e troianos de que não há nenhum problema político.
Na sessão da Assembleia Nacional de 30 de Janeiro passado, o nosso colega Magalhães Mota —a quem não se pode negar, sem clamorosa injustiça, uma fina inteligência, e a quem cabem também, segundo presumo, particulares responsabilidades políticas — equacionou assim o problema que analisamos:
Um país mais culto e mais bem informado corresponde a uma mudança radical do sistema de Poder. Penso não errar o diagnóstico se pensar que é por isto, e só por isto como razão profunda, que tanto se ataca o actual Ministro da Educação Nacional (Diário das Sessões, n.° 218, p. 4464).
Estas palavras merecem alguma reflexão.
A afirmação de que «um país mais culto [....] corresponde a uma mudança radical do sistema de Poder» afigura-se-me, quer no plano da pura teoria, quer no plano da prática histórica, passível de discordâncias e objecções pertinentes. Se tal afirmação corporizasse uma lei inelutável do devir histórico, que regime político ou que Governo fomentariam o ensino e a cultura, uma vez que do desenvolvimento destes haveria de resultar, não apenas a superação dialéctica, mas a cabal destruição dos esquemas políticos vigentes e a sua substituição por outros esquemas radicalmente diversos? E este processo repetir-se-ia indefinida e ciclicamente ou haverá, porventura, um sistema político que possa, sem intrínsecas mudanças radicais, comportar quaisquer novos e imprevistos desenvolvimentos da cultura?
A reflexão e a experiência histórica ensinam-nos que a relação entre educação e regimes políticos não é unívoca e imutável. Se, num país como os Estados Unidos da América, a educação tem constituído um sólido esteio da democracia, noutros países, como a Rússia, a Alemanha e o Japão, a educação constitui ou constituiu, num passado recente, um eficaz veículo de ideologias totalitárias e um dos poderosos suportes da estruturação totalitária do Estado. Como escreve o sociólogo Olive Banks:
Devemos concluir, por conseguinte, que a influência da educação sobre as atitudes políticas é muito mais complexa do que, por vezes, se admitiu, e que, embora seja correcto argumentar que um alto nível de educação é necessário para uma efectiva participação num governo democrático, não há qualquer garantia de que educação e atitudes democráticas estejam necessàriamente relacionadas. (Olive Banks, The Sociology of Education, Londres, 1970, p. 210.)
Sendo o sistema educativo um subsistema do sistema político, social e económico, torna-se evidente que ele tem de espelhar, nas suas estruturas, no seu funcionamento e na sua teleologia, as leis do sistema geral em que se integra. Pode, em determinadas circunstâncias, verificar-se uma dissonância, um conflito mais ou menos marcado, entre o sistema educativo e os mencionados sistemas (e é o que vai hoje