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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 253
ocorrendo em vários países da Europa e das Américas). Em tais casos, ou o sistema global segrega ou absorve os elementos geradores de tensão e conflito, ou o sistema educativo se transforma num pertinaz foco de corrosão ou em agente de destruição revolucionária do vigente sistema político, social e económico.
A força e o perigo dos movimentos contestatários estudantis radicam nestas últimas hipóteses, e creio que só através destes movimentos — e, portanto, sempre por via revolucionária, tanto no plano da teoria como no plano da praxis — é que o sistema educativo pode gerar, ou contribuir para gerar, mudanças radicais do sistema de Poder.
Aceitando, porém, como intrìnsecamente correcto o modo como o Dr. Magalhães Mota equacionou o problema das relações entre educação-cultura e os sistemas de Poder, que comentário solicita a segunda parte das suas afirmações? Simplesmente este: em primeiro lugar, que não será estranhável que aqueles que não desejam uma mudança radical do sistema de Poder procedam como, segundo opinião do ilustre colega, têm procedido; em segundo lugar, que é lógico que todos aqueles que anseiam por uma mudança radical do sistema de Poder procedam ao invés dos primeiros. Num caso como noutro, avulta a exacerbação política da problemática da reforma educativa. Pode ser que sem razões intrìnsecamente válidas; pode ser que devido apenas a paixões e juízos errados. Em qualquer caso, um problema a ponderar.
Julgo não errar se disser que, para as discussões e discordâncias suscitadas pela reforma do sistema educativo, alguma coisa tem contribuído a expressão «democratização do ensino», copiosamente utilizada entre nós nos últimos tempos.
Há quem utilize com frequência determinadas palavras e ostensivamente apregoe o seu desprezo pelo seu exacto significado. O escasso espírito crítico e científico de tais pessoas começa a revelar-se aqui. O homem é um animal semiológico que só pode pensar e comunicar por meio de códigos de sinais. O primeiro e mais importante desses códigos é o código linguístico, mediante o qual o homem organiza outros códigos semióticos e formula, e predominantemente comunica, o seu pensamento. Desprezar a exacta significação das palavras equivale a viciar radicalmente o pensamento.
Ora, o que significa a expressão «democratização do ensino»? Não é segredo de iniciados dizer-se que tal expressão apresenta, perfeitamente configurados, três significados distintos, motivo por que se torna sempre ambíguo o seu uso indiscriminado.
Em primeiro lugar, «democratização do ensino» significa o princípio de igualdade de acesso de todos os indivíduos, sem qualquer discriminação de raça, de sexo, de origem social, de estatuto económico, de convicções religiosas e políticas, a todas as formas e a todos os graus do ensino.
Numa segunda acepção, largamente difundida em textos dos movimentos estudantis, «democratização do ensino» significa «gestão democrática» da escola e, mais particularmente, da' Universidade. Partindo do princípio de que a Universidade é um instrumento de poder manipulado por um grupo de privilegiados — os professores catedráticos — que explora e oprime outros grupos — docentes menos qualificados e estudantes —, exige-se que a gestão da Universidade apresente uma base e um processo democráticos, realizando-se por meio de órgãos colegiais constituídos por representantes eleitos de todos os grupos em confronto.
Noutra perspectiva, a «democratização» da Universidade pode efectivar-se mediante a instituição de um «poder dual» cuja estrutura e cujo funcionamento Lenine descreveu: ao lado da autoridade dos catedráticos (equivalente, na praxis revolucionária estudantil, ao governo burguês de Lenine), constitui-se uma autoridade estudantil (equivalente ao governo dos «sovietes» na doutrina leninista), dotada pelo menos do poder de veto e dispondo, portanto, da capacidade de controlar todas as decisões da Universidade.
Finalmente, a expressão «democratização do ensino» pode dizer respeito ao próprio conteúdo do ensino. Se a escola e, em especial, a Universidade ministra um ensino dominado pela ideologia da classe que detém o poder — e dado o contexto sócio-político em que estes problemas se formulam e se exasperam, esta classe é a classe burguesa e neocapitalista — de modo a manipularem servidores qualificados do sistema económico-social justificado por essa ideologia, torna-se imperioso, do ponto de vista dos movimentos estudantis, substituir tal ensino «classista» por um ensino autenticamente «democrático». «Democrático», aqui, como é óbvio, deve ler-se em cifra marxista.
Estas duas últimas acepções da expressão «democratização do ensino» — gestão «democrática» da escola ou poder dual instituído na escola e conteúdo «democrático» do próprio ensino — ocorrem entre nós mais raramente do que a acepção mencionada primeiramente, que é a única, segundo creio, com chancela oficial. Valerá a pena, por isso, analisar alguns aspectos da problemática de «democratização do ensino», entendida segundo aquela primeira acepção.
Começarei por dizer que tal princípio é hoje pacìficamente aceite por todos, não tendo contraditores, pelo menos explícitos.
E observarei de seguida, correndo o risco de escandalizar alguns, que o problema da «democratização do ensino» só restritamente pertence ao sistema educativo e, de modo particular, à Universidade. A escola, como demonstraram, entre outros sociólogos, Bourdieu e Passeron, actua normalmente como reprodutora do sistema social, como meio de manutenção do estatuto social dos «herdeiros», sendo ilusório admitir que os meios da acção social escolar, por poderosos que sejam, poderão alterar substancialmente as desigualdades impostas pelos mecanismos do sistema económico-social.
Como revelam numerosos estudos sociológicos e variadas estatísticas, a igualização de oportunidades, na educação secundária e na educação superior, é profundamente afectada, mesmo em países como a Suécia e os Estados Unidos da América, por factores como: a origem social; o nível económico do agregado familiar; o grau de cultura e a atitude dos pais perante o ensino; desigualdades regionais e geográficas (situação de inferioridade das populações rurais em relação às urbanas, diferenças verificáveis entre as populações da periferia e as do centro das grandes cidades), etc.
E, como atestam estudos recentes, os sistemas escolares, mesmo em países onde estão bem arreigados