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26 DE ABRIL DE 1973 5181

O Orador: - Tal como o Sr. Deputado Almeida Garrett, também eu considero que "uma só atitude é humanamente digna e politicamente válida: pensar claro e falar claro" (Diário das Sessões, n.º 247, de 11 de Abril de 1973, p. 4986). Apenas acrescento que é ainda indispensável actuação clara - diria, cristalina -, rigorosamente coerente com o pensamento que se defende, pois é no terreno existencial da vida vivida que cada um se define decisivamente perante Deus, perante os homens e perante si mesmo. Na hora grave que Portugal e o Mundo atravessam são necessários, sem dúvida, pensadores esclarecidos e esclarecedores. Creio, porém, que as grandes mensagens já foram concebidas e comunicadas. Do que sobretudo se carece é de homens que as encarnem com pureza imaculada e delas nos falem pela exemplaridade eloquente da sua vida. Talvez que a situação de rotura que dilacera o mundo moderno seja devida em grande parte a ser hoje aguda, intolerável e universal a consciência da contradição profunda entre os altos princípios oratoriamente proclamados e os actos concretamente realizados pelos que têm sido os senhores da história.
Uma pessoa, ao nascer, é recebida e integrada numa nação, do que lhe resultam desde logo direitos - aliás já era sujeito deles ainda antes de nascer - que à comunidade nacional compete respeitar -e garantir. Um dos mais fundamentais é o direito à educação. Como cada pessoa é ser "para" cuja originalidade se desenvolve, exprime e realiza em relação de comunicação com os outros, de disponibilidade aos outros, de serviço dos outros, a sua educação deve proporcionar-lhe conhecimento verdadeiro e suscitar-lhe amor autêntico à nação de que faz parte: eis a educação nacional, forja de cidadãos ao serviço do seu país na construção de uma vida em comum fundada na verdade, guiada pela justiça, movida pelo amor e realizada na liberdade (cf. João XXIII, Pacem in Terris, n.° 35).

O Sr. Pinho Brandão; - Muito bem!

O Orador: - Quanto a mim, são estas, Sr. Presidente, as traves mestras que devem sustentar um sistema educativo e que não se podem perder de vista ao analisar a proposta de reforma que o Governo propõe à consideração da Assembleia Nacional.
No seu parecer, a Câmara Corporativa estranha que o texto da proposta "não venha precedido de preâmbulo, ou não venha acompanhado de relatório justificativo que facilite a hermenêutica da proposta de lei e, implicitamente, o acesso à respectiva filosofia, para não falar já de mais fácil entendimento da matéria regulada em algumas bases" (parecer n.° 50/X, Actas da Câmara Corporativa, n.° 146, X Legislatura, 1973, p. 1974).
E no relatório da nossa Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais - de que faço parte -, elaborado e apresentado ao plenário pelo Sr. Deputado Aguiar e Silva, afirma-se que "muito contribuiu também para dificultar o trabalho da Comissão o facto de a proposta de lei não vir acompanhada de qualquer relatório preambular" {Diário das Sessões, n.° 246, de 7 de Abril de 1973, p. 4955).
Associei-me a estes reparos, embora essa falta não me tenha afectado apreciavelmente a compreensão da filosofia e da economia do diploma governamental, pois, como refere a Câmara Corporativa no seu aludido parecer, "a proposta beneficia, quanto ao seu entendimento, do facto de ter sido divulgada, nas suas linhas gerais, através dos dois documentos programáticos dimanados do Ministério da Educação Nacional, há mais de dois anos, de ter sido precedida de constantes alusões ministeriais ao relevo e urgência do tema e, da larguíssima consulta feita praticamente a todos os sectores interessados do País" (p. 1974).
A mim, o que me fez falta foi a proposta não ser precedida de exposição descritiva e crítica do sistema educativo vigente, visto esse conhecimento ser indispensável para se julgar da oportunidade e alcance da reforma que o Governo propõe.
Ter-me-ia sido muito útil que o parecer da Câmara Corporativa houvesse preenchido a lacuna.
O sistema educativo actual não difere essencialmente, em seus objectivos, organização e pedagogia, do existente nos princípios do século, o que significa' que se mantém um modelo de educação escolar concebido para serviço e conservação de um tipo de sociedade já desaparecido. As reformas posteriores, mesmo quando mereceram essa designação, foram sempre parcelares e sem integração orgânica num todo coerente. Disto resultou uma descoordenação e até desconexão entre os diferentes ramos, níveis e graus de ensino, com manifesto prejuízo da formação global dos alunos, sua reorientação no sistema e suas possibilidades de ascensão social.
O carácter fechado do sistema no que respeita a reingresso a partir do mundo do trabalho e a passagem de um ramo para outro agrava-se pelo facto de cada um dos diversos tipos de ensino ter cursos preestabelecidos e de estrutura curricular única. Os efeitos desastrosos desta extrema rigidez atingem importante dimensão dada a ausência de orientação educativa e vocacional.
Na prática, existem dois sistemas educativos paralelos e independentes, a que correspondem duas dignidades de ensino e duas metas sociais: a auto-estrada liceu-Universidade, que conduz aos postos de comando na sociedade, e o caminho térreo do ensino técnico, que conduz às posições subordinadas.
Ora, o ingresso num ou noutro destes dois sistemas não depende das capacidades reais dos estudantes, mas sim de condicionamentos sócio-económicos, com grave ofensa dos direitos das pessoas e forte prejuízo do interesse nacional.
Como do Brasil se diz no relatório que precede o anteprojecto de lei elaborado pelo grupo de trabalho nomeado pelo Ministro da Educação e Cultura para estudar a reforma do ensino primário e secundário, também em Portugal as escolas pós-primárias foram agrupadas "em ramos paralelos que, reflectindo ainda uma vez a estratificação social, mantinham o dualismo de ensino (secundário) para os nossos filhos e ensino (profissional) para os filhos dos outros" (P. José de Vasconcelos, Legislação Fundamental - Ensino de 1.° e 2.° graus, Lisa - Livros Irradiantes S. A., S. Paulo, 1972,. p. 16).
A absoluta dependência do sistema educativo de um centralismo burocrático implacável acentua a sua rigidez, adia sine die adaptações conjunturais urgentes e esteriliza a capacidade inovadora dos professores, por estes reconhecerem que o exercício de tal capacidade, além de inútil, é perigoso para a sua segurança profissional.