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5186 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 254

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: O problema da Universidade quase deixou de ser um problema da Universidade. Transformado em problema político de primeira grandeza, dele tentam apoderar-se, para fulcro da sua acção ou das suas manobras, as forças que há muito se empenham em criar um clima favorável à instauração entre nós de ideologias e práticas opostas à lei, à maneira de ser do povo português e ao interesse nacional.
Que o problema tem e deve ter significado político ninguém o contesta. O que se contesta é que ele sirva de pretexto para actividades subversivas ou de ponto de partida para se infiltrarem na vida da Universidade e do Estado elementos apostados em destruir os fundamentos da ordem social e política.
Em torno da questão universitária está a fazer-se uma exploração política, por vezes de marcado sentido demagógico, que importa denunciar. Questão complexa e melindrosa sobre a qual se têm debruçado os mais altos espíritos, alguns a reduzem a fórmulas simplistas ou slogans aliciantes que enganam e desorientam.
Um dos pontos mais explorados para o efeito é o do acesso à Universidade.
Entendem alguns que todos devem ascender ao ensino superior, enquanto outros se pronunciam por um acesso muito circunscrito e em termos que comprometeriam gravemente legítimas aspirações e interesses.
Creio que nem a uns nem a outros assiste razão.
A Universidade há-de ser uma instituição aberta a todos, embora nem todos queiram ou devam frequentá-la.
Obrigar, de uma maneira ou de outra e sejam quais forem as razões invocadas, a ingressar na Universidade aqueles que nisso não estão interessados seria violar uma liberdade fundamental.
Um comunista dirá que não há liberdade contra o Estado ou que a pessoa só é livre na medida em que se integra no Estado, cabendo, por isso, a este o direito e o dever de impor, em cada caso, a carreira profisional que tiver por mais conveniente. Não vale a pena discutir o que pressupõe uma concepção do homem que a tão pouco reduz a sua dignidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, nem todos possuem qualidades de inteligência e de trabalho para atingirem os planos mais elevados da ciência e da técnica, o que, só por si, naturalmente e sem a menor quebra de justiça, torna inviável a admissão de muitos na Universidade. Em relação a estes, o seu não ingresso na instituição universitária não traduz a menor discriminação pessoal, nem qualquer lesão do interesse público.
Ressalvadas as limitações que mencionei, creio que o acesso aos graus superiores da instrução e da cultura deve ser propiciado a todos. Sou, pois, por uma Universidade aberta que acolha quantos mostrem estar em condições de tirar para si e para a Nação o proveito compensador dos encargos por esta suportados.
Compreende-se, assim, me repugnem os exageros de selecção para o ingresso na Universidade em que alguns países têm caído.
É a Rússia que mais longe tem levado o rigor no estabelecimento e aplicação dos critérios que presidem à admissão no ensino superior. Não há que estranhar o facto, pois ele está na lógica da doutrina que informa o Estado soviético.
A Universidade russa é, como se sabe, uma Universidade ao serviço exclusivo do Estado e do Partido, cabendo-lhe, nos termos da Lei do Ensino Superior, aprovada em 1961 pelo Conselho de Ministros da União Soviética, entre outras atribuições ligadas à produção, à cultura e à ciência, a de "formar especialistas altamente qualificados, educados no espírito do marxismo-leninismo" e a de "levar a bom termo as investigações necessárias à resolução dos problemas suscitados pela edificação do comunismo".
A Universidade, em cada ano, admite apenas o número de alunos que o "Gosplan" indica em função das necessidades gerais. O método conduz a uma selecção implacável.
Por isso, o Doutor Guilherme Braga da Cruz, mestre da mais alta estirpe intelectual e moral, cuja vida constitui exemplo vivo de dignidade e carácter e de devoção ao ensino...

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - ...pôde escrever, apoiado em notável trabalho dos professores belgas Drèze e Debelle, que, na Rússia, "a questão da Universidade perante o assédio das massas não chega sequer a pôr-se" e que, "em mais do que em nenhum país capitalista, a Universidade é aí uma instituição aristocrática' destinada a preparar a classe dirigente do país e do partido ('a aristocracia comunista') e aberta exclusivamente ao número exacto de técnicos previstos como necessários nos planos de desenvolvimento".
Referi-me ao sistema russo para mostrar que ele não poderia ser aplicado entre nós, tal a dureza da restrição que envolve para a liberdade das pessoas.
Mas, sendo assim, como obter, sem gravame para os direitos de cada um, o funcionamento da Universidade com a eficiência que o número excessivo de alunos torna difícil ou impossível?
Coando novos estabelecimentos de ensino superior? Sem dúvida que é medida a que importa recorrer quanto antes. Mas não se pense que o problema terá assim cabal e definitiva solução.
Estabelecendo o numerus clausus para a entrada na Universidade? Repugna-me uma resposta afirmativa.
O sistema só poderia aplicar-se em circunstâncias muito especiais e desde que criadas condições polivalentes de acesso que não existem entre nós.
Mas se, abertas as portas da Universidade a todos os que a procuram, se verifica que alguns alunos, muitos ou poucos, não possuem capacidade para seguirem o curso, verificar-se-á um de entre dois males: ou esses alunos ficam para trás e, depois de constituírem durante anos um peso morto que, além do mais, prejudicará a qualidade e o rendimento do ensino, acabam por desistir, ou a escola, para se libertar deles, lamentavelmente contemporiza, conferindo-lhes de qualquer maneira o almejado diploma. Dois males, qual deles o pior.

Vozes: - Muito bem!