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26 DE ABRIL DE 1973 5185

futuro e, pela sua acção, rasgaram caminhos e desvendaram horizontes novos a Portugal e ao Mundo. Sentarmo-nos comodamente e, de costas voltadas para o devir, venerá-los como mortos em vez de, de pé e em marcha para a frente, os fitarmos como exemplos vivos de quem nos vem acicate e luz para construirmos um futuro melhor, é, na melhor das hipóteses, manifestação de muito mau gosto.
Antes de concluir, não queria deixar de fazer referência breve a dois aspectos que, sendo embora, por sua natureza, extrínsecos ao sistema educativo, condicionam, contudo, o êxito efectivo da execução da reforma.
Como disse, o sistema agora proposto pelo Governo está concebido de modo a satisfazer o direito inalienável de todos os portugueses à educação, proporcionando a cada um formação integral e a cultura e a habilitação profissional que melhor se harmonizem com as suas capacidades, tendências, interesses e aspirações. Porém, por mais lata que seja a expansão da escolaridade e mais qualificado o ensino ministrado, permanecerão ainda factores decisivos de desigualdade de oportunidades que se situam fora do alcance do sistema educativo. Este pode atenuar a intensidade dos seus efeitos, mas não eliminá-los.
Refiro-me, evidentemente, às desigualdades sócio-económicas profundas e profundamente chocantes entre os Portugueses e às consequências altamente perniciosas e interpotenciáveis de um conjunto de influências negativas (alimentares, higiénicas, afectivas, intelectuais, etc.) que afectam de modo importante e, a partir de certo momento e grau, irreversível o desenvolvimento físico e psíquico das crianças de meios de débil condição económica e social. È algumas destas influências deletérias - há que acentuá-lo - actuam já antes do nascimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A este tema geral dedicou-se a Conferência Internacional da Educação, reunida pela U. N. E. S. C. O., em Genebra, em Setembro de 1971, na qual participaram noventa países, tendo-se reconhecido unanimemente que as probabilidades de uma criança ter sucesso nos estudos estão directamente dependentes das características do meio social em que se integra. O número de Junho de 1972 da revista Courrier, publicada por aquela organização, é totalmente dedicado a este problema. Aí se lê que em Portugal, e no ano de 1963 apenas 7,4% dos estudantes do ensino superior provinham das classes menos favorecidas (p. 23), e que um adolescente de um meio social favorecido tem uma probabilidade de entrar naquele nível de ensino cento e vinte noves vezes maior que a de um adolescente oriundo de meio social carecido (p. 22).
E a notável experiência psicopedagógica realizada há alguns anos na Escola Comercial de Ferreira Borges, de Lisboa, levou à conclusão de que "a maioria dos alunos em atraso ou insucesso escolar vive, trabalha e desenvolve-se num meio sócio-económico caracterizado por complexa trama de situações desfavoráveis à sua educação e ao rendimento do ensino" (Educação - boletim informativo do Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, vol. 1, n.° 2, Dezembro de 1969, p. 83).
O outro factor extrínseco condicionante do êxito da reforma a que me quero referir é o grau de possibilidade efectiva de expressão do pensamento e de circulação das ideias, dentro e fora das escolas. Sem liberdade nessa expressão e nessa circulação não se pode fomentar, através do ensino - como louvavelmente consigna a proposta de lei -, o espírito crítico e criador. E mesmo que fosse possível, tal fomento seria improdutivo, por falta de oportunidade de exercício da crítica e manifestação do pensamento criador.
Desta breve análise se conclui que a autêntica efectivação do direito universal e inalienável à educação só pode ser alcançada num contexto de plena democracia económica, social e política. Para este ideal - que nenhum país atingiu, mas de que alguns já não estão muito longe, enquanto a grande maioria mal o enxerga- caminha-se por aproximações sucessivas, sem dúvida. Mas para que elas sejam firmes, isto é, não venham a sofrer involução e sejam motor de ulterior avanço, têm de ser globais e não se limitar exclusivamente a um ou outro sector da vida colectiva.
Sr. Presidente: É mais que tempo de terminar. E faço-o afirmando que, quanto a mim, o sentido nuclear da educação é despertar e desenvolver um amor vital pela verdade. Por ele orientado, cada um partirá ao encontro dos outros - pois "a verdade de cada um só existe quando em união com todos os outros" (Emmanuel Mounier, ob. cit., p. 35) - e, nesse encontro, a si mesmo se encontrará.
A verdade é invencível. Por isso a temem os violentos.
No discurso que Alexandre Solzhenitsin escreveu para ser lido na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Literatura, e à qual não pôde estar presente - passagens desse texto foram recentemente recordadas pelo Sr. Ministro do Interior, o que muito apreciei, pois o escritor russo tem sido heróico defensor da liberdade de expressão do pensamento -, disse a terminar:

Não esqueçamos que a violência não vive só, que é incapaz de viver só: está intimamente associada, pelo mais estreito dos laços naturais, à mentira. A violência encontra o seu único refúgio na mentira, e a mentira o seu único apoio na violência. Todo o homem que elegeu a violência como meio deve inexoravelmente eleger a mentira como regra [...] E uma vez que a mentira seja confundida, a violência surgirá em toda a sua nudez e fealdade. E a violência então desaparecerá [...] Os Russos gostam dos provérbios que falam da verdade: "Uma palavra de verdade pesa mais que o Mundo inteiro." ("El grito de Solzhenitsin, Gaceta Médica Espanola, Octubre de 1972, p. 252).

"Uma palavra de verdade pesa mais que o Mundo inteiro." Só a verdade vale o preço da vida - crer nisto é o sentido profundo da educação.
Numa tarde de Dezembro, de 11 de Dezembro de 1969, subi pela primeira vez, emocionado, as escadas desta tribuna. Vou descê-las agora pela vez última, com redobrada emoção. Boa sorte, Portugal.

Vozes: - Muito bem!