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5182 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 254

A função docente, alvo dos maiores encómios em discursos de circunstância, é retribuída com remunerações irrisórias, dada a sua altíssima relevância social, as qualificações e tarefas exigidas aos seus agentes e o custo, dia a dia mais elevado, dos meios indispensáveis à sobrevivência.

O Sr. Carvalho Conceição: - Muito bem!

O Orador: - Mal paga, a função ficou desprovida de interesse económico; burocratizada e exercida em condições radicalmente antipedagógicas, esvaziou-se de atractivo humano e cultural.
De tudo isto resultou, como era inevitável, uma penúria de professores, o que levou ao remedeio de recrutar muitos sem um mínimo de competência científica e pedagógica, mais se deteriorando a qualidade do ensino e mais se desprestigiando a função. Um testemunho público recente é bem expressivo quanto à situação do professorado liceal.
Foi ele prestado pela Dr.a Amélia de Matos, do Liceu de D. Duarte, de Coimbra, na audiência concedida pelo Ministro da Educação Nacional a uma representação de professores liceais de todo o País que foi manifestar-lhe a sua satisfação pelo decreto-lei que estabeleceu as diuturnidades por que há tantos anos lutavam.
Disse aquela professora:

A geração a que pertencemos habituou-se a não contestar e a não exigir: solicita, aguarda e, no fim, se vê deferidas as suas pretensões, agradece! Tempos difíceis lhe deixaram impressão no carácter estes vincos de obediência, resignação e reconhecimento. Entre as presentes e em quantas aqui gostariam de estar, mas não puderam comparecer, V. Exa. pode encontrar quem arrasou a saúde para enfrentar um exame de admissão ao estágio organizado em moldes verdadeiramente desumanos; quem durante dezenas de anos permaneceu na situação de agregada, sem ganhar nas férias; quem passou a considerar como sinónimo de "férias" a palavra "incerteza", pois não sabia se no ano escolar seguinte era colocada ou não; quem, começando o ano lectivo em 1 de Outubro, recebia o primeiro ordenado em Janeiro ou Fevereiro do ano seguinte; quem, após trinta anos de bom serviço, aguardava ainda uma efectividade e tinha um ordenado e um horário exactamente igual aos que iniciavam a sua carreira docente.
Assim, a geração a que pertencemos, quando reconhece que os ventos da história mudaram de direcção e alguém chegou a esta Casa com a intenção de colocar o professor - o principal agente da educação e do ensino - no seu devido posto, não pode deixar de se regozijar e de lamentar não ter nascido vinte anos depois! (O Século, 13 de Abril de 1937, p. 5.)

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Testemunho semelhante poderia ser apresentado pelos professores dos outros ensinos, até pelos docentes da Universidade, que vivem, exclusivamente ou quase, do seu vencimento. Como é possível tratar assim os que têm nas mãos o futuro do País?!
Do ponto de vista curricular, avultam deficiências sérias de organização e conteúdo, este muitas vezes desactualizado pelos progressos da ciência e da técnica, pelo desenvolvimento da cultura e pelas transformações económicas, sociais e políticas. A centralização já referida impede as indispensáveis flexibilidade, diversificação e renovação dos currículos, e cedo os torna reumáticos, estereotipados e caquéticos.
Na didáctica predomina, ou é exclusivo, o verbalismo abstracto de índole meramente informativa e mnésica. Não há, ou é insuficiente, o espaço para a observação pessoal dos factos e sua interpretação e para a aplicação dos conhecimentos à resolução de problemas da realidade circundante. O ensino enche cabeças, mais que as forma, esvazia-se de sentido educativo, e a relação professor-aluno reduz-se a circuito cibernético de emissão, recepção e contrôle. A adopção de livro único em muitos tipos de ensino refinou esta antididáctica.
Os exames, naturalmente, têm cunho exclusivamente selectivo, aprovando ou rejeitando em função da quantidade de informação acumulada. Aliás, a carência de material didáctico, de professores e de especialistas em ciências de educação impede uma aprendizagem activa, em que se associem harmoniosamente trabalho pessoal e trabalho de grupo.
A insuficiência acentuada de instalações escolares obriga a concentrações massificantes de alunos, e número significativo de estabelecimentos de ensino de todos os níveis são funcionalmente inadequados e até se encontram em mau estado de conservação.
A resultante de todos estes factores reciprocamente influentes é um ensino de muito deficiente qualidade e de produtividade baixíssima, com elevado número de repetências e desistências e, consequentemente, elevados custos por aluno diplomado. Para se ter uma ideia de quanto custa ao erário público este desperdício de luxo bastará indicar que, no ano lectivo de 1960-1961, só as reprovações no ensino primário terão custado à Nação - e apenas em termos de vencimentos pagos ao pessoal docente- 100 000 contos [cf. Instituto de Alta Cultura, Centro de Estudos de Estatística Económica: Projecto Regional do Mediterrâneo - Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa (metrópole) - Previsão para 1975].
As deficiências pedagógicas afectam sobretudo os alunos pertencentes a classes sócio-economicamente débeis, visto que a falta de elementos favoráveis e a actuação de factores desfavoráveis ao seu desenvolvimento físico e psíquico torna-os particularmente sensíveis a um ensino mal ministrado, eles que precisamente necessitam de uma pedagogia de alta qualidade.

O Sr. Carvalho Conceição: - Muito bem!

O Orador: - É em tais alunos, pois, que a selecção opera as grandes ceifas (cf. ob. cit., p. 26), o que significa que para eles os cursos são mais longos, alongamento este incomportável com os recursos económicos dos pais - daí a grande percentagem de desistências nos alunos destas classes sociais. Temos, portanto, um sistema educativo que, em vez de estar ao serviço da justiça social, mantém e reforça as injustas desigualdades existentes entre filhos da mesma pátria; um sistema educativo que, em vez de ser agente de mobilidade social, é, pelo contrário, factor activo de imobilismo.