138 I SÉRIE - NÚMERO 6
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: a justificação do voto contra do MDP/CDE nesta votação final global da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas está dada pelas intervenções produzidas durante o debate na generalidade.
O nosso voto contra de então tem perfeita coerência com o voto contra de agora, pois que no essencial - na sua filosofia, na sua estrutura, nos seus mecanismos - a lei votada identifica-se com a proposta inicial do Governo.
Algumas melhorias introduziu a Comissão Parlamentar de Defesa Nacional na lei acabada de votar. Como sejam: a eliminação ou alteração de algumas das maiores violências quanto às restrições ao exercício dos direitos por militares; o tímido avanço que constitui a inclusão de um artigo sobre o acesso dos militares ao Provedor de Justiça; a confirmação do conceito estratégico de defesa nacional pelo CSDN (embora esvaziado pela composição do Conselho) e a possibilidade da discussão prévia das grandes opções deste conceito pela Assembleia da República; a clarificação de algumas competências da Assembleia da República; o esboço de funções do Comandante Supremo das Forças Armadas, cargo que compete ao Presidente da República; a rigorosa reprodução do texto constitucional quando a ele os artigos se reportam e ainda a eliminação da regulação dos regimes de estado de sítio e de emergência.
Todas as melhorias, como as que enumerei, contaram evidentemente com o apoio do MDP/CDE durante os trabalhos da Comissão de Defesa.
Mas os grandes princípios que deveriam balizar a lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, se no quadro das soluções da revisão constitucional já se configuravam inquinados, sofreram graves distorções com a lei maioritariamente votada agora pela Assembleia da República.
A subordinação das Forças Armadas ao poder político, que no quadro da presente realidade portuguesa, sempre defendemos que devia assentar num entrosamento entre os diferentes órgãos de soberania, ficou nesta lei concretizada por uma exagerada e perigosa-dependência do poder executivo. Durante o debate na generalidade falámos da governamentalização das Forças Armadas e da sua potencial instrumentalização partidária. O que se passou na Comissão de Defesa, pela votação na especialidade, foi um acentuar destas perigosas características.
No seio das Forças Armadas, recordados os militares bem vivamente do opróbio que para a instituição resultava dos mecanismos de submissão ao poder fascista e no seio da opinião pública, encontra-se generalizado este sentimento de que a submissão das Forças Armadas ao poder político deve passar pela adequada articulação de competência entre os órgãos de poder e pela mais larga concentração de pontos de vista.
Face a este sentimento, o Governo tem procurado - antes e ao longo de todo o processo de discussão na Assembleia da República - apresentar a sua proposta como obedecendo a uma filosofia de concertação institucional.
Mas a possibilidade de consensos alargados na definição e concretização da política de defesa nacional e nas formas de enquadramento da instituição militar, resultante de um princípio de concertação entre órgãos de soberania e forças políticas, não se encontra viabilizada no funcionamento das instituições e mecanismos que esta lei estabelece.
O princípio da co-responsabilização dos órgãos de soberania em relação às Forças Armadas, que uma efectiva concertação imporia, ficou na lei completamente subvertido. À co-responsabilização sobrepõe-se, particularmente quanto ao Presidente da República, o comprometimento aparente em decisões políticas determinadas pela vontade governamental.
A autonomia interna das Forças Armadas, no quadro da sua subordinação ao poder político e da inevitável restrição ao exercício de alguns direitos pelos cidadãos militares, é outro princípio que reputamos indissociável do apartidarismo das Forças Armadas e da estabilidade no seio da instituição militar.
A lei que a Assembleia aprovou não contém, nos diferentes vectores que condicionam esta matéria, instrumentos que concretizem tal princípio. Desde a nomeação à tutela constante pelo Governo e, especialmente, à malha de contactos que são preconizados, os chefes militares podem transformar-se gradualmente de homens de confiança política do governo em homens de acção partidária dos governantes, sem que em contrapartida se prevejam mecanismos participativos ao lado da linha de comando, salvo para efeitos consultivos em matéria de promoções. O princípio da autonomia interna, que entre os elementos das Forças Armadas deve intensificar o espirito de corpo, o espírito de sacrifício na missão individual, a noção do dever e verdadeiros sentimentos democráticos, está desvirtuado na exclusividade da linha hierárquica e numa concepção de militares como indivíduos civicamente descomprometidos, autómatos do cumprimento de ordens.
A estabilidade interna das Forças Armadas, outro princípio a respeitar ou objectivo a atingir numa lei das Forças Armadas, em nosso entender também não encontra favorável resposta nesta lei. À não interferência das Forças Armadas no funcionamento democrático das instituições políticas, deveriam estar associados factores de impedimento da transferência para o seio das Forças Armadas das sequelas de uma instabilidade político-partidária. Não é isso, porém, que ficou consagrado nesta lei. Como dissemos no debate na generalidade, os dispositivos e mecanismos que são enunciados como pretensas garantias da estabilidade da instituição militar, não são condicionantes, só valerão num quadro de estabilidade político-partidária. A estabilidade militar desenha-se, apenas, como sub-produto da estabilidade política envolvente.
Finalmente, o apartidarismo das Forças Armadas, de duvidosa garantia num futuro que resultasse de continuidade de um poder político com as características do actual, serve de pretexto, no artigo 31.º, para estrangular os direitos dos cidadãos militares, através de um enunciado de restrições que, em nossa opinião, nem respeita os condicionamentos do artigo 270.º da Constituição revista, na medida em que tais restrições ultrapassam largamente «a estrita medida das exigências das funções próprias dos militares».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante a discussão da revisão constitucional, insistimos no ponto de vista de que por detrás da submissão das forças armadas ao poder civil tão fortemente marcada no projecto de revisão e nas intervenções da AD estava a criação de mecanismos que viessem no tempo a permitir que as forças armadas se transformassem em apoio adicional do poder executivo. Assim como referimos também que a