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1108 I SÉRIE - NÚMERO 32

como e porquê nessa noite houve dezenas de feridos e duas mortes na baixa portuense; sobre como e porquê houve então no Porto uma noite de terror, com espancamentos brutais e tiroteio; sobre como e porquê a Polícia de Segurança Pública do Porto e o Corpo de Intervenção, sedeado em Lisboa, actuaram na ocasião; sobre como e porquê as comemorações do Dia Internacional do Trabalhador se transformaram num luto neste Portugal saído do 25 de Abril, onde as liberdades dos cidadãos têm de ser respeitadas e o direito à vida é um valor legal e, antes de tudo, um valor moral inscrito na consciência dos portugueses.
Como e porquê foram possíveis acontecimentos de tal gravidade? Perante estas perguntas - que punham em causa o próprio Governo e particularmente o Ministro da Administração Interna, responsável pela ordem e tranquilidade públicas, perante versões contraditórias, que delas logo surgiram, e notícias e boatos diversos, impunha-se que os factos fossem averiguados. E esta averiguação era tanto mais necessária quanto é certo que o Ministro da Administração Interna, que era parte no conflito e, portanto, suspeito, não se coibiu de apresentar logo uma versão dos acontecimentos tendenciosa, que aliás mais tarde teve de reconhecer como falsa, como assente em «informações deficientes», segundo as suas próprias palavras.
Perante esta necessidade de averiguações objectivas, unanimemente sentida e reclamada quer pelos cidadãos quer pelos órgãos de soberania com responsabilidades políticas, o Governo pediu à Procuradoria-Geral da República que procedesse a um inquérito. Com isto se deu uma primeira satisfação ao País: - uma autoridade isenta iria averiguar os factos e esclarecer as responsabilidades daqueles que directamente estiveram neles envolvidos.
Havia, porém, outras responsabilidades a esclarecer. Era necessário esclarecer as responsabilidades políticas que, porventura, tivessem determinado, propiciado, facilitado os acontecimentos sangrentos do Porto. Qual a responsabilidade política do Governo e, em especial, do Ministro da Administração Interna naquilo que se passara? Qual a responsabilidade do Governador Civil do Porto? Que ordens foram dadas à polícia para aquela ocasião? Que orientações são dadas à polícia para garantir a ordem pública? Como são recrutados e instruídos os agentes policiais para defenderem a tranquilidade pública com respeito pelas liberdades e direitos dos cidadãos e os demais valores de um Estado democrático?
Aquilo que se passara no Porto e outros factos que já anteriormente tinham alarmado a população e que indiciavam graves vícios e lacunas na actuação e preparação das forças policiais justificavam plenamente que a Assembleia da República, no uso dos seus poderes e competências de fiscalização dos actos do Governo e da administração, se tivesse determinado, em face dos gravíssimos acontecimentos do Porto, a efectuar um inquérito parlamentar susceptível de esclarecer toda a magna questão política da ordem pública e do modo de a defender num regime democrático.
Infelizmente, a maioria recusou-o, quando então foi requerido, na sequência das violências e assassínios cometidos na «baixa» portuense. E recusou-o, como estamos lembrados, com o falso argumento de que, estando a Procuradoria-Geral da República encarregada de um inquérito, não só se não devia fazer outro que dizia ser paralelo, como ainda de que, feito este, tudo se esclareceria perante os órgãos de soberania e o povo português - pois os seus resultados seriam imediatamente divulgados.
Recordo as palavras que aqui proferiu o Ministro da Administração Interna, em 21 de Maio passado, sobre a divulgação do inquérito da Procuradoria-Geral da República: «Não só o inquérito será divulgado... quando estiver concluído, como as questões que eventualmente aí possam ser explicitadas e que envolvam questões de natureza disciplinar ou criminal serão accionadas em concorrência. Essa é a minha responsabilidade política perante o Parlamento, perante, o próprio Governo, perante a opinião pública». Porém, terminado o inquérito, o que se passou?
Como toda a gente sabe, o inquérito terminou há muitos meses e as suas conclusões não foram divulgadas, pois ninguém pode, razoavelmente, considerar que a «nota oficiosa», publicada em 21 de Agosto, possa considerar-se como uma divulgação fidedigna dessas conclusões. Pelo contrário, se tivermos em conta aquilo que, sem desmentido do Governo ou da Procuradoria-Geral da República, diversos órgãos de informação têm dito serem as verdadeiras conclusões do inquérito, essa «nota oficiosa» não foi senão um artifício destinado precisamente a esconder as conclusões do inquérito, a enganar a opinião pública quanto ao que se passou na noite de 30 de Abril para l de Maio, encobrindo e desviando a atenção dos seus responsáveis e sugerindo até que eles são outros. Mas não só. Essa «nota oficiosa» foi também um artifício preparado e destinado a justificar posteriores atitudes de desrespeito a esta Assembleia, aos seus poderes e às suas competências, atitudes que se têm concretizado na recusa de lhe dar a conhecer o teor do inquérito efectuado pela Procuradoria-Geral da República.
É disse exemplo claro, além do mais, o que se passou na sessão de perguntas ao Governo, efectuada em 19 de Novembro passado, na qual o Ministro da Administração Interna, respondendo a questões que lhe foram postas por deputados do PCP e da UEDS, se negou uma vez mais a divulgar o relatório e declarou já ter tornado público, através dessa «nota oficiosa», o que lhe era possível dar a conhecer do seu teor, atentos os pareceres sobre o chamado «segredo da Justiça» emitidos pela Procuradoria-Geral da República.
Por estes caminhos ínvios, a actual maioria e o Governo tentam bloquear o exercício da competência de fiscalização dos actos do governo por esta Assembleia. Primeiro recusam-lhe a constituição de uma Comissão de Inquérito aos acontecimentos do 1.º de Maio porque já havia sido cometida à Procuradoria-Geral da República a incumbência de o fazer. Depois, feito este, o seu teor não lhe é dado a conhecer porque isso poria em causa o segredo de justiça em que se encontram as investigações criminais da Polícia Judiciária e os processos disciplinares ordenados pelo Comando-Geral da PSP, em consequência de tais acontecimentos.
À Assembleia da República e à opinião pública, o Ministro da Administração Interna fornece-lhes somente a «nota oficiosa» que elaborou, escondendo factos e responsabilidades, sugerindo culpados ao arrepio das conclusões divulgadas pela imprensa, escamoteando afirmações gravíssimas vindas já a lume como as de que existem fortes indícios que o calibre 7,65 (das balas que provocaram as duas mortes) era exclusivamente usado pelos graduados, comandantes de pelotão e de secção, do Corpo de Intervenção, com fortes suspeitas de num caso o seu autor pertencer ao 1.º pelotão; que o comandante