12 DE JANEIRO DE 1983 1115
uma vez requeridos, entregará esses relatórios e em Novembro dizer que eles são de âmbito interno?
Por outro lado, aquando do requerimento de inquérito apresentado pela UEDS, processou-se nesta Câmara um debate, com um mínimo de interesse, precisamente sobre quais as funções da Assembleia da República no quadro constitucional, quais as possibilidades que ela teria de fiscalizar os actos do Governo em toda a sua extensão e ainda qual a distinção que deveria fazer-se entre um inquérito de natureza política -da competência desta Câmara- e aquilo que estava, digamos assim, cometido à Procuradoria-Geral da República.
Nesse debate, o Partido Socialista tomou uma posição clara, que foi a de não tomar partido sobre os acontecimentos, mas antes tomar partido, veemente e peremptório, sobre aquilo que seria e deveria ser entendido como a competência constitucional normal da Assembleia da República e a impossibilidade de esta ser posta à margem daquilo que era facto de manifesta importância na vida democrática em Portugal, a relação entre os cidadãos e a polícia, e sobre a questão muitíssimo grave e importante da ordem pública, entendida no seu sentido mais amplo.
Nessa altura, depois de o debate se ter processado, apraz-me registar não só as intervenções no debate do Sr. Deputado Sousa Tavares - e que VV. Ex.as poderão reler no Diário da Assembleia da República, n.º 90, de 21 de Maio de 1982-, mas sobretudo a declaração de voto do PSD, formulada também pelo mesmo Sr. Deputado. E aí claramente se diz aquilo que me parecia da maior importância para o dia de hoje - e que me dispenso de ler, pois está a p. 3760, daquele mesmo Diário-, e que era a disponibilidade do PSD para se pronunciar politicamente sobre a validade de um inquérito desse tipo, uma vez concluído o relatório da Procuradoria-Geral da República. Está no Diário e é uma posição que, embora dela discordássemos na altura, pudemos perceber em tudo aquilo que não poderia eventualmente representar: uma diminuição das prerrogativas desta Assembleia. Por outro lado, tratava-se de uma afirmação clara e peremptória de disponibilidade do PSD -pelo seu porta-voz que fez a declaração de voto- para a deliberação sobre o inquérito, uma vez concluída a tarefa da Procuradoria-Geral da República.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos confrontados com esta coisa verdadeiramente espantosa: em termos de puro funcionamento democrático das instituições - e não é por acaso que isto volta a repetir-se-, o assunto tem, para além do estrito problema dos acontecimentos do 1.º de Maio, uma importância extremamente grave.
Temos o Ministro da Administração Interna que diz que dará à Assembleia os relatórios que tem, logo que requeridos. Foi requerido o envio desses elementos e os relatórios passaram a ser internos.
Temos a disponibilidade do principal partido da maioria, se é que ainda existe - a maioria claro, pois o partido existe, com certeza! -, no sentido da abertura que, a meu ver, e lidas essas declarações, é total para uma deliberação política relativamente a esse inquérito potencial, uma vez terminado o relatório da Procuradoria-Geral da República.
Terceiro e último ponto: temos esse relatório e defrontamo-nos com este caso verdadeiramente ímpar - e não vejo que isto fosse possível em qualquer outro regime democrático, em qualquer outro país da tradição democrática ocidental- qual seja o de haver um relatório que é feito por uma entidade acima de toda e qualquer suspeita, como foi consenso unânime nesta Câmara, e, logo a seguir à sua conclusão, o ter-se dado o facto verdadeiramente espantoso de o Sr. Ministro da Administração Interna fazer glosa pública de partes desse relatório sem ter tido a ombridade de o pôr à discussão pública. Aliás, se o não pudesse fazer, pelo menos deveria tê-lo enviado, nem que fosse sob a qualificação de secreto, aos grupos parlamentares desta Assembleia ou, pelo menos, ao seu Presidente, pois a isso se comprometeu.
Todas as intervenções aqui feitas foram no sentido de dar a liberdade possível, sem qualquer ingerência, ao trabalho da Procuradoria-Geral da República. Porém, não houve a intenção de dizer que esta Assembleia é, afinal, a Câmara política de representação nacional, que tem que estar necessária e completamente afastada de tudo o que são decisões, de tudo o que são as grandes questões - não só relativas aos acontecimentos em causa que já de si eram graves e importantes, mas de tudo aquilo que se pode pôr em torno desses mesmos acontecimentos e que releva da importante e decisiva matéria da ordem democrática.
E, Sr. Presidente, não estou disposto -e penso que ninguém o estará ou deverá estar- a pactuar com aquilo a que chamo a degradação sucessiva da Assembleia da República. Não podemos assistir impávida e serenamente a 2 discursos, a 2 opções: a de considerar-se que esta Assembleia é um conjunto agradável e simpático de 250 deputados, onde de uma vez se diz uma coisa, depois se diz outra, sendo a impunidade governamental total nesta matéria - e isto qualquer que seja o governo, qualquer que seja a maioria que esteja no poder. Não é possível, em termos de dignificação das instituições democráticas, que esta Assembleia seja posta a ridículo em matéria de tal importância, sobretudo quando se espera da instituição parlamentar uma resposta coerente, hábil e directa no ataque à crise que a todos deve responsabilizar.
Neste sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é absolutamente indispensável que, de uma vez por todas, o Partido Social Democrata -que teve a atitude que todos conhecemos e que eu já elogiei, interpretando esse elogio em termos hábeis, na sessão de 21 de Maio de 1982, - diga a esta Câmara se, para além da discussão meramente formal sobre o parágrafo final da proposta de resolução do Partido Comunista Português, está ou não está disposto a inquirir, uma vez terminado o relatório da Procuradoria-Geral da República, tudo quanto diga respeito à dignificação democrática e à ordem pública neste país, e se, portanto, está ou não disposto, a associar-se àquilo que é, naturalmente, uma investigação, um inquérito parlamentar importante, sem qualquer demagogia, como necessidade democrática que se põe a todos nós. Esta é uma resposta fundamental.
Nesse sentido, penso que já vai sendo altura de não perdermos o nosso tempo, o do país e o do orçamento em torno de questões formais sobre propostas de requerimento ou de resolução. E se, de facto, consideramos este assunto como entendo que o devemos fazer, como questão de grande importância, qualquer que seja o futuro aproveitamento que dele se possa fazer, não discutamos, então, a questão formal do tipo A ou do tipo B da resolução. Converjamos no sentido de encontrar a resolução possível para restabelecer o prestígio desta Assembleia e a sua necessária função de fisca-