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28 DE JANEIRO DE 1983 1365

Não há dúvida de que há muito se impõe no nosso pais a aprovação de uma lei clara que tome finalmente possível a transparência sobre a situação financeira quer do Presidente da República, como de ministros, deputados e de outras entidades previstas no vosso projecto de lei.
O prestígio do regime democrático necessita de iniciativas legislativas como esta. O povo português tem de possuir garantias de que os seus eleitos e outros altos funcionários e titulares de cargos públicos procedem em todos os seus actos com toda a limpidez. O povo português tem o direito de ser informado sobre a vida financeira dos que exercem cargos políticos e pela nossa parte nada receamos.
Contudo, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, julgo que a lei poderia talvez ser melhorada e neste sentido pedia-lhe dois esclarecimentos.
Não julga V. Ex.ª que seria de integrar no artigo 5.º, na lista das personalidades abrangidas no projecto, os presidentes das Câmaras de todo o País e o presidente do Supremo Tribunal Administrativo?
Finalmente, na proposta de alteração que agora me chegou à mão VV. Ex.ªs dizem:
Estas declarações serão arquivadas no Tribunal Constitucional e a elas terão acesso quaisquer cidadãos que devidamente justifiquem o seu interesse.
Ora eu gostava de saber como é que os cidadãos podem justificar esse seu interesse. Basta lá chegar e dizer: «eu quero ver o que é que o deputado do MDP/CDE, fulano de tal, tem», ou tem de apresentar um outro formulário qualquer? É tudo, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia, também para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - Sr. Deputado, fala-se muito em corrupção, com ou sem fundamento, mas fala-se.
A transparência da situação financeira dos titulares dos cargos políticos tem uma função moral numa sociedade em que a desconfiança se instalou, agravando a crise moral que, em meu entender, é bem mais perigosa do que a crise económica.
Dou, pois, o meu apoio ao projecto de lei em causa. Mas, no seu preâmbulo, leio que a opinião pública tem o direito de saber o mínimo imprescindível sobre a vida privada dos que exercem cargos políticos.
Sendo isto aceitável no aspecto da posse de bens materiais, não acha o Sr. Deputado que semelhante redacção pode dar lugar a que por vida privada se entenda a vida íntima dos titulares dos cargos políticos, que deve ser indevassável como tudo o que sagradamente diz respeito à intimidade dos indivíduos, mesmo quando personalidades políticas?
Aceita o Sr. Deputado a minha sugestão em especificar que esse conhecimento mínimo da vida privada dos que exercem cargos políticos se refira exclusivamente à situação financeira?

O Sr. Presidente: - Finalmente, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, devo dizer que esta sua intervenção foi uma lufada de ar fresco, da qual, aliás, só ouvi a parte final, e
contém um princípio que considero imprescindível numa sociedade normalizada, que queira viver sob as regras e sob a égide dos princípios democráticos.
Os titulares dos cargos públicos, sejam eles quais forem, não podem ter uma noção, que seria indevida, de possidência institucional ou patrimonial em relação aos cargos e ao poder que ocupam. Este é necessariamente transitório.
Consequentemente, uma lei determinada por estas razões e com esta intencionalidade é uma premência para a vida nacional, não em razão da conjuntura imediata e próxima, mas por imperativos de princípios e objectivos que são indeclináveis na nossa vivência e nos nossos objectivos essenciais.
Colocaria apenas uma ligeira dúvida quanto à necessária demarcação das fronteiras entre a privacidade que é devassável, enquanto se refira ao espaço patrimonial, e aquilo que realmente deva ter de resguardo personalizado e, portanto, necessariamente restringido em função da dignidade que toda a pessoa, seja qual for o cargo que ocupe, deve ter.
Neste aspecto não poria a restrição que o Sr. Deputado e meu querido amigo Borges de Carvalho aqui pôs. Considero que esta problemática não tem nada a ver com aquela que poderão propor o artigos 13.º e 26.º da Constituição. Trata-se, na verdade, de um princípio fundamental que nem teria de estar consignado na Constituição, já que a defesa da incolumidade da vida privada é um núcleo essencial da cidadania.
Colocaria, pois, este pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e diria, em remate, que quanto ao que o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca aqui disse - com o que, fundamentalmente, estou de acordo - apenas manifesto o meu protesto, sem prejuízo de uma concordância quanto ao demais, no que se refere à inclusão, no elenco, do presidente do Supremo Tribunal Administrativo.
Trata-se de um órgão judicial; tem de estar isento de qualquer controle deste tipo.
Os controles são feitos por outra via, por outros canais. Os juizes não são titulares de cargos políticos. Nem todos os titulares de órgãos de soberania exercem funções políticas.
Tem sido um defeito que tem viciado determinadas atitudes desta Assembleia a confusão entre os cargos políticos com natureza pública e os cargos públicos que têm natureza política.
Os tribunais judiciais ou equiparados não são órgãos políticos. Assim, terão de estar isentos de uma possível devassa; esta, nos termos expostos, tem de ser restringida aos cargos políticos.
Em substância, manifesto, pois, uma total conformidade, uma total concordância, com o espírito do projecto de lei, mas faço-lhe os reparos que brevemente aqui elenquei.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, permitir-me-ia lembrar-lhe uma passagem duma ode horaciana que V. Ex.ª certamente bem conhece e de onde extraí a lição de que «até Homero dormita».
Pois se «até Homero dormita», como não hão-de dormitar os superdeputados por V. Ex.ª designados?
Só que, neste caso - e felizmente para os modestos