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4 DE FEVEREIRO DE 1983 1425

Mas não poderia o Governo formular a proposta que formulou? Duvidar do sim, é duvidar do não.
O caso é este: ou nos situamos no âmbito da Constituição revista ou no âmbito da Constituição antes de o ter sido.
A Constituição revista esclarece que «as propostas de lei caducam com a demissão do Governo ou... com o termo da respectiva legislatura».
Daí este raciocínio: se caducam com a demissão as propostas pendentes, por analogia, senão por maioria de razão, não devem ser lícitas novas propostas oriundas de governo já demitido.
É, reconheça-se, uma analogia forçada. Em qualquer caso uma proibição analógica, não uma proibição expressa. E não é, em todo o caso, a mesma coisa.
Mas acontece que a lei de revisão introduziu estas novidades: a dissolução da Assembleia não prejudica a subsistência do mandato dos deputados; a dissolução da Assembleia não prejudica a competência da Comissão Permanente da Assembleia, a qual funciona durante o período em que ela se encontrar dissolvida; compete à Comissão Permanente promover a convocação da Assembleia sempre que tal seja necessário, sem nenhuma outra restrição.
Isto por um lado. Se for necessário, é no mínimo defensável, embora com dúvidas, que pode ser convocada a Assembleia na pendência da sua própria dissolução!
O legislador sobrepôs aqui a jurisprudência dos interesses ao rigor dos conceitos.
Por outro lado, disse-se de novo que, após a sua demissão, o Governo se limitará à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos.
O que sejam actos estritamente necessários a essa gestão, a Constituição não diz. Nem tinha de dizer. Nem convinha que dissesse. Também aqui a elasticidade dos conceitos foi preferida, e devia tê-lo sido, como foi, à sua rigidez. Uma vez mais o legislador sobrepôs a consideração do interesse nacional às exigências da lógica jurídica.
E assim, o facto de se dizer que caducam com a demissão do Governo as propostas de lei pendentes não significará necessariamente que o Governo demitido não possa apresentar novas propostas, se as leis que propõe puderem ser julgadas necessárias à gestão dos negócios públicos!
Uma lei de orçamento é?
Eu propenderia a pensar que o é mais do que nenhuma outra. Se o Governo, apesar de demitido, tem de assegurar a gestão dos negócios públicos, que acto mais necessário a essa gestão do que o instrumento que rege a própria gestão no seu conjunto?
Dir-se-á: e não chegaria o regime dos duodécimos? No caso presente só com elevados custos previsionais. Meio ano a poupar a inflação do ano findo e a perder metade do aumento do previsto reforço de receitas para custear o défice programado só com muita ginástica, muito sacrifício generalizado e muito arbítrio - aliás perigoso - na gestão duodecimal se poderia evitar um agravamento da crise ainda mais penoso do que o que fatalmente nos advirá de sermos governados por este governo.
E antes da revisão? Antes dela as propostas de lei só caducavam com a exoneração do Governo (bem como as autorizações legislativas), sendo hoje constitucionalmente claro, como, para mim, já doutrinariamente o era, que demissão e exoneração são conceitos diversos,
com efeitos diferentes, coincidindo a exoneração com a cessação de funções.
É hoje claro que o Governo, apesar de já demitido, ainda não foi exonerado e só o será no acto de posse do governo que o substituir.
Mas a que vem tudo isto? Não nos regemos então pela Constituição revista?
Neste domínio é duvidoso que assim seja. Vimos que esta é a última proposta de lei do Orçamento elaborada e apresentada pelo Governo, ao abrigo de uma disposição transitória. Mas, se assim é, parece que o regime de transição deveria cobrir o da validade da proposta em tempo apresentada pelo Governo, visto que o foi a coberto daquela mesma disposição! Tanto mais que a regra transitória não mantém em vigor qualquer norma em concreto, mas as normas legais sobre o regime de elaboração e aprovação do Orçamento. Todo ele.
Não é preciso nenhum entorse interpretativo. A proposta foi apresentada como se vigorasse a Constituição antes de revista. Deve ter a validade e o regime de caducidade que tinham antes da revisão. Isto é, só caducará com a exoneração do Governo. E o Governo, repito, ainda não foi exonerado!

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Isso sim!

O Orador: - É claro que não foi este o entendimento implicitamente aceite, inclusive, pelo meu partido e, numa primeira fase, por mim próprio. Talvez tenha sido pena. Era possível, como se vê, defender a não caducidade da proposta de Orçamento originariamente apresentada por este Governo.
Tudo a reforçar, por conseguinte, a patriótica tranquilidade de espírito com que o meu grupo parlamentar se absteve de tentar opor empecilhos formais ao percurso constitucional da presente proposta subsequente à sua apresentação e admissão.
Até porque cumpre não o esquecer vêm aí as eleições, provavelmente outra maioria, outra política, outra visão das coisas, e o orçamento que esta maioria aprove poderá, oportunamente, ser revisto e, naturalmente, virá a sê-lo.
Os seus defeitos pontuais poderão, assim, revestir-se da provisoriedade dos seus autores.
Cabe aqui lembrar que todas estas perplexidades e vicissitudes teriam sido evitadas se o actual Primeiro-Ministro não fosse tão eleitoralista que se eximisse a fazer discutir a proposta original do Governo antes das últimas eleições, nem tão falho de uma visão de Estado que corresse a demitir-se sem essa elementar precaução.
Ficará sempre como supremo mistério desta legislatura o irresistível motivo que terá levado o Primeiro-Ministro a demitir-se uma semana antes, e não uma semana depois, já que uma semana bastava para serenamente se discutir e votar a tão necessária lei do Orçamento!
Que comboio ia ele tomar? Que febre o atormentava? Que coceira lhe mordia?

Risos.

Aparentemente regressava de uma bem sucedida visita à Casa Branca. O País e a política seguiam a rotina do seu desencanto. E seja era seguro que o Primeiro-Ministro, ao dizer adeus, não deixaria saudades, nenhum de nós nem mesmo o Sr. Deputado Tomé!- fazia questão em o não suportar por mais uns dias!...