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14 DE DEZEMBRO DE 1984

• Hoje, Portugal gasta cerca de 0,3 % do seu produto interno bruto em despesas de investigações e desenvolvimento, enquanto que a maior parte dos países europeus do nosso nível cultural e científico gastam 1 % ou 1,5 %.
Estamos com um valor 5 vezes inferior, em termos de ponderação, e, mesmo face àquilo que gastamos, o grau de improdutividade é assustador. Portugal e o Governo carecem, se quiserem ser consequentes com uma política de defesa nacional, de estudar, deliberar e apresentar uma política de ciência e tecnologia nacional. E essa é a responsabilidade do Estado, porque é a conjugação de interesses que sobretudo se perfilam no âmbito do próprio Estado, já que muitas dessas despesas são da sua própria competência e não podem ser assumidas por outrem, quer directa quer indirectamente.
Resta-nos falar das duas últimas políticas, que respeitam ao «como nos defendemos»; refiro-me à política externa e à política da defesa militar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal tem 3 fronteiras, fronteiras essas não só geográficas mas também históricas, políticas e culturais.
A nossa primeira fronteira é a Europa, a segunda é o Atlântico Norte e a terceira é a África. Não valorizo uma em detrimento de outras e por isso não as coloco por ordem cronológica de importância.
A fronteira europeia é uma fronteira à qual nós nunca ligámos muito. Nunca na história portuguesa a fronteira europeia foi importante, a não ser no período da consolidação da própria nacionalidade. Foi o primeiro período, em que tínhamos uma política de defesa, um conceito estratégico de defesa nacional, que, curiosamente, nos séculos XII e XIII, recebeu fortíssimas induções exteriores. É o período de as Cruzadas pararem em Portugal e povoarem o nosso país.

Da Europa, hoje, queremos partilhar o modelo cultural e de vida, mas temos de renegar e de destruir dois conceitos que porventura possam ocorrer no nosso seio sobre a Europa. O primeiro é o de que precisamos da Europa como uma álibi, isto é, de que precisamos da nossa inserção na Comunidade Económica Europeia para fazer aplicar em Portugal aquilo que o poder político não tem coragem, de er si e sem necessidade de recorrer à CEE, de aplicar. É uma necessidade que Portugal tem de, se quiser aderir, o fazer nos termos em que o deseja e não recorrendo à nossa eventual negociação com a CEE como pretexto para alterar regras internas de organização nacional.

A segunda ideia que temos de evitar em Portugal é a ideia de que a Europa vai ser o nosso tutor, isto é - perdoem-me se num debate tão elevado cito uma frase tão menor -, verifica-se quase a situação daquele filho que não trabalha, mas que, como é muito gastador, vai pedir ao pai que continue a financiar as suas extravagâncias e a sua incapacidade de produzir. Portugal não pode ter da Europa a ideia de um tutor que vai pagar a nossa incapacidade de nos organizarmos, de nos sustentarmos e de sermos maiores e adultos. A Europa é uma parceria e não uma tutoria, e recusar esta perspectiva é vital, porque no dia em que nos pusermos, eventualmente, em consonância total com esta pré-condição, estão criadas as condições em Portugal para o surgimento de anticorpos em relação a esta mesma postura. A primeira fronteira é necessária e desejável.
A segunda fronteira portuguesa é o Atlântico Norte. 0 parceiro mais sólido e mais importante na nossa

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fronteira do Atlântico Norte são os Estados Unidos da América do Norte. Portugal partilha com os Estados Unidos valores conjuntos, comuns, de solidariedade, de amizade e de cooperação. Os Estados Unidos receberam, recebem e receberão várias dezenas de milhar de emigrantes portugueses, mas temos, todavia, de ter uma precaução política mínima nesta relação atlântica.
Se nós tivermos as doutrinas Truman e as doutrinas Brejnev como aceitáveis do ponto de vista de cada uma das superpotências, mais, se as aceitarmos na perspectiva de que cada uma delas pode ver algumas regiões, como as suas defesas avançadas, Portugal não pode aceitar a perspectiva de a Região Autónoma dos Açores ser meramente concebida como zona avançada da defesa dos Estados Unidos da América. A Região Autónoma dos Açores faz parte do triângulo estratégico português, faz parte da afirmação da soberania nacional, provou-o no passado, no período mais difícil da nossa história - o filipino -, e o reconhecimento da nacionalidade e do interesse nacional obriga a que no plano político, e ao menos como visão simbólica e emblemática, os Açores figurem, em termos dos subcomandos do SACLANT, como parte do IBERLAND e não como parte do WEST-IBERLAND. 15to é o mínimo que é necessário pedir, de modo que não haja coincidências entre o nosso triângulo estratégico e a visão que da NATO se tem sobre ele. Ai de nós quando abdicarmos da nossa própria capacidade autonómica e soberana de afirmar um princípio nacional elementar na organização dos subcomandos do SACLANT.

A nossa terceira fronteira é a da África e do Atlântico Sul. Partilhámos no Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé, Guiné, Cabo Verde, muitos séculos de convivência com povos autóctones. Hoje, celebramos a sua independência e a sua autodeterminação, mas, naturalmente, isso não afasta a capacidade portuguesa de uma relação privilegiada com esses povos. Portugal tem obrigações éticas, políticas e humanas e até, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fortíssimas influências culturais, que de cá para lá e de lá para cá são mutuamente referenciáveis e visíveis.
Há uma osmose cultural nos últimos decénios da história portuguesa, de Portugal para África ou para a América do Sul, entretanto para o Brasil e deles para nós. Não assumimos nem podemos assumir papel paternalista ou neocolonialista, nem pode Portugal, no domínio da política externa, prefigurar-se como agente de transmissão ou correia de forças de outros interesses, sejam eles de quem forem, junto desses países. Esses países fazem parte da nossa relação primária política, no âmbito da autonomia do Estado e do reforço da sociedade portuguesa, e por isso não é legítimo nem coerente que nós nos afirmemos, da parte deles, como interlocutores privilegiados perante outrem. Se o formos, que sejam esses países a dizê-lo, e nunca nós a querermos afirmar-nos como tal. Só assim preservaremos, numa relação estável, normal e equilibrada, aquilo que corresponde a um mínimo de fundamento do nosso Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
No plano prático, Sr. Presidente e Srs. Deputados, era urgente que o Governo revisse as verbas afectas à cooperação com os países de língua portuguesa. Elas correspondem a uma necessidade vital da afirmação de Portugal e desses mesmos países, e por isso será fundamental, seria mesmo necessário em algumas áreas, que sacrificássemos algum consumo nacional a troco de uma relação privilegiada nesses domínios.