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21 DE DEZEMBRO DE 1984 1259

formas várias de recurso, sempre na mira de ver morrer a justiça às mãos de um formalismo que o cidadão comum, nomeadamente o que recorre à assistência judiciária, não entende.
Não admira, por isso, que a representação social da justiça, no plano interno, seja claramente vincada nos aspectos negativos apontados pelos cidadãos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Nem admira que, a nível internacional, a nossa justiça tenha já sido caracterizada como morosa e por isso mesmo condenada. E que, consciente da urgência na alteração desta imagem, o Conselho Superior da Magistratura, por ofício datado de 24 de Julho do corrente ano e dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, tivesse salientado a urgência na aprovação das reformas processuais com vista à normalização do funcionamento das instituições judiciárias.
Mas a Assembleia desconhece o que o Governo prepara em relação à organização judiciária e está arredada da preparação das reformas processuais.
Hoje, o que tão-somente se discute são diplomas que, embora importantes, representam apenas uma parte de uma questão complexa. Salientando-se que não faz sentido a discussão de 2 diplomas tão intimamente ligados à organização judiciária sem que esta seja também discutida.
Assim que estamos hoje a discutir, numa revisão atrasada das leis em vigor, apenas uma parcela do problema e que para mais só aparentemente poderá apresentar-se como resposta aos imperativos constitucionais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E como revisão fragmentária que é, não dá resposta às justas inquietações dos magistrados, sobre os quais se pode querer fazer recair o labéu de uma justiça insuficiente e imperfeita, quando, como se viu, disso não podem ser responsabilizados.
Por outro lado, como resposta afrontando os princípios constitucionais, traz em si soluções inadmissíveis.
A proposta de lei relativa ao estatuto dos magistrados judiciais comporta, em si, restrições à independência dos magistrados e introduz novos elementos da instabilidade. Referimo-nos, concretamente, ao artigo 34.º da proposta.
Segundo este dispositivo, um juiz, ainda que competente profissionalmente, pode ser considerado inadequado ou inadaptado para a exercer em determinado tribunal. E, a ser assim, é convidado a pedir a transferência ou então arrostará com um processo que, como se adivinha, conduzirá a essa transferência.
Não haverá quem entenda inadequado um juiz que tenha, por exemplo, absolvido trabalhadores da reforma agrária ou que tenha absolvido dirigentes sindicais presos à porta do Sr. Primeiro-Ministro?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Bem perguntado!

A Oradora: - Esse juiz não correrá, pelo menos, o grave risco de ser considerado inadequado para exercer a função de magistrado naquele tribunal, e ei-lo de abalada até local onde não haja cheiro de reforma agrária ou de activistas sindicais?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa pergunta!

A Oradora: - Onde está, Srs. Deputados, a independência dos juízes? Aliás, a proposta não se fica por aí e, mesmo nos critérios para a classificação dos magistrados, introduz elementos de sentido dúbio, como a idoneidade cívica, cuja maleabilidade se presta a discriminações mesmo de cariz político. Ou, pelo menos, constitui uma ameaça à independência nas convicções.
Este não é um quadro adequado à magistratura renovada que temos.
Será o quadro adequado a este Governo, que não se coíbe de amarrar juízes de instrução à própria organização da segurança contra o denominado inimigo interno.
Mas não é, seguramente, o quadro adequado ao poder judicial num sistema democrático fixado na Constituição.
Constituição que o Governo também aqui não respeita, nomeadamente quanto ao acesso aos tribunais da relação e ao Supremo Tribunal de Justiça. Nomeadamente porque, estabelecendo a Constituição, para o acesso a estes tribunais, um concurso curricular com prevalência do critério do mérito, a proposta acaba por defraudar este princípio.
De facto, do concurso curricular, com a aprovação da proposta, apenas restará o nome.
Não há apreciação por um júri do currículo dos candidatos.
Para os candidatos ao acesso do tribunal da relação, há uma mera seriação administrativa segundo a classificação de serviço e a antiguidade. Acresce que uma em cada duas vagas é preenchida pelo juiz de direito mais antigo!
Aqui está como se defrauda um princípio constitucional.
O mesmo acontece no acesso ao STJ. O estabelecimento de quotas de preenchimento leva ao afastamento do critério da prevalência do mérito, fixado na lei fundamental.
Mais ainda: no confronto com a Constituição, tem de atentar-se que esta estabelece quanto aos vogais do CSM uma minoria de juízes. A proposta consegue defraudar este princípio, criando um conselho permanente, ao qual atribui uma grande parte das funções que a Constituição atribuiu ao Conselho Superior da Magistratura e atribuindo o cargo de vogais a uma maioria diferente da que a Constituição prevê.
Não terminaremos a breve análise das tropelias da proposta (e muitas ficam ainda por relatar) sem referirmos (mesmo sem termos presente a anunciada proposta sobre organização judiciária) que se podem dar como certos novos estrangulamentos no funcionamento dos tribunais.
E isso resulta para já, e de uma forma clara, da restauração de três classes de comarcas, contra o sistema actualmente vigente das comarcas de ingresso e de acesso.
Agora, acrescenta-se mais uma categoria: a comarca de acesso final.
Mas já se pensou como isto irá dificultar o preenchimento de vagas, dificultar a gestão do quadro (já tão parco) de juízes existentes?