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16 DE JANEIRO DE 1985

A inexistência duma lei que defina o Estatuto de Objector de Consciência e o processo da sua outorga, a ausência de um serviço que constitua alternativa ao serviço militar, e a própria facilidade com que o cidadão pode ser considerado objector de consciência, estarão seguramente na base dum aumento substancial daqueles que se vêm declarando objectores.
Bastará referir, a este propósito, e de acordo com elementos fornecidos pelo Sr. Secretário de Estado da Defesa, que o número de objectores foi em 1976 de 1, em 1977 de 134, em 1978 de 221, em 1979 de 386, em 1980 de 791, em 1981 de 2630, e em 1982 de 3524.
Corre-se até o risco de se generalizar a noção de que muitos dos que se declaram objectores o façam por mero oportunismo, aproveitando as condições que têm vindo a perdurar para se furtarem à prestação do serviço militar, com a inerente incomodidade, havendo até quem cite, inclusivamente, a inexistência de estruturas lucrativas que prestam os seus serviços no sentido de eximir os cidadãos ao cumprimento dos respectivos deveres militares.
Por tudo isto é urgente legislar nesta matéria, pelo que nos congratulamos com este debate, enquanto tentativa para se atingir um adequado Estatuto do Objector de Consciência.
Consideramos até que o Governo, e a maioria, não poderiam ter deixado de suscitar mais cedo, bastante mais cedo até, o desencadear do presente processo legislativo, cuja urgência fundamentámos previamente, nomeadamente quando o Sr. Ministro da Defesa encontrou todo o caminho desbravado, e o diploma já pronto, facto facilmente comprovável pela comparação dos textos das propostas de lei n.º 74/II e 61/III.
Não se entende assim um atraso de tantos meses, pelo que não podemos deixar de atribuir ao Governo a responsabilidade pelo incumprimento do prazo previsto no artigo 73.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, para além da responsabilidade de, por falta de regulamentação, condescender com o oportunismo daqueles que se têm vindo a aproveitar das condições existentes.
E também não se entende fazendo, aliás, nossos os argumentos do então deputado António Vitorino, registados no Diário da Assembleia da República, de 12 de Dezembro de 1981, que se não legisle concomitantemente sobre o Estatuto do Objector de Consciência e sobre o regime do serviço militar.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A consagração na ordem jurídica portuguesa do direito à objecção de consciência radica numa perspectiva eminentemente personalista, correspondendo à afirmação do primado e da autonomia da pessoa humana.
Desde o início do século XX, aliás, que se tem generalizado, no contexto das democracias ocidentais, a tendência para se atribuir um estatuto próprio ao objector de consciência.
O que corresponde ao reconhecimento da existência de cidadãos que por sérias e sinceras razões de ordem religiosa, moral ou filosófica, entendem que lhes não é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, ainda que para fins de defesa nacional ou pessoal, configurando-se a prestação de serviço militar por esses cidadãos como ofensiva da sua personalidade moral, e contrária a um imperativo da sua consciência.
É assim que o reconhecimento à objecção de consciência ao serviço militar data de 1902 na Suécia, de

1916 na Inglaterra, de 1917 nos Estados Unidos e Canadá, de 1923 na Holanda, de 1949 na Alemanha, de 1963 na França.
A essa tendência das legislações nacionais não é estranha a posição que vem sendo assumida por diferentes instituições de grande prestígio internacional.
É desde logo o caso da Igreja Católica, nomeadamente no Concílio Ecuménico Vaticano II, recomendando aos governos que acolhessem a objecção de consciência canalizando o esforço e a energia dos objectores para tarefas pacíficas, mas úteis à comunidade.

Mas é também o caso da Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, da Comissão de Direitos do Homem das Nações Unidas, da Comissão Internacional de Juristas, da Unesco, da Conferência de Helsínquia.
Em Portugal, os artigos 41,º, n.º 6 e 276.º, n.º 4, da Constituição, reconhecem expressamente o direito à objecção de consciência, precisando o artigo 11.º, n.º 1, da Lei de Defesa Nacional, o respectivo conceito, agora acolhido, aliás, e bem, no artigo 1.º da proposta de lei do Governo.
Dos vários preceitos podemos extrair que a objecção de consciência é perspectivada como um direito autónomo, uma faculdade inserida na liberdade e inviolabilidade de consciência e religião, ou dela extraída.

E consagrando o artigo 276.º da Constituição como dever fundamental de todos os cidadãos portugueses (do sexo masculino, entenda-se) a defesa da Pátria, o n.º 4 do mesmo preceito corresponde a substituição de um dever por outro. Ou seja, na nossa perspectiva não pode deixar de se entender que as relações entre o dever de serviço militar e o direito à objecção de consciência são relações de harmonização, no quadro do sistema constitucional de valores.

Se estes princípios resultam, na nossa leitura, dos preceitos constitucionais e legais invocados, gostaríamos ainda, e em termos de enquadramento desta problemática, de referir um princípio político subjacente à nossa posição perante esta matéria.

Em nosso entender, a objecção de consciência deve ser garantida, mas não deve ser facilitada.
Desde logo porque a sua generalização se poderia traduzir numa desfiguração da consciência nacional, numa lógica pouco saudável de neutralismo e pacifismo, transformando a excepção em regra e fomentando a recusa do dever militar. Tal hipótese teria repercussões inaceitáveis no tocante à vontade colectiva de defesa nacional.

De igual modo, porque o favorecimento de falsos objectores de consciência não é de nenhum modo aceitável, quer à luz de princípios éticos, quer no tocante à posição dos verdadeiros objectores, e à posição da grande maioria dos cidadãos, que são aqueles, afinal, que cumprem os seus deveres militares. Por isso temos reconhecido uma grande importância à problemática do serviço militar, tanto em termos da sua duração como em termos do seu conteúdo, enquanto matéria que interessa à grande maioria dos jovens portugueses.
Finalmente, porque a sua generalização acarretaria graves efeitos no que concerne ao próprio recrutamento dos contingentes anuais necessários à nossa defesa nacional, correspondendo até, se generalizada de acordo com as intenções de alguns, a uma forma enviozada de pôr em causa o próprio princípio do serviço militar obrigatório.