O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

25 DE JANEIRO DE 1985 1659

O Orador: - Efectivamente, Sr. Deputado, o País precisa de mais rigor, seja o rigor dos comunistas, dos socialistas, dos sociais-democratas ou dos democratas-cristãos. Não pode é continuar a ter aquilo de que a sua intervenção foi um exemplo: hipocrisia e indignidade políticas.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Poderia dizer aqui que o meu colega de bancada Bagão Félix quase me tirava as palavras da boca. Mas eu diria ainda mais ao Sr. Deputado Ângelo Correia. Quando começámos a ouvir o seu discurso, temíamos, aqui, na bancada do meu partido, que dentro em pouco se esboçasse uma tendência para que amanhã apenas se vissem caras novas na bancada do PSD quando se fosse votar a proposta do Orçamento. Temíamos, também, que o Sr. Deputado Ângelo Correia fosse suspender o seu mandato. Mas o que é facto é que o Sr. Deputado Ângelo Correia teve a sinceridade de revelar que ia votar a favor. Quero-lhe dizer, Sr. Deputado, que a primeira parte do seu discurso, na qual constata uma série de males da situações económica e financeira do País, é uma posição típica da solução governativa a que aderiu e que apoia. Uns Ministros deste Governo tem constatado a burocracia e afirmado que ou rebentam eles próprios ou rebentam com a burocracia. Outros têm denunciado existir corrupção nos seus próprios ministérios. Acções no sentido de obviar a tais ocorrências não as temos visto.
O Sr. Deputado Ângelo Correia denuncia aqui uma situação catastrófica da economia, das finanças públicas, mas vai votar a favor deste Orçamento. Por outras palavras, é contra o Orçamento mas vai votar a favor dele. A pergunta concreta que lhe coloco, Sr. Deputado, é se não tem receio que o seu comportamento, bem como o comportamento semelhante de outros seus colegas de bancada, não só agora como noutras situações idênticas, possa fazer crer à opinião pública que as soluções fundamentais e necessárias para os problemas do País já não passam por esta Câmara; se não tem receio que atitudes como a sua, e semelhantes, contribuam para a diminuição da importância da Assembleia da República?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Prescindo do uso da palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Srs. Deputados, recordo-me de uma campanha eleitoral em 1976 em que o CDS concorreu com o slogan: «nós temos as mãos limpas». E perdeu as eleições, apesar de ter subido um pouco. Porquê? Talvez pela razão, muito simples, de que o País sabe que há, com certeza, entidades puras, ultrapuras, bactcriologicamente puríssimas, que não metem a mão em nada, mas que não correm riscos, que não têm problemas. Atiram com certeza, algumas tiradas, sabidíssimas, consabidíssimas. Simplesmente, não tentam meter as mãos nos problemas. Posteriormente, o CDS «meteu as mãos» por duas vezes: uma vez com o PS, outra com o PSD. E não estamos arrependidos da coligação com o CDS - esperamos que o CDS não esteja arrependido das suas coligações. Só que em política há duas maneiras de o fazer: uma é isolada do exterior, outra é tentar alterar uma situação.
Portugal não teve revolução industrial, repare-se, mas, sim, condicionamentos e problemas de toda a natureza e tem hoje uma situação que carece de um governo forte. Não dizemos lá fora o que não dizemos aqui, por isso temos a coragem de sermos apoiantes deste Governo. E sermos apoiantes é, também, sermos críticos para com este Governo; ser apoiante é dar-lhe o apoio, mas poder igualmente dizer-lhe o que sentimos e traduzimos do exterior.
É nesse sentido que não vamos dizer lá fora o que não dizemos aqui. Achamos que o Orçamento tem inúmeros pontos de continuidade, poderia ter mais pontos de mudança e deveria tê-lo. Mas a questão de fundo é a de que votemos contra, sejamos consequentes, como o Sr. Deputado quis sugerir. E tanto mais que a consequência que nos pede é errada. A consequência política da crítica pode ser o maior apoio e o maior empenho, porque se o não fizéssemos o que é que se criaria no País a partir deste momento? O que teríamos politicamente? Teríamos o Dr. Cunhal a sorrir, com certeza. É isso o que VV. Ex.ªs querem? Teríamos todos aqueles que no espectro partidário de todas as matizes políticas desde o 25 de Abril nunca se conseguiram inserir e que encontram hoje numa sombra protectora, num chapéu protector, a capacidade nova de fazer política à sombra desse guarda-chuva.
O que é que se nos pede? Que para esses criemos condições políticas - que são essas, sim - para provocar maior desequilíbrio e maior e inevitável derrapagem orçamental?
O nosso voto é de dupla natureza: é político por estas razões que acabei de dizer. E é-o porque se o não fosse criaríamos condições no País para maiores dificuldades.
Mas o nosso voto teve também o significado de tentar que no futuro, com algum empenho que se dê, o Governo consiga transformar o Orçamento possível no Orçamento desejável. O nosso voto não é mecanicista mas, sim, consciente.
E não estamos satisfeitos, Sr. Deputado Bagão Félix. Penso que ninguém pode estar, a não ser quem queira uma política do «quanto pior, melhor». Não estamos nada satisfeitos nem com o Orçamento nem com a situação que o País atravessa. Mas também sabemos que é pela vontade e pelo exercício da mesma que se mudam as coisas.
O nosso empenho é consciente para mudar. É consciente, participativo e corresponsabilizado pela nossa acção pretérita nos vários governos como o é neste. Mas a solidariedade não é só nossa. É também de todos aqueles que no passado da ditadura, da democracia ou da transição colocaram o País no estado em que ele está. O problema não é deste Governo - como diz o Sr. Ministro das Finanças - mas, sim, da classe política em geral. Ai de nós se não temos a presciência e a percepção de sermos solidários numa responsabilidade para salvarmos um país.