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1762 I SÉRIE-NÚMERO 45

artigos que se apliquem quando a Pátria prima sobre a disciplina corrente, disciplina corrente que tem sido o exemplo, como é de tradição, desde que não se confunda disciplina com subserviência».
A subserviência e a resignação não estavam no carácter de Humberto Delgado.
Demitido das suas funções na Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, por Santos Costa, escrevia ao cardeal Cerejeira a pungente carta de 14 de Julho de 1958 que ficou sem resposta:

Algumas pessoas que lembram que se proceda a um apelo a Sua Santidade o Papa no sentido de, dado que Portugal é um País fundamentalmente católico, se obter um pedido de clemência que interfira neste estado de espírito e tendente a diminuir ou findar com as brutalidades da polícia e outras violências de ordem espiritual.
Entendi, porém, que deveria dirigir tal apelo a Vossa Eminência, como mais alta figura que é da Igreja em Portugal, apelo que se estende ao pedido de amnistia geral para os presos políticos.

Em 27 de Julho de 1958, escrevia aos generais Botelho Moniz, Lopes da Silva, Costa Macedo e Beleza Ferraz uma carta em que os exortava a derrubar o fascismo.
O primeiro nada disse, o segundo mandou dizer por interposta pessoa «tem razão mas nada há a fazer» os outros dois manifestaram-se discordantes.
Em 21 de Agosto, mandava uma carta aos novos ministros em que denunciava as injustiças do regime e concluía afirmando:
As lições inexoráveis da História clamam inexoravelmente ao recitarem o que sucede a quem pretende governar contra a vontade de um Povo.
Entretanto, Humberto Delgado planeia um golpe militar para 18 de Dezembro, que, por defecções de última hora, falha.
Depois de o tentarem enviar para um exílio dourado sob o pretexto de ir estudar Economia no Canadá, Humberto Delgado integra a comissão que, com os professores Vieira de Almeida e Mário de Azevedo Gomes e os Drs. António Sérgio e Jaime Cortesão convida Aneurin Bevan para visitar Portugal. Presos os seus companheiros, imediatamente Humberto Delgado com eles se solidariza e é objecto de um processo disciplinar de onde resulta a sua demissão compulsiva.
Em 10 de Janeiro de 1959 prepara-se uma manifestação provocatória em frente à residência de Humberto Delgado na qual se simularia uma desordem que seria o fundamento para a prisão ou, até, o assassinato de Humberto Delgado.
A 11 de Janeiro decide pedir exílio político na Embaixada do Brasil o que faz no dia seguinte, 12 de Janeiro de 1959, partindo para aquele país cerca de 2 meses depois.
No exílio organiza a revolta de Beja entrando, então, clandestinamente, em Portugal e toma parte no assalto do Santa Maria.
Do Brasil parte para Argel onde, primeiro como Presidente da Junta Revolucionária da Frente Patriótica de Libertação Nacional e depois numa organização por si fundada, Frente Portuguesa de Libertação Nacional, continua a sua luta contra a ditadura.
E é num momento dessa luta que é atraído a Badajoz onde é assassinado, tanto quanto pudemos saber, nas cercanias de Olivença.
É por tudo isto que o general Humberto Delgado continuava a ser para a ditadura o seu principal e mortal inimigo.
É por tudo isto que o assassinaram num crime tão revoltante que só encontra paralelo naqueles que vitimaram ontem, na Itália fascista, o senador Matteoti ou hoje, na Polónia comunista, o padre Popieluszko.
O nome do autor moral do crime esteve sempre presente na boca de todos os portugueses sendo de recordar, nesta hora, os nomes de Artur Andrade, António de Macedo, Jaime Vilhena de Andrade, Mário e Carlos Cal Brandão, Viriato Teixeira Ribeiro, Dr. Alcena Bastos e seu irmão Dr. Joaquim Bastos, Catanho de Meneses, Raul Rego, bem como os seus advogados que em nome de sua Ex.ma Mulher e Filhos conduziram o processo até julgamento final; Drs. Mário Soares, Abranches Ferrão, Luís Saias - e peço à Câmara autorização para, ao pé destes nomes, acrescentar o meu muito modesto nome -, e que não silenciaram a verdade e por isso foram presos, deportados e encarcerados.
Humberto Delgado foi mesmo assassinado por ordem directa do ditador?
É Gabriel Garcia Marquez que nos explica certa subtileza.
Passamos a transcrever:

O general Teófilo Vargas desbaratou em poucas horas, a coligação dos comandantes melhor qualificados e apoderou-se do comando central.
É uma fera - disse o coronel Aureliano Buendia aos seus oficiais. Para nós esse homem é mais perigoso que o Ministro da Guerra.
Então um capitão muito jovem, que sempre se havia distinguido pela sua timidez, levantou um dedo cauteloso.
É muito simples, coronel - propôs -, há que matá-lo.
O coronel Aureliano Buendia não se alarmou com a frieza da proposta, mas pela forma porque se antecipou uma fracção de segundo no seu próprio pensamento.
Não esperem que lhes dê essa ordem - disse.
Com efeito, não a deu. Mas 15 dias depois o general Teófilo Vargas foi despedaçado à machadada numa emboscada e o coronel Aureliano Buendia assumiu o comando central.
As suas ordens eram cumpridas antes de serem dadas, ainda antes de ele as conceber, e sempre iam muito mais longe do que ele se atreveria a fazê-las chegar.

Assim era também Salazar!
Compara-se o texto transcrito com a declaração feita por Salazar a Silva Pais: «Se quiser, talvez, salvar o País de coisas muito graves, faça que não haja uma palavra sobre isto» - e ter-se-á um exemplo acabado de premeditação de um crime e da imposição a um subordinado do seu encobrimento.
Tal como na ficção, Salazar insinuava, ou melhor, ordenava através da insinuação.
O assassinato do general Humberto Delgado faz parte da nossa memória colectiva que urge preservar.
Importa que as gerações vindouras saibam que tal como na retirada de Xenofonte houve 10 000 que