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22 DE FEVEREIRO DE 1985

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Diz o Sr. Deputado Correia Afonso: «Bom, mas os caminhos separam-se quando começamos a perspectivar a alternativa.» Creio que os caminhos têm de separar-se sempre, na medida em que há diferenças ideológicas entre as diversas forças. Resta saber se pararão assim tanto, ou se pararão em torno dos traços que o Sr. Deputado Correia Afonso aqui aventou como sendo diferenças significativas.
Por exemplo, seria injusto e redutor dizer que o projecto de lei do PCP se caracteriza unicamente por propor a criação do instituto de acesso ao Direito. Creio que uma das pedras e toque do projecto de lei do PCP é o sublinhar que não pode haver uma solução única. Não pode estar nas mãos ou da Ordem dos Advogados, só por si, ou das instituições privadas, só por si, ou do Ministério Público, por si só, ou do instituto de acesso ao Direito, como realidade única e total, a resolução do problema do acesso ao Direito em Portugal no estado em que a questão hoje se coloca. Só com base na conjugação de esforços, só com base na mobilização e integração de recursos será possível dar uma resposta adequada, face ao nível das carências existentes.
Agora, o que não pode recusar-se, na nossa óptica, é que o contributo do Estado para a resolução desse problema se realize através da criação do instituto público, que não é um papão, nem uma «horrível» realidade totalitária, mas é um forma organizada, como o Sr. Deputado Correia Afonso sabe perfeitamente, de dar expressão à intervenção do Estado em esferas diversas da nossa vida, seja no plano económico, seja no plano social, seja no plano cultural.
Há institutos públicos para os mais diversos efeitos e nada impede que haja institutos públicos, ou um instituto público, para agir nesta esfera, com uma dimensão que depende da legislação regulamentar, como recursos financeiros que aprovaremos aqui, na Assembleia da República, todos os anos - e que podem ser maiores ou menores -, com um quadro que pode ser mais vasto ou menos vasto, com regras de funcionamento que devem ser cuidadosamente meditadas. Aliás, nada impede que haja um instituto público ou a existência de advogados públicos. De resto, nem é uma ideia original nossa. Advogados públicos existem em muitos países, inclusivamente nos países que aqui foram citados como relevantes as terríveis «virtualidades» do sistema capitalista, como há pouco dizia o Sr. Deputado Costa Andrade. Eu não diria tanto, sobretudo não diria o mesmo. Contudo, direi que a luta pela garantia do acesso ao Direito conduziu em países capitalistas a conquistas traduzidas na instituição de mecanismos de intervenção pública, em certos casos significativos; que, em algumas hipóteses, são meras bandeiras propagandísticas, simulando a resolução de uma coisa que está por resolver. Mas noutros casos contribuíram poderosamente para a queda de algumas barreiras, e seria bem positivo que, em Portugal, essas barreiras caíssem ao nível e com a extensão com que caíram nesses outros sítios.
Aí valerá a pena copiar, aí valerá a pena aplaudir, aí valerá a pena legislar de forma igual.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado Costa Andrade (PSD).

Quer isto dizer, pois, que esta ideia não assume hoje a ressonância terrífica que assumiu noutros tempos e num outro quadro histórico.

Hoje, vulgariza-se, da parte de diversos quadrantes de opinião, a admissão de que pode e deve haver um núcleo de advogados em dimensões e com um estatuto que garanta a sua independência pagos directamente pelo Estado. E a questão está nesta palavra mágica: «pagos directamente».
A Comissão de Acesso ao Direito, que trabalhou sob os auspícios do ex e actual Ministro Mário Raposo, imaginou um sistema todo ele assente no financiamento público. Os gabinetes de consulta jurídica, cuja instituição a Comissão de Acesso ao Direito propôs formalmente, e o próprio sistema assente no contributo da Ordem dos Advogados, supunham sempre este dado inatacável: financiamento público. Mas dizia-se: «[.. .] através da Ordem». «Sem isso, os advogados poderão converter-se em eunucos forenses, sem alma» dizia o Dr. Mário Raposo, isto é, sem fibra, sem vibração.
Nós perguntamos, Srs. Deputados, se o que converte o advogado livre e independente em «eunuco forense» é o facto de ser pago aqui ou ser pago ali...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-ma licença, que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, agradeço-lhe o facto de me ter deixado interrompê-lo, porque neste momento V. Ex.ª chegou ao problema fulcral, que não é o de saber se é ou não o Estado a pagar; não é na origem do pagamento que está o problema, mas na forma como se recebe esse pagamento.
O Sr. Deputado defende, através do instituto de acesso ao Direito, que um advogado - isso é dito expressamente no relatório - «tem uma dedicação exclusiva», é, portanto, um funcionário público.
Em nenhum país da Europa - e não vou citar agora nenhum porque daqui a pouco, visto já me ter inscrito para fazer um protesto, vou ter ocasião de expor como é que os tipos característicos do acesso ao Direito funcionam na Europa - os advogados são funcionários públicos, e estou a falar na Europa livre, embora seja o Estado a pagar. Nesses países, funciona em termos diferentes: é uma espécie de requisição de serviço. Não há uma funcionalização, não há uma subordinação hierárquica.
E nós sabemos, Sr. Deputado, que quando o advogado é funcionário público - como o Estado moderno, em qualquer sítio, é o maior violar dos direitos -, não tem liberdade para defender aqueles que são, no fundo, prejudicados. Portanto, o problema não reside no facto de ser o Estado a pagar, visto que estamos todos de acordo em que o Estado tem de pagar. No entanto, não pode fazê-lo funcionalizando o advogado mas requisitando-lhe os serviços avulso, através de um organismo independente, como seja a Ordem ou outro qualquer organismo, que não o próprio Estado.
Agradeço-lhe, Sr. Deputado, o facto de me ter permitido a interrupção.

O Orador: - De nada. Creio, aliás, que o contributo que deu é útil, porque permite separar algumas águas numa matéria em que reina excessiva confusão. Não sei se o Sr. Deputado Correia Afonso não foi, apesar de tudo, veículo para alguma confusão... 15to porque creio que um dos dados que mais tem pertur-