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6 DE MARÇO DE 1989 2199

contemporâneos terminam normalmente os seus diplomas pela já ritual criminalização das condutas que se afastam dos padrões de conformidade que pretendem instaurar.
Como já em 1873, de forma sintética e expressiva, referia Merkel:
Onde se registou a expansão do domínio do direito verifica-se que, por via de regra, a justiça criminal teve parte no empreendimento. À semelhança dos lictores que seguiam permanentemente na peugada dos cônsules romanos, como símbolos e garantes da sua autoridade, também a justiça criminal segue, com a corte dos seus servidores e instrumentos, os avanços do direito, garantindo que a sua vigência não será efémera.
Para além desta ideia, que terá suscitado teses que aqui ouvimos já como a do «Governo desarmado» ou a do «Governo condenado» a fazer leis incompletas, há, pelo menos, do nosso ponto de vista, algo mais importante e que justifica a atenção da Assembleia da República.
O legislador foi-se deixando seduzir pela ideia, perniciosa mas difícil de evitar, de pôr o aparato das sanções criminais ao serviço dos mais diversos fins de política social, originando uma verdadeira inflação incriminatória.
Daí um abundante direito penal secundário que é, em sentido próprio, direito penal administrativo já que pretende sancionar com penas a violação de ordenações da Administração e se apresenta, assim, como direito administrativo, pela matéria senão pela competência.
É a própria questão existencial, digamos assim, de um direito penal administrativo que a proposta coloca, sem explicação e com uma má solução.
E, no entanto, sem uma clara concepção, poderemos aproximar-nos do «estado de polícia iluminista» lançado, na sugestiva expressão de Rogério Soares, «quase em delírio, numa tutela imediata dos mais variados interesses, desde os mais significativos interesses culturais, económicos ou políticos, até aos simplesmente mesquinhos».
A ideia de contravenção que se pretende fazer sobreviver, radica, aliás, na necessidade de abranger infracções de pequena gravidade, puníveis com as chamadas «penas de simples polícia».
E se a história nos oferece alguma matéria de reflexão, não menor nos oferece o direito comparado.
O caso espanhol é, particularmente, elucidativo. Em Espanha, até à entrada em vigor da actual Constituição, a Administração podia aplicar verdadeiras penas, inclusive penas privativas da Uberdade.
A doutrina espanhola considerava unanimemente e tanto por parte de administrativistas como de penalistas, que assim se violavam princípios fundamentais do Estado de Direito.
É neste contexto e a esta luz que há-de entender-se a afirmação do Sr. Ministro da Justiça de que a proposta visava, no essencial, as faltas contra a economia e o ambiente.
O artigo 3.º da proposta de lei exclui, no seu âmbito, o Código Penal.
De igual modo, o simples facto de ser solicitada a autorização legislativa, significa não pretender o Governo situar-se no campo do direito de mera ordenação social, como sistema distinto do do direito penal e dele autonomizado, tanto no plano substantivo como no processual.
É assim, por exclusão de partes, que podemos concluir visar a proposta a que chamámos direito penal administrativo, isto é, não o direito clássico codificado nem o direito das contra-ordenações.
Este direito penal administrativo teria inclusivamente como limite normativo negativo o direito das contra-ordenações, já que este visaria condutas que, independentemente das proibições que as possam atingir, se revelem axiologicamente neutras ou como tais, se quiserem, sejam valoradas ético-socialmente.
Só que tal significa ser o direito penal administrativo preenchido por condutas relevantes, do ponto de vista ético-social.
O que, necessariamente, nos coloca o problema de que o casuísmo subjacente à proposta é, não só uma má solução, como inadequada à ideia de que «só possa criminalizar-se o que de forma inequívoca mereça o predicado do socialmente danoso» a que a autorização, nos termos vagos e genéricos como está redigida, de nenhuma forma corresponde.
Aliás, mesmo reconduzindo a proposta ao campo da protecção, conservação e promoção dos direitos económicos e sociais, como pareceu decorrer do discurso do Sr. Ministro da Justiça mas não é claro no texto da proposta, muitas questões permanecem.
Citando de novo Figueiredo Dias: «Particular relevo assumirá o aprofundamento do perfil criminológico da criminalidade económica, com a sua etiologia e o seu condicionamento político-social específicos sobretudo quando - como entre nós acontece no momento presente - se verifique simultaneamente um afinamento da sensibilidade democrática da opinião pública, um reforço do controle informal por parte dos meios de comunicação social uma situação generalizada de crise e de retracção económica e integração da comunidade em novos e mais amplos espaços político--económicos.» Aliás, as conclusões do estudo que citava, chamado «Para uma dogmática do direito penal secundário», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, constituem, elas sim, a definição do que poderia ser uma política.
Transcrevendo-as, ainda que parcialmente, julgamos introduzir no debate mais um elemento de reflexão e evidenciar que esta proposta de lei coloca problemas importantes, que equaciona mal e resolve pior.
As propostas contidas no estudo do professor Figueiredo Dias são, em resumo, que o ordenamento jurídico-penal português do futuro deve ver-se dotado de uma lei quadro sobre o direito penal, económico e social. Desta lei deverá esperar-se que clarifique a aplicação do direito penal secundário, vigente e futuro, e que ponha limites implícitos à futura actividade legislativa penal extravagante, vinculando-a aos princípios válidos na matéria, evitando a inflação incriminatória e facilitando a reflexão sobre a constitucionalidade das leis penais avulsas.
O novo Código Penal continua a restringir-se aos crimes cabidos nos quadros do direito penal clássico. Esta decisão legislativa torna ainda mais instante a necessidade de uma lei quadro destas matérias.
Pressuposto da elaboração de uma tal lei, é uma revisão minuciosa tendente a determinar o que deve ser revogado e o que pode substituir em toda a legislação penal extravagante em vigor. Assumirão particular ré-