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6 DE MARÇO DE 1903 2201

Este debate foi feito sobre uma proposta de conteúdo não inovador, mas foi feito com novo ministro.
O debate não terá sido novo, em si mesmo, mas propiciou, certamente, uma declaração política sobre a situação da justiça. Tivemos remodelação governamental, não tivemos rediscussão do programa do Governo nem sequer comparência perante a Assembleia da República, nem sequer, naturalmente, moção de confiança. Mas tivemos, pelo menos, a terminação que foi uma declaração sobre política do Ministério da Justiça por parte do respectivo Ministro.
Devo dizer que, em relação à questão concreta que tinha originado esta discussão, a Assembleia não terá ficado particularmente esclarecida. Ficou completamente comprovado, como já aqui foi sublinhado, que o Governo não abona em favor da legitimidade constitucional do seu pedido de autorização legislativa, nenhum argumento nem sólido, nem líquido, nem nada... O Governo apenas promete que: alínea a) será cauteloso; alínea b) só usará isto que nos pede para o direito penal secundário.
Todavia, Sr. Ministro, é desde já necessário sublinhar que nada, literalmente nada, no texto de autorização legislativa o assevera e garante. É um compromisso verbal que, a ter sentido pleno, deveria ter - má solução seria! - alguma expressão no articulado.
O Governo assevera-nos também que não vê nem prevê particulares inconvenientes, nem particular necessidade de recurso a este mecanismo que aqui nos propõe.
Quer, pois, dizer que estamos como estávamos: o Governo usou a autorização anterior para 4 ou 5 casos em que poderia perfeitamente - e para isso bastaria um mínimo de planificação da actividade legislativa - ter vindo à Assembleia da República propor, com o devido enquadramento e com a devida definição do objecto e do sentido, as normas de que carecesse. O Governo não o quer fazer, pois entende que deve confrontar a Assembleia da República, periodicamente, com um pedido de autorização que lhe atribua aquilo que constitucionalmente não tem para usar como, eventualmente, entenda ou, pura e simplesmente,
não usar. Parece-me que, do ponto de vista institucional, é uma situação inaceitável.
Do ponto de vista constitucional, ficou alegada a falta de cabimento constitucional de autorizações deste tipo.
Diria, todavia, que o seu uso comprova que é uma violência institucional inaceitável aquilo que o Governo, periodicamente, aqui nos vem propor.
O Governo dirá que quer rever a Constituição nesse ponto, mas isso é outra questão, dirá que entende que deveria ter uma competência penal mínima, como aqui dizia há tempos o Sr. Ministro de Estado Almeida Santos, mas isso é uma questão que, sem dúvida, não pode ser confundida com o acatamento do quadro constitucional que existe e que vigora e que, aliás, concede ao Governo, volumosíssimos poderes que têm sido usados em matéria de cominação de sanções, não de crimes nem de penas mas de contra-ordenações e de coimas, como todos sabemos. Quanto à forma como têm sido usados, lá iremos atempadamente.
O Governo não explicitou, pois, o que pretende, apenas nos fez uma promessa. É, digamos, o new look do Governo, as promessas nesta matéria. Esta é mais uma com este aspecto que nos parece particularmente grave.
Esta autorização não é apenas inconstitucional e desnecessária, dada a experiência da sua anterior utilização, é também uma autorização perigosa. Isso já aqui foi adiantado com argumentos que nos parecem de ponderar pela Assembleia da República e que deveriam ter uma adequada repercussão.
É perigosa desde logo porque o Governo não explicita, perante a Assembleia da República, a política criminal em que se inserem as medidas que projecta quando projectar, uma vez que o Governo nem projectos tem nesta matéria e pretende apenas ficar com uma autorização, «pronto-a-vestir», para vestir quando entender ou para não utilizar se entender não o fazer.
Não nos explicitou, porém, quais são as grandes balizas dessa política. Ora, nós sabemos que tem proliferado, de um lado, a descriminalização acelerada, por outro lado, a criminalização infundada ao mesmo tempo que prolifera, inegavelmente, o ilícito de mera ordenação social em termos que são, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, verdadeiramente preocupantes.
Aqui há tempos, os juristas de um grupo parlamentar com assento na Assembleia da República fizeram um encontro em que, após algumas horas de discussão, concluíam no seu ponto n. º 4 que «a dispersão das normas incriminadoras em legislação extravagante deverá, em tendência, ser combatida, havendo que optar por um critério mais aceitável, pela codificação do Direito Penal em diplomas de racional sistematização e de fácil consulta e utilização. Deverá, por outro lado, articular-se essa legislação secundária incriminadora, nomeadamente os Códigos da Caça e da Estrada, com os princípios fundantes do Código Penal».
Isto está dito e está bastante bem dito, só que não é aplicado nem corresponde à política do Governo. Foi dito pelos senhores juristas do PS, fora daqui; aqui dentro ainda não.
Simultaneamente sublinha-se que a figura da contra-ordenação, interessante veículo de descriminalização e de circunscrição do Direito Penal material a questões de comprovada relevância, se encontra num processo que deve ser invertido - sublinham - de crescente e preocupante adulteração, estando hoje em vias de descaracterização face às finalidades e à estrutura processual respectiva com que o legislador a concebeu.
E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é puramente verdade.
É, porém, na boca de quem o disse, uma autocrítica porque tem sido isto que tem feito o Governo do PS e do PSD. Portanto, os juristas do PS criticam o Governo, desta vez com toda a razão e formulando críticas que são suscitadas por diferentes quadrantes da opinião pública, desde logo pela nossa própria bancada em diversas ocasiões.
Eu creio, Sr. Ministro, que aquilo que se passa quanto à explosão das contra-ordenações merece urgentíssimas medidas e carece de uma rápida inversão se ela for possível com o Governo que temos.
Aquilo que se fez em matéria de descriminalização e de aplicação do ilícito de mera ordenação social significou subtrair largas faixas de incriminação, de ilícito, em Portugal, em que havia, para além de uma acção penal porventura insuficiente, debilidades e problemas de aplicação, problemas de articulação entre as forças policiais e o Ministério Público e a falta de uma direcção uniformizada e única por parte do Governo que é incapaz de o fazer em combate à criminalidade