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2200 I SÉRIE - NÚMERO 33

levo, nesta revisão, a indagação da constitucionalidade de muitos preceitos, bem como o juízo sobre o que deve ser discriminalizado ou integrado no direito das contra-ordenações.
A lei sobre o direito penal económico e social - sendo subsidiária na sua aplicação, relativamente ao Código Penal - terá de erigir, com clareza e segurança, os seus princípios específicos, dentro dos quais, os princípios respeitantes ao âmbito de aplicação material da lei, princípios respeitantes à tipificação das condutas proibidas, princípios respeitantes à responsabilização penal das colectividades.
Aqui estava, sim, uma política que esta proposta de lei de nenhum modo consubstancia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por estas razões que procurámos exprimir que, além de a considerarmos inconstitucional, votaremos contra a proposta de lei n.º 98/III.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Deputado Magalhães Mota trouxe considerações úteis para reflexão da Câmara, a propósito de alguns ângulos importantes, tais como os do direito penal secundário e os da administrativização da penalística.
Estava a ouvi-lo e não pude deixar de me recordar de uma pungente carta, escrita por D. Francisco Manuel de Melo e transcrita na Boémia do Espírito, de Camilo Castelo Branco, ao Rei, queixando-se do carácter eminentemente injusto, persecutório, da pena que lhe havia sido aplicada, bem pesada para a época
- não vem a talhe de foice esboçar aqui a história que a precedeu. Pôde provar-se mais tarde que tinha certa razão para afirmar o que afirmava.
E a questão que se suscita é, não ignorando nós que inúmeras injustiças têm sido cometidas, neste domínio, através da História, por incúria do legislador e pelo laxismo que normalmente lhe vem associado, a de saber se a administrativização da penalística pode ou não ocorrer com o quadro que nós temos vindo a observar, agravado ainda pelo ensejado no Estatuto dos Magistrados Judiciais e na Lei Orgânica dos Magistrados do Ministério Público.
É que, por administrativização podem entender-se - penso eu - duas realidades distintas só na aparência: a que tem a ver com a aplicação da justiça por entes caracteristicamente administrativos e a que tem a ver com a tentativa de servilizar as magistraturas para que elas apliquem, às cegas e sem um mínimo de ponderação, aquilo que um qualquer executivo, a seu bei talente, entretanto legiferar.
Põe-se, portanto, o problema de apurar se, para além de tudo mais, uma proposta de lei como esta, que o Sr. Deputado Magalhães Mota esteve a analisar, faz ou não correr o risco de delicados perigos, sinalizados na sua intervenção, e agora na minha, e se, por outro lado, paralelamente, temos quaisquer garantias de que ela apenas se orientará no sentido do chamado direito penal secundário. Pese embora a palavra do Sr. Ministro, nada está escrito no texto da iniciativa governamental, não conhecemos com rigor e com delimitação - é mais um dos aspectos, a juntar a tantos outros, da indebitude com que ela nos vem instruída - o que dela resultará.
Gostava de ouvir o Sr. Deputado Magalhães Mota relativamente a estas matérias, a administrativização da justiça penal, os riscos gravíssimos que ela comporta e, uma vez mais, naturalmente, a incompletude absoluta, face ao disposto constitucional, da proposta de autorização legislativa que temos estado a apreciar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mola (ASDI): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, penso que todas as propostas de autorização legislativa que, como esta, não têm sentido nem extensão, são, além de perigosas, inconstitucionais, e que a Assembleia da República ao conceder autorizações nesse sentido, assume a particular responsabilidade da inconstitucionalidade que comete e dos riscos da utilização que deixa cometer.
Creio que já nos pronunciámos bastante sobre isto mas gostaria, em todo o caso, de acrescentar que, mesmo no campo do direito penal secundário que, como disse, resulta mais da intervenção do Sr. Ministro do que da proposta que nos é apresentada, mesmo nesse campo, pensamos, tal como o estudo do professor Figueiredo Dias que citei, que se torna indispensável uma lei-quadro prévia, de modo a que se enquadrasse a legislação extravagante, se lhe impusessem justos limites e, inclusivamente nela, se pudessem considerar os princípios específicos que esse direito extravagante deveria concretizar.
Parece-me que só assim a Assembleia da República asseguraria, com clareza, o sentido dessa legislação e só dessa maneira essa legislação nos daria garantias suficientes de que não estávamos a criminalizar por criminalizar.
Penso, no entanto, que nos é difícil, pelo menos neste momento da discussão, restringir o campo da proposta a este campo. A proposta nada diz que permita levar-nos neste sentido. Aquilo que ela tem de particularmente agressivo é que permite ao Governo criminalizar o que muito bem entenda, quando entenda, se assim o entender, embora tudo isto comedidamente, nas palavras de apresentação que nos foram ditas.
Creio que isto basta para justificar os riscos da proposta e o voto contra que já enunciei.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Por circunstâncias relacionadas com a profunda crise política que se vive - e tende a continuar a viver-se - o debate da proposta de lei n. º 98/III acabou por se revestir de uma imprevista importância e permitiu carrear elementos informativos sobre uma das grandes interrogações que se perfilam neste momento sobre a evolução da situação portuguesa e que é a de saber o que é que vai acontecer também a uma das crises que, entre a crise geral que se vive, é flagrante e que é, naturalmente, a crise da justiça, à qual temos procurado dedicar atenção, aqui na Assembleia da República, alertando para a gravidade dos principais indicadores que dizem respeito a esse sector, que tem estado longe das preocupações da coligação governamental no plano parlamentar e tem estado no centro de algumas iniciativas de perniciosos efeitos, como todos sabemos.